Prefeito de lá aponta Canoas com dados fora de contexto e mal entendido pode se transformar em crise política
ATUALIZADA – Um post na rede social do prefeito de Gravataí, Luiz Zaffalon (MDB), tem tudo para ser o estopim de uma crise que começa despretenciosa como um mal entendido, mas com repercussões políticas que podem se tornar maiores. Como há 82 anos, quando a comunidade do distrito de Canoas pediu para emancipar-se por, entre outra razões, não ter a devida a atenção do município-sede – a mesma Gravataí que agora fustiga a aldeia daqui por dados fora de contexto.
Explico.
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Zaffa, como é conhecido o prefeito por lá, publicou no domingo, 28, a informação de que Canoas tem mais mortes por mil habitantes do que Gravataí, o que é verdadeiro. Lá, segundo o Estado, são 173 mortes por mil habitantes; aqui, 262,5. O dado responde à disputa política local, que o pôs o PSD do ex-vereador Dimas Costa, aliado de Jairo Jorge, na oposição. Dimas tinha dito, durante a semana, que em Gravataí o percentual de mortes entre os infectados é de 2,9% – acima da média do Estado, que é de 2,2%. Zaffa veio com os números por mil, que também estão em reportagem do jornalista Rafael Martinelli do Seguinte: em Gravataí 'Caíram aviões em Gravataí: 500 vidas perdidas até fim da semana; São 2 Airbus, duas boates Kiss'. Não dá para afirmar que Zaffa quis cutucar Jairo com uma taquara curta, mas de todo modo, esse foi o resultado.
Avisado sobre o post, Jairo o achou desnecessário. E tem suas razões.
A postagem de Zaffa não leva em conta que a incidência da Covid-19 em Canoas é maior do que em Gravataí – e isso provavelmente explique o maior número de mortes aqui do que lá. A geografia da cidade, coladinha em Porto Alegre e com cinco estações do trem que transporta mais de 300 mil passageiros todos os dias entre o Vale dos Sinos e a Capital impõe uma circulação de vírus maior. Resgato informação do 3º Boletim Genômico do SARS-COV-2 feito pela Vigilância em Saúde do Estado e divulgado no dia 4 de março. O documento indica que há 19 variantes da Covid-19 no Rio Grande do Sul – 12 delas já identificadas em Canoas; em Gravataí, foram 7. Em Canoas, há predomínio da P1, também conhecida como 'variante de Manaus', com maior poder de transmissibilidade.
Por mais verdadeiro que seja a informação das mortes por mil habitantes, ela não contextualiza o incremento de estrutura em Saúde Pública que Canoas vem fazendo para enfrentar a pandemia. Hoje, a cidade administrada por Jairo tem 137 leitos de UTI exclusivos para pacientes com Covido-19; a por Zaffa, 20. Canoas fecha a semana com 267 leitos de enfermaria em alas Covid enquanto o Hospital Dom João Becker, o único de Gravataí, tem 79, segundo informações da Santa Casa de Misericórdia, que administra a instituição. E Canoas testa mais do que Gravataí: deve chegar à 115 mil testados até o final da semana, como conto no post '1 em cada 3 canoenses já se testou para Covid-19: o que isso diz o que está por vir'. Gravataí está perto de 55 mil testes.
Há 82 anos, coube a Victor Hugo Ludwig procurar o general Flores da Cunha, então intervertor federal no Rio Grande do Sul, para levar o pleito do distrito de Canoas que queria um limite entre si e a sede, Gravataí. Agora, é Jairo quem terá a chance de queixar-se – não pelo que Zaffa tenha dito, já que está feito; mas em nome da solidariedade em meio ao buraco cruel e comum que vivemos em tempos de pandemia.
A derrapada política aqui não é falar sobre os números, que são verdadeiros; mas usá-los para resolver uma disputa local correndo o risco de jogar gasolina sobre a faísca de uma crise política com um parceiro institucional importante. Jairo e Zaffa se encontram na semana que vem, depois da Páscoa, na reunião de abril da Granpal que volta a tratar da compra de vacinas contra a Covid-19.
Veremos.
ATUALIZAÇÃO – Este post informou inicialmente que o Hospital Dom João Becker possui 24 leitos de UTI e 34 de enfermaria para atendimento aos pacientes com Covid-19. Na verdade, são 20 de UTI e 79 de enfermaria. O texto já foi corrigido.