Caso da higienização

CANOAS | Relatório do TCE amplia ’detalhes’ que justificam demissão de diretor; há indícios de que irregularidade em empresas foram ignoradas

Relatório do TCE aponta que além de desclassificar indevidamente empresa que participava do chamamento público, diretor ignorou indícios de irregularidaes sobre a vencedora do processo

Demitido na sexta-feira, 14, pelo prefeito Jairo Jorge, o então diretor de Licitações da Secretaria de Planejamento e Gestão pode ter 'escorregado' em mais do que apenas um detalhe no processo de licitação que levou à contratação emergencial de uma empresa para limpeza, higienização e serviço de copa na Prefeitura de Canoas. Digo 'escorregar' porque é cedo para afirmar culpa ou equívoco; por enquanto, todo o procedimento comandado por ele está sob análise da Direção de Controle e Fiscalização, ligada ao Serviço de Autoria da Região de Porto Alegre do Tribunal de Contas do Estado, o TCE.

A contratação da empresa, a dispensa de licitação e os atos do diretor de licitação são parte de um processo do TCE que já soma 488 páginas. Entre uma série de documentos, a auditoria 1168/2021/1 aponta irregularidades contratação feita pelo processo de dispensa de licitação nº 5.865/2021. Segundo o documento, assinado por dois técnicos no tribunal, o diretor usou o email pessoal e não um endereço eletrônico corporativo da Prefeitura para se comunicar com participantes do certame, além de pedir às próprias empresas para formação do preço no termo de referência do chamamento público. O indicado, em situações como essa, é basear-se em contratos similares vigentes – o que no caso da higienização, a própria prefeitura mantém com outras terceirizadas para limpeza de unidades de saúde e escolas, por exemplo.

A auditoria do TCE também não encontrou justificativa adequada para inabilitação da proposta da empresa que ofereceu o menor preço no processo. O diretor justificou a eliminação da concorrente com preço 23% inferior a segunda colocada por considerar que o cálculo de custos baseava-se em convenção coletiva de trabalho do ano de 2020 quando o serviço, prestado em 2021, teria um preço maior. Haveria, aí, um risco de prejuízo ao município que eventualmente teria de arcar com passivos trabalhistas se a empresa deixasse seus funcionários sem pagamento.

Para o TCE, deveria ter sido oferecida à empresa com menor valor a chance de adequar-se ou prestar o serviço arcando com a diferença de remuneração. Os técnicos do tribunal apuraram que a o reajuste no salário da categoria a ser contratada foi de 5% e 4,5% no vale refeição – o que, ainda assim, deixaria a proposta da vencedora impugnada mais vantajosa do que a segunda colocada.

Outras duas das cinco empresas que participaram do processo são de São Paulo e o TCE não encontrou contratos de prestação serviço feitos por elas no Rio Grande do Sul. Uma delas, inclusive, sequer teria em seu CNPJ o cadastro de atividade afim com a licitação da qual participava.

 

Indícios de irregularidade

A situação fica mais grave quando o relatório da autoria trata da empresa que acabou por assinar o contrato com o município de forma emergencial em fevereiro de 2021. Segundo os técnicos do tribunal, após a impugnação da primeira colocada, a segunda foi chamada para prestar o serviço pelo período de 180 dias pelo valor de R$ 563,6 mil por mês. Esta empresa foi criada em 22 de abril de 2020, incialmente como comércio de confecções na cidade de Pinhal. Somente em dezembro de 2020 mudou seu endereço para Porto Alegre e alterou o CNPJ para a atividade que, este ano, permitiu que fosse contratada pela Prefeitura de Canoas.

A titular da empresa é apontada na auditoria como companheira do dono de outra concorrente no mesmo processo – o que pode ser comprovado através das redes sociais de ambos. No endereço da vencedora, visitado pelos técnicos do TCE, há um cartaz informando o expediente durante os protocolos de distanciamento em razão da pandemia, mas o logo no informe é da empresa do companheiro. Ambas empresas usavam nomes comerciais parecidos, o que só foi alterado em janeiro deste ano, na última mudança feita pela vencedora na Junta Comercial. Conforme indica a auditoria do TCE, uma empresa do companheiro que já encerrou suas atividades responde a 86 processos na justiça.

A empresa apresentou, ainda, um atestado assinado por outra empresa, com sede em São Paulo, afirmando que exerce bem e com regularidade a atividade que se propõe contratar com o município. No entanto, o documento se refere a um período em que o CNPJ da vencedora sequer permitia tal atividade – e foi, portanto, considerado duvidoso pelo TCE.

A vencedora também estaria praticando cobrança irregular em determinados itens da planilha de custos apresentada ao município. Por ser Micro Empresa e optante pelo Simples, está dispensada de determinados encargos; no entanto, eles aparecem nos custos contabilizados na planilha. Até o valor dos uniformes cobrados da Prefeitura foi considerado elevado na proporção do contrato total.

Para o TCE, o prejuízo aos cofres públicos pode passar de R$ 770 mil caso o contrato emergencial seja cumprido integralmente pelo período dos seis meses previstos.

Procurado, o ex-diretor de Licitações não retornou os contatos do blog para falar sobre o assunto.

 

Prefeitura glossa contrato

Ainda na sexta-feira, 14, o prefeito Jairo Jorge determinou a glossa preventida do contrato de higienização, limpeza e serviço de copa da Prefeitura. Isso significa que a empresa vencedora do chamamento público mantém os serviços que foram considerados essenciais nesse momento de pandemia, mas vai receber apenas os valores indicados na planilha da empresa com o menor preço do certame e que restou impugnada no processo. O diretor de licitações, como o blog já havia informado antes, foi demitido também na sexta-feira.

O caso ainda não foi julgado pelo TCE – trata-se de uma auditoria que ainda precisa passar por um dos conselheiros do colegiado, que vai avaliar o procedimento adotado antes e depois da valiação feita pelos técnicos da instituição. A ação da Prefeitura em dar solução ao caso vai ser levada em conta, portanto.

O tribunal também vai avaliar a origem da contratação – que foi o pagamento por reconhecimento de despesa e sem contrato do serviço nos três últimos meses de 2020, na gestão de Luiz Carlos Busato. Os documentos sobre esse período e os valores envolvidos também já estão nas mãos dos auditores do TCE. 

 

 

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