BLOG DO RODRIGO BECKER

CANOAS | Sogal fala: o prejuízo da pandemia, o dia do ‘quase caos’ e a tese da prorrogação sem vilania nem virada de mesa – Marlon e as razões para ficar

Marlon Casagrande é o atual diretor da Sogal, a empresa de ônibus que detém o contrato de concessão do transporte público de Canoas. Foto: Rodrigo Becker/Seguinte:

Em entrevista ao blog, diretor da empresa conta como foi a luta da Sogal para sobreviver à pandemia, o nó que aperta as contas da concessionária e o motivo pelo qual vai insistir pela renovação do atual contrato

Há tempos o blog queria oferecer esse conversa aos leitores, mas só agora foi possível. Na sexta-feira, 27, pela manhã, com um ‘sol de férias’ reluzindo pela janela, o diretor da Sogal, Marlon Casagrande, recebeu o blog para um bate-papo sobre um dos problemas que mais aflige a cidade: o sistema de transporte coletivo. Em menos de 60 dias, o atual contrato de concessão expira e uma solução tem que ser encaminhada até lá para evitar o risco de deixar a cidade sem ônibus na antevéspera do Natal.

Não seria inédito, porém. Na virada de 2020, o primeiro ano da pandemia, com o caixa combalido e sem o socorro de subsídios do governo que só viriam no ano de 2022, a empresa viu seus funcionários cruzarem os braços pelos salários e benefícios atrasados. “Foi o nosso pior momento”, reflete Marlon . 

Entre um gole de café preto e sem açúcar que passou na hora, direto do filtro na xícara, contou sobre o que sente quando vê, ouve ou lê as críticas sobre a empresa que comanda.  “O sistema de transporte necessita de constantes ajustes. A mobilidade urbana precisa de um planejamento estrutural para priorizar mais o transporte público. Nosso modelo de negócios foi totalmente reformulado nos últimos anos e precisamos nos adaptar. As críticas e sugestões sempre serão bem-vindas. Sabemos que para que possamos melhor nossos serviços, teremos que enfrentar desafios, mas não somos os vilões”.

Os áureos tempos da Gaúcha

Houve um tempo em que ter uma empresa de ônibus era, literalmente, um excelente negócio e muito rentável . As pessoas  não tinham outras alternativas de transporte e os ônibus eram o principal meio de transporte da população, o volume de passageiros era muito grande, as pessoas pagavam a tarifa à vista em dinheiro ou de forma antecipada, com os vales-transporte – as famosas ‘fichinhas’.

O custo de operação era mais baixo do que os atuais e as empresas que detinham concessões públicas empregavam muita gente. Motoristas, cobradores, fiscais, mecânicos, contabilidade, assessoria, secretariado… era bastante gente. Em frente a uma maquete de um ‘romeu-e-julieta’ que era usado pela empresa no final dos anos 70, início dos 80, Marlon resgata a memória daqueles veículos que marcaram uma geração. “Durante o dia, rodava só o carro da frente. No horário de pico, acoplava o reboque”

Os tempos, no entanto, são outros.

Ônibus da Gaúcha, que fazia as linhas urbanas de Canoas, ainda na década de 60. A foto pertence ao arquivo do motorista conhecido como Mazzaropi. Reprodução/Redes Sociais

“De 2014 para cá, muitas mudanças ocorreram. As empresas tiveram que se reinventar, encontrar maneiras de conquistar os passageiros que ano a ano vão deixando o sistema”, avalia. “Foi em 2014 que começaram a chegar os aplicativos de transporte. Eles entraram no mercado sem se submeter a nenhuma regra de controle dos estados e municípios, concorrendo diretamente com os serviços concedidos como táxis e transporte coletivo. Sempre foi uma concorrência desleal. O transporte coletivo carregava um peso enorme de gratuidades e era obrigado a cumprir uma tabela horária em que muitas vezes não se tinha o mínimo de equilíbrio econômico. Já os aplicativos operavam com tarifas determinadas pelo próprio aplicativo, subindo e reduzindo o que é cobrado dos usuários sem nenhuma regra dos órgão de controle”.

É aí que, segundo Marlon, começa o capítulo de dificuldades na história da Sogal.

O fim de um ciclo e a turbulência

Marlon conta que os problemas da Sogal começaram a partir da renovação do contrato em 2019 – ou seja, quando chegou a pandemia. “Nosso contrato vencia em 2018 e foi prorrogado por um ano e, em 2019, por mais quatro”, conta. “No contrato original, diz que a concessão é válida por 20 anos, 10 anos prorrogáveis por igual período. O que estamos reivindicando é o cumprimento deste dispositivo”, antecipa.

“Isso resolveria muitos problemas que foram criados pela pandemia e que se não forem bem gerenciados vão complicar ainda mais o sistema”. 

Por partes, então.

Quando o contrato foi renovado de 2019 até 23 de dezembro deste ano, a Sogal havia feito um financiamento para a compra de 88 ônibus novos e semi-novos. Com a chegada da pandemia, o impacto foi catastrófico não só em Canoas mas nas empresas de transporte coletivo de um modo geral. De um dia para outro, o volume de passageiros transportados caiu em torno de 85% – o que inviabilizou o sistema.

No caso da Sogal, não foi mais possível cumprir as parcelas do financiamento da frota que venciam mês a mês e todo o passivo bancário teve que ser reestruturado – ou seja, renegociado de forma a estender os prazos de pagamento dos contratos. “Nossas energias se esgotaram em seis meses”, conta Marlon.

Aí veio o segundo ‘tombo’. 

“Com o baixo volume de passageiros e metade da frota parada, foi necessário abrirmos um programa de demissões e reduzir o quadro de trabalhadores antes que entrássemos em insolvência. Isso nos causou um baita problema”, diz. “Fizemos os acordos contando que a pandemia teria um fim em alguns poucos meses e contando com um fluxo de caixa que acabou não se concretizando”.

Marlon explica que o processo dos trabalhadores demitidos conta com garantias reais, como imóveis e recursos das empresas envolvidas. “Serão pagos, mas não é tão rápido como havíamos planejado que fosse”.

Pandemia, despesa alta, mais de 800 funcionários para receber e sem passageiros para girarem a roleta: essa é a receita que Marlon apresenta para o prejuízo estimado de R$ 21 milhões que a empresa absorveu nos anos 2020 e 2021 e foi levada ao Ministério Público em uma reunião em que pediu, novamente, pela prorrogação do atual contato até o fim dos 10 anos previstos no documento original, de 2008. “Se ficarmos mais tempo, pelo período restante do contrato, temos condição de reestruturar as dívidas, renovar parte da frota , organizar adequadamente os compromissos com os atuais trabalhadores”, pede. “Sem isso, sem dúvida o problema será muito grande. Atualmente temos 470 funcionários que dependem dos empregos junto a Sogal”.

O dia em que o abismo quase chegou

Ainda sentindo os reflexos da pandemia, Marlon conta sobre o dia em que a Sogal quase parou de vez. O dia do ‘quase’ aconteceu ainda em 2021. Com as parcelas do financiamento dos ônibus adquiridos em 2019 atrasadas, o banco conseguiu uma ordem judicial para recolher 50 veículos da garagem da empresa – hoje, a frota é de 110 ônibus, só para se ter uma ideia do tamanho da ‘bronca’. 

O impasse só foi solucionado com uma ajuda de fora.

“Devido à gravidade do problema, informei ao prefeito Jairo Jorge o que estava acontecendo, que entendeu e se propôs a ajudar. Conseguimos uma mediação com o juizado da ação para evitarmos o recolhimento dos veículos e achar uma saída para o problema. Foi aí que o prefeito ampliou as medidas como a compra de passagens para programas de incentivo à população mais carente da cidade, o que ajudou a superar o que teria sido a falência antecipada da empresa”.

Sem virada de mesa

Marlon contou ao blog que não é contra a licitação do transporte público, anunciada pelo governo, e cujo edital deve ser conhecido em até duas semanas. Ele, no entanto, promete buscar o que acredita que é direito da empresa: os 10 anos do ‘prorrogáveis por igual período’ que consta da concessão original.

“Dos quatro anos da última renovação, tivemos alguns meses entre janeiro e março e este último ano de serviço completo. Todo o meio foi de prejuízo por conta da pandemia. A chance de estruturarmos melhor nossa dívida e ter reservas para quitar os compromissos trabalhistas é a renovação. E há previsão legal para ela, por que não lutaríamos por isso?”

Não seria exatamente um ‘virada de mesa’, mas um reequilíbrio. “Todos ganham. A Sogal consegue sair da crise, os nossos funcionários terão seus direitos trabalhistas garantidos e o município ganha mais tempo para construir e discutir melhor o novo edital. É por isso que defendemos a prorrogação”.

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Uma resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Receba nossa News

Publicidade