coluna da jeane

Casamento e descasamento

Foto CAROLINA PESSANHA

Por muitos anos pensei que nunca fosse casar. Achava uma formalidade desnecessária, mera burocracia. Ainda acho que a parceria e o companheirismo têm muito mais valor do que um papel, Mas, em agosto de 2018, “mordi a língua” e casei no civil. Pela primeira vez estava em um relacionamento em que esse passo parecia o mais certo. Deixamos o casamento religioso de lado pois seguimos crenças diferentes (mas nem tanto): eu, católica; ele, judeu.

Não teve pompa. Casamos no cartório, com a presença apenas das testemunhas (minha família estava longe e a dele é complicada). Usei um vestido comprado numa lojas da Saara, lindo mas simples, escolhido para poder ser usado em outras ocasiões; buquê de feltro feito por mim; na cabeça um elástico com flores comprado numa loja de artesanato, só colei umas flores a mais; fiz minha própria maquiagem e apenas lavei o cabelo (e penteei, óbvio). Quis usar uma sandália que foi o último presente de aniversário que ganhei da vó Rosa – ela nos deixou em 2011, mas o calçado estava bem cuidado. Enfim, casei com um visual que é minha cara, meio riponga, meio básica. Ah, alianças de bijuteria, por razões de dinheiro curto.

Dias depois fizemos um ensaio no Parque de Madureira, tentando registrar em fotos nossa história: ele, músico; eu, poeta. Conectados pela arte de um jeito que pareceu enredo de filme. Ele tocava flauta na Rua do Catete, perto de onde eu pegava ônibus para trabalhar de palhacinha. Numa época em que eu fazia graça por fora mas era só tristeza por dentro, a música tão bela que saía daquela flauta me fez sentir melhor. Um dia criei coragem e me aproximei para dizer que a música me fazia bem. Trocamos telefones e não paramos mais de nos falar. Em pouco tempo percebemos um sentimento maior.

Moramos juntos por quase 3 anos, mas o casamento mesmo durou cerca de um ano e meio. Só depois de assinar o papel foi que percebi que a gente não se casa só com aquilo que a pessoa representa para nós, mas com toda a bagagem de vida que ela traz. E às vezes é uma bagagem bem complicada (quem já se relacionou com alguém vindo de uma família muito disfuncional vai me entender).

Além disso, conviver com alguém é sempre um desafio. E se esse alguém raramente teve uma convivência familiar saudável, o desafio é maior ainda. A gente aprende pelas referências que temos, então não dá para esperar muito quando essas referências são distorcidas ou ausentes. No meu caso, apesar da bagagem complicada, ele é uma pessoa muito disposta a aprender e a reconhecer as dificuldades. Isso me incentivava a crescermos um com o outro.

Mesmo assim, chegamos a ponto em que percebi que a relação já não estava mais tão legal para ambos. E a saudade da minha família também estava apertando. Meus pais estão idosos e mesmo tendo meu irmão por perto, eu sabia que precisavam de mim. Principalmente depois que o coração do velho quase parou, precisando colocar marcapasso, estava cada vez mais difícil viver distante. Dava medo de acontecer alguma coisa e eu estar tão longe. E meu então marido se mudar comigo para Gravataí não era uma possibilidade, por motivos que prefiro deixar só entre nós.

No dia em que falei que vinha embora, deixei bem claro que não devíamos pensar que o casamento deu errado… deu certo, sim, por três anos. Foi um período em que ambos aprendemos muito, inclusive sobre nós mesmos. Com certeza saímos pessoas melhores desse relacionamento. E isso é muito mais importante do que manter uma relação desgastada. Outra frase que eu disse foi que amores não acabam, se transformam. E depois do baque inicial de reconhecer que o casamento já não nos servia, nosso amor de casal se transformou num lindo amor de amigos.

Fico muito feliz de poder dizer que meu ex-marido é um dos meus melhores amigos. Continuamos conversando pelo “zap”, sem raivas ou ressentimentos. Conseguimos manter o carinho e o respeito. Num mundo ideal, devia ser assim com todos os ex-casais. Mas acho que isso exige um nível de maturidade que a maioria não tem. E não falo só de maturidade emocional, mas espiritual também. Quando conheci meu ex, senti que ele tem um espírito muito antigo e sábio. E acredito que isso o ajudou a continuar tendo o coração enorme que habita aquele peito, mesmo com todas as adversidades que passou. É uma pessoa que continuo admirando, acho que sempre vou admirar, porque é um cara bom e humano. Como cantava Edith Piaf, “Non, je ne regrette rien… (Não, não me arrependo de nada…)”

Agora estou num momento de amar a mim mesma, focada em estudar, fazer poesia e organizar a vida, além de cuidar dos meus pais (voltei no momento certo, para ajudar a eles nessa pandemia). Ainda não penso em me relacionar de novo. O que é bom, porque a gente não sabe ainda quando esse vírus vai dar trégua e poderemos chegar perto das pessoas outra vez. Mesmo quando esse momento chegar, acho que não vou querer casar de novamente. Descobri que adoro ter a cama só pra mim, hehe. O futuro dos meus sonhos é uma casa cheia de gatos e livros. E material de artesanato, claro. Acho que me basta para ser feliz.

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