JONAS TIAGO SILVEIRA

Ciclos do Amor

O fim do relacionamento foi um tanto complicado para Marcos, não foi pelas brigas e discussões recorrentes, não foi pela burocracia e divisão de bens, mas sim por uma frase que nunca mais havia lhe saído da cabeça: “Acabou o amor!”.

Ele lembrava perfeitamente de quando Moara havia lhe falado aquela frase, era uma manhã de domingo, ela estava na cozinha pensativa com um copo de água nas mãos. Assim que ele entrou naquele ambiente e ela lhe disse aquela frase, foi como se um curto circuito atingisse seu sistema nervoso, ele apenas travou e ficou lá parado na cozinha, sabe-se lá por quantas horas. Óbvio que o relacionamento não ia bem mesmo, algo havia distanciado o casal aos poucos e já não existia aquela força, aquela paixão, mas ouvir que o amor acabou… Aquilo realmente lhe afetou.

Marcos podia não morrer mais de amores por Moara, mas ela havia sido sua companheira nas horas boas e ruins por quase oito anos e Marcos acreditava também ter sido recíproco nesse papel. Se fosse apenas isso, um casal cujo amor acabou, talvez seria mais fácil para Marcos lidar com a situação, mas havia seu coração fora do peito, a pequena Sofia, de cinco anos de idade. Ele nunca teve interesse ou pensou muito sobre ser pai, mas quando aconteceu foi uma experiência mágica, foi a fase mais feliz da vida do casal desde o início do namoro. Marcos, que sempre foi um pai presente e adorava estar nas pequenas coisas do cotidiano da filha, viu um pedaço de seu coração ser arrancado ao saber que não poderia mais conviver com ela todos os dias. Moara aceitou uma guarda compartilhada, assim o ex-marido poderia ver a filha em períodos maiores que apenas os finais de semana. Marcos, no fundo, queria a guarda de Sofia, mas em momento algum ousou contrariar a vontade de Moara, afinal aquela era a mulher que ele tanto amou na vida e que havia lhe dado a sua filha. “Eu vou aguentar, eu vou ficar bem”, ele pensava.

Conforme o tempo passava, pouca coisa avançava no processo de cura de Marcos, ele não saía e nem conhecia outras pessoas, ficava apenas aguardando ansiosamente o momento de ver Sofia e criar o máximo de aventuras que poderiam fazer juntos, como passeios, trilhas, esportes e etc. Ver o sorriso da filha era o ponto alto de sua vida.

Cerca de seis meses depois veio a primeira bomba, em um jantar com a filha.

– Papai, essa semana eu andei de cavalo – disse Sofia sorridente.

– Que legal filha, Mamãe te levou? – perguntou Marcos.

– Sim, o amigo da Mamãe levou a gente no sítio dele – respondeu Sofia apanhando uma batata frita.

Marcos pensou em perguntar inúmeras coisas, sobre como era e quem era esse tal “amigo da mamãe”, se eles se viam muito e etc, mas achou que poderia ser melhor que isso. Moara ainda era a mulher linda que sempre foi, era natural que isso acontecesse. “O importante é Sofia”, pensava ele. Mas… e essa pessoa que agora tem convívio com a filha dele? Um estranho que aparece e agora leva ela para outras aventuras, as quais ele não teria condição de fazer? Uma pequena dor começava a despontar no meio de seu peito, junto com uma sensação de angústia, mas aguentou firme e decidiu ficar longe dos detalhes.

Mais três meses se passaram e, mesmo ouvindo alguns relatos da filha sobre o “amigo da mamãe”, ele resistiu bravamente e ainda nem ao menos havia perguntado seu nome, até que no meio de uma semana, Moara o chamou para tomar um café.

– Como você está? – perguntou ela lhe observando da cabeça aos pés.

– Estou bem – mentiu ele fazendo um bom esforço para não chorar.

– Que bom! Olha, a gente precisa conversar. Não é algo que eu precise realmente te contar, mas eu prefiro que você fique sabendo por mim – continuou Moara meio sem jeito, enquanto segurava uma das mãos de Marcos.

– Você já tem outro, né? Está tudo bem – disse Marcos tentando forçar um sorriso.

– Então, sim. Eu estava saindo com alguém e a coisa ficou séria e estamos namorando, eu preferia que você soubesse por mim. Você está bem mesmo? – insistiu Moara.

– Eu fico muito feliz por você! – disse Marcos, dessa vez com real sinceridade.

– A Sofia adora ele, você tem que ver os dois juntos, parecem duas crianças! – disse Moara com um sorriso.

Marcos não respondeu, apenas travou novamente como no dia que ouviu aquela pesada frase.

– Desculpa, eu não queria te chatear! Só queria dizer que a Sofia está levando de boa – amenizou Moara.

Agora, o amor que lhe restou na vida tinha um novo super-herói em seu cotidiano, o “Amigo da mamãe”, que ganhou um nome: Roberto. Nos meses seguintes os relatos aumentaram por parte da menina, até que chegou o dia do primeiro encontro, o aniversário de seis anos de Sofia. Do seu lado da família, sua mãe e alguns outros familiares foram, mas a maioria dos presentes na festa eram da família de Moara, como de costume. Marcos fez questão de arcar com a festa, mas Roberto já havia pago quase tudo que era necessário. Assim que chegou no salão e os familiares da ex-mulher o viram, um clima de tensão surgiu no ar, ele estava ali, ela estava ali e o novo namorado também, seria a hora da verdade. Marcos nunca havia sido uma pessoa agressiva, o que não justificava nenhuma preocupação, mas era visível que era o tipo de pessoa que escondia suas emoções até o ponto de virar uma bola de neve e isso um dia poderia causar um efeito imprevisível.

Após abraçar a filha, entregar seu presente e cumprimentar as pessoas que estavam mais à frente do salão, viu Roberto e Moara se aproximando. Marcos se sentiu um intruso na festa da própria filha ao ver os dois caminhando lado a lado em sua direção, como se fossem lhe fazer um favor… A festa da filha que não teve nem chance de poder pagar.

– Marcos, este é o Roberto – disse Moara um pouco sem jeito.

– Tudo bem, Marcos? Prazer! – disse Roberto com um sorriso tímido estendendo a mão. 

– É um prazer! – mentiu Marcos também com um sorriso, enquanto analisava o homem.

Roberto parecia regular de idade com ele, mas destoava em muitas coisas. Roberto era mais alto, magro, com cabelo muito bem aparado e barba feita perfeitamente rente. Usava roupas sociais de marca que lhe caíam com uma luva, tinha olhos claros, usava um sapato extremamente caro e, ao apertar sua mão, Marcos não deixou de notar o relógio importado em seu pulso. 

– Bom, vou ali supervisionar as crianças – disse Moara se afastando.

– Então, Roberto, me conta, o que você faz da vida? – perguntou Marcos puxando assunto.

– Eu sou médico, cirurgião clínico. E você? – respondeu Roberto, um tanto sem jeito.

– Eu sou estoquista de uma loja de departamentos – respondeu.

O silêncio ganhou espaço por alguns momentos.

– Bom, se você me conseguir um desconto em uma TV, eu posso te conseguir um desconto em uma cirurgia de remoção de vesícula – disse Roberto rindo.

– Justo! – respondeu Marcos.

– Bom, parabéns pela filha, a Sofia é incrível! – disse Roberto.

– Sim, ela é sim, não tem como não amar, né? – concordou Marcos.

– Sim, essa semana ela me disse que quer ser médica quando crescer – deixou escapar Roberto.

– Médica, é? Dra. Sofia… Gostei! – disse Marcos.

Depois ele travou mais uns momentos… Ela quer ser médica que nem o “amigo da mamãe”, o amigo da mamãe que tem muito mais dinheiro que eu e que leva ela para andar a cavalo. Marcos disfarçou a dor que aumentava em seu peito e ficou ali cumprindo o seu papel de pai e socializando o que podia com a filha. Na hora do parabéns, Moara convidou Roberto para ficar junto com Marcos e Sofia atrás do bolo, ele sentiu uma nova pontada no peito, mas não protestou.

Na semana seguinte, o desconforto seguiria, primeiro que ao ir buscar Sofia acabou vendo Roberto novamente, segundo por causa de uma conversa com a filha no jantar.

– Papai! – chamava Sofia enquanto brincava com a comida.

– Fale, meu amor! – respondeu.

– A Mamãe e o Roberto estão juntos agora quase sempre – disse Sofia.

– Eu sei, meu amor, a Mamãe está feliz, não tá? Você também não fica feliz? – perguntou Marcos tentando não desmoronar.

– Sim, Papai, é que eu tenho uma dúvida – prosseguiu.

– Pois pode falar, filha! – disse Marcos lhe passando a mão na cabeça.

– Agora que eles estão juntos, o Roberto vai ser meu papai também? – perguntou Sofia.

Marcos travou uma vez mais, dessa vez o esforço para não chorar na frente da filha foi descomunal.

– Não – disse ele ainda tentando juntar as palavras – Ele é o namorado da Mamãe, mas isso não faz dele seu pai também.

– Tá, acho que entendi – disse Sofia.

Desde este dia, sempre que encontrava com Roberto em alguma ocasião, Marcos começou a observar mais e falar menos com o homem. Queria cultivar um grande ódio por ele, mas quanto mais o observava e via que ele parecia ser uma pessoa boa, bem humorada e bem sucedida, notava que o ódio que sentia não era por Roberto e sim por si mesmo; por não ser tão bom quanto ele, por ter perdido o amor de Moara e agora, aos poucos, parecia que perdia também o amor de Sofia.

O golpe mais crítico no seu coração veio três meses depois. Quando chegou para buscar Sofia algo estava acontecendo, havia muita comoção, Moara chorava e tinha um sorriso gigante no rosto, soltava gritos de alegria e encarava um anel na própria mão. Assim que Sofia viu Marcos chegando, correu para lhe contar a novidade.

– Papai, Papai! – disse ela sorridente – A Mamãe vai se casar!

Novamente travou, novamente o curto circuito, dessa vez foi difícil disfarçar, Moara havia notado, Roberto também, mas ninguém fez questão de discutir o assunto. Na hora pensaram o quanto Marcos ainda poderia ser obcecado com Moara, mas o pensamento dele naquele momento foi todo sobre Sofia, que agora conviveria ainda mais com Roberto.

Moara convidou Marcos para o casamento, apesar de a mãe dela não recomendar. “Minha filha, você vai começar sua vida nova trazendo sua vida velha? Não faz isso, ele não anda bem, alguma coisa ruim vai acontecer, eu sinto isso”, dizia a mãe. Mas Marcos era o pai de sua filha, ela não queria magoá-lo por nada no mundo, mas também não queria começar uma nova família com Sofia sem a bênção de seu pai. Quando recebeu o convite, Marcos mais uma vez entrou em curto circuito.

Conforme se aproximava a data, as conversas com Sofia pareciam piorar ainda mais a sua dor no peito e a sua angústia.

– Papai! – chamou.

– Pois não, meu amor? 

– Agora que a Mamãe e o Roberto vão se casar, ele vai ser o meu papai também? – perguntou.

– Por que você quer tanto que ele seja seu pai também? – questionou Marcos, escondendo a raiva que começava a surgir.

– Eu só queria saber… – disse Sofia – E eu acho ele legal!

– Sim, meu amor, ele é legal – disse Marcos, respirando fundo – Mas casar com a sua mãe não vai fazer ele ser seu pai, não é assim que funciona. 

– Tá bem – disse a menina, um tanto desapontada.

Após dois meses que pareceram anos, havia chegado o dia do casamento. Marcos compareceu e estava com um leve cheiro de álcool, havia tomado algumas doses de uísque para criar coragem. Guilherme, o irmão de Moara, comentou que pela manhã havia visto Marcos sair de uma loja de penhores no centro da cidade e que ele chorava muito. A cerimônia havia sido linda, Marcos contemplava cada detalhe sem manifestar nenhuma reação. Após a cerimônia religiosa, havia uma festa logo ao lado, em um grande salão com enormes paredes de vidro. Marcos sentou em uma mesa sozinho e ficou observando o casal almoçando junto com a pequena Sofia, que sempre tinha um largo sorriso no rosto.

O brinde aos noivos ficou por conta de Guilherme, que apesar de não ser muito bom com as palavras, fez uma justa homenagem ao casal. Mas antes que as taças fossem esvaziadas, Marcos se levantou e caminhou até Guilherme, pegando o microfone de suas mãos. Muitas pessoas ficaram tensas neste momento.

– Queria pedir desculpas pela quebra de protocolo, sei que vai ser difícil após estas belas palavras do Guilherme, mas eu gostaria de fazer um brinde ao casal – disse Marcos.

Moara tentou mudar a cara de surpresa para um sorriso, mas era uma tarefa difícil.

– Mas eu acho que não vou conseguir fazer isso direito com vocês dois atrás desta mesa, venham, cheguem mais perto – disse Marcos.

Os noivos levantaram e foram ficar de pé ao seu lado, alguns convidados já preparavam seus celulares para documentar o momento.

– Bom, primeiro quero agradecer o convite, agradecer vocês por me deixarem fazer parte deste momento tão especial na vida de vocês – disse Marcos – Não é todo mundo que traz o ex para o casamento, não é verdade?

Algumas risadas ecoaram pelo salão.

– E eu preciso ser sincero, dói um pouco ver a ex-mulher subindo no altar com outro homem, não era para doer tanto, mas dói. E sabem por quê? Porque ela estava subindo no altar não apenas com um outro homem qualquer, mas sim com um homem legal, amoroso, dedicado… Um homem melhor. 

As risadas deram lugar a um silêncio pesado.

– Meu amor por Moara tem um nível sobre-humano, meu amor por ela tem um nome: Sofia. Moara me deu o maior presente que alguém poderia me dar nesta vida, então vai ser impossível que eu torça contra a sua felicidade – seguiu Marcos – Essa mulher vibrante, linda e incrível realmente não merecia ficar sozinha e para acompanhá-la nesta vida, somente outra pessoa incrível e vibrante… Não, eu não vou chamar o Roberto de lindo, aí já é demais.

Mais uma vez o clima no salão se aliviou e as risadas voltavam a aparecer.

– Mas algo aconteceu neste tempo que Roberto surgiu em nossas vidas, algo com Sofia. Um dia ela me perguntou se agora que sua mãe namorava com Roberto, se ele também seria seu pai – disse Marcos agora sem se preocupar em segurar as lágrimas – Óbvio que eu disse que não. 

O salão se dividia entre leves gargalhadas, preocupação e lágrimas.

– Quando noticiaram o casamento ela me perguntou novamente se Roberto também seria seu pai e eu novamente disse que não, falei para minha filha que não é assim que as coisas funcionam, casar com sua mãe não iria fazer do Roberto seu pai. E vocês sabem por quê? – questionou Marcos enfiando a mão dentro do blazer.

Neste momento o salão era apenas tensão.

– Porque falta a formalidade – disse Marcos puxando um pequeno estojo do bolso.

Ele deu alguns passos em direção de Roberto e segurou sua mão, logo se ajoelhando em sua frente enquanto revelava um lindo relógio importado que parcelara em milhares de vezes e que estava dentro do estojo.

– Roberto Garcia, você me daria a honra de dividir comigo a paternidade da minha filha? – pediu Marcos tomado por lágrimas.

Roberto caiu de joelhos e abraçou Marcos, Moara também caiu em lágrimas assim como quase todos os presentes. 

– Estou convidando você para dividir comigo o bem mais precioso que eu tenho na minha vida, eu preciso de uma resposta! – insistiu Marcos.

– Sim! – Respondeu Roberto fazendo esforço para falar. 

– Viu, filha? Agora é a hora! – disse Marcos.

A pequena Sofia se aproximou e abraçou ambos, pegou o microfone e disse “eu amo vocês, Papais!”.

Mais tarde, depois de todos se recomporem, Marcos olhava ao longe novamente os três na mesa. Ele havia conseguido, transformou toda sua insegurança e seu ódio em amor e ainda garantiu que teria mais uma pessoa incrível cuidando de sua filha. Alguns anos mais tarde, Roberto e Moara tiveram um filho. Marcos foi padrinho, juntamente com sua esposa Inês, que conheceu naquele dia no casamento.

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