Pensa no Rio Gravataí como um grande condomínio em que a conta da água e esgoto é o aluguel e uma nova cobrança pelo uso da água seja o boleto do condomínio. Enquanto o aluguel cobra do morador o custeio para coletar, tratar e distribuir a água do rio, o condomínio se encarrega de fazer um rateio entre os moradores para serviços de melhoria da qualidade da água. A tendência é de que, ao longo do tempo, este rateio faça com que o custeio que atualmente pesa no aluguel seja reduzido até que se consiga se tornar, em um horizonte talvez imaginário, proprietário desteb imóvel que é o Rio Gravataí, com um custo mínimo para tratamento e distribuição de água, justamente pela eficiência da cobrança pelo uso da água.
Na próxima terça (7), a criação deste rateio do condomínio do Gravataí estará no centro das discussões em uma reunião que começa às 8h30min e vai até às 18h, no auditório das Faculdades QI, em Gravataí. Na pauta está a revisão do plano de bacia do Gravataí. A diferença em relação a seis anos atrás, quando o atual plano foi aprovado, é que os projetos e ações apontados como necessários para recuperar o Rio Gravataí, provavelmente tenham na cobrança pelo uso da água, uma fonte de pagamento garantida para saírem do papel já a partir de 2019.
— A reunião não é aberta, é escancarada ao público em geral. Porque é uma discussão sobre o futuro de todos, com uma proposta, já prevista em lei, tanto para viabilizar ações de melhoria do rio quanto para conscientizar o poluidor e toda a população sobre a sua participação no cenário atual do Gravataí — diz o presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia do Gravataí, Sérgio Cardoso.
É que a bacia do Gravataí foi escolhida como possível local para o projeto-piloto da cobrança no Rio Grande do Sul, como já é aplicada em oito bacias hidrográficas interestaduais e em nove estados com rios locais. O promotor Eduardo Viegas e o diretor do Departamento de Recursos Hídricos (DRH), da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), Fernando Meireles, apresentarão o projeto. A legislação prevê que todo o dinheiro arrecadado por esta cobrança na região do Gravataí seja aplicado especificamente nos projetos que o plano, agora em discussão, apontar.
: Desafio é despoluir e investir em medidas que recuperem a vazão do Rio Gravataí
Quem paga, cobra
O papel do plano de bacia é apresentar um diagnóstico, demonstrar os limites de uso do rio e listar obras ou ações que possam levar à recuperação da qualidade — e, no caso do Rio Gravataí, também da quantidade — da água para que o manancial continue abastecendo mais de um milhão de pessoas, servindo à lavoura e à indústria. A cobrança, assim como em um condomínio, ratearia entre todos os setores a conta para essa recuperação.
Por terem um custo bastante elevado, é possível que grandes obras de saneamento não entrem no radar dos projetos a serem executados com o que for arrecadado desta forma. Boa parte das propostas para esta área, previstas no plano de bacia de 2012, já foram orçadas pela Corsan e têm verbas já investidas pelo PAC na região.
LEIA TAMBÉM
Quanto vale a água do Rio Gravataí?
Quase R$ 3 milhões para recuperar o Rio Gravataí
O Rio Gravataí está descendo pelo ralo
EXCLUSIVO | Gravataí pode ter um dique contra enchentes
No entanto, o plano previa, R$ 800 mil em investimentos para educação ambiental na região. Passados seis anos, somente R$ 3,5 mil foram captados pelo comitê. O plano também estipulou em mais de R$ 200 mil o investimento para monitoramento da qualidade a água do Rio Gravataí em diversos pontos do manancial. Sem verba específica para isso, só recentemente o Estado começou este trabalho.
— A cobrança permite um controle e, por consequência, uma exigência da sociedade por execução daquilo que pagou diretamente muito maior do que quando entrega a conta para os governos executarem — comenta o presidente do comitê.
Um exemplo é o plano de gestão do Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos, uma das áreas mais sensíveis da bacia do Gravataí. Há seis anos, se estimou em R$ 600 mil para a execução do plano. Pois o Ministério Público encaminhou R$ 500 mil como resultado de termos de ajustamento de conduta para isso. Até agora, não foi executado.
Já em 2012, se fez uma simulação da capacidade de arrecadação com a cobrança pelo uso da água. Era bastante incipiente, uma vez que o controle do quanto cada usuário captava de água e o quanto cada um contribuía para a degradação do rio tinham formas de controle pouco precisas. Ainda assim, a estimativa era de que se chegasse a R$ 3,5 milhões arrecadados por ano.
— Todas as ações agora propostas devem ter o custo já planilhado e a sua execução já determinada pelo comitê, que é quem vai gerenciar a conta específica pelo que for recolhido neste sistema. Por exemplo, se o plano de bacia propor a instalação de medidores ao longo do rio, o custo da instalação e da manutenção devem ser considerados, e o valor rateado proporcionalmente entre os usuários — explica Cardoso.
Os critérios
Daí, o raciocínio é lógico. O que parece ser uma conta a mais, já que é diferente da atual conta de água, tende a diminuir os custos para que a concessionária trate e distribua a água aos consumidores. Nas bacias hidrográficas que já aplicam seus modelos de cobrança, o custo por metro cúbico de água captada gira em torno de R$ 0,01 e o custo por resíduos despejados sem tratamento, em torno de R$ 0,02 por metro cúbico. Quem entra no rateio como usuário, no caso do abastecimento público, é a Corsan. Cabe a ela repassar ou não o custo aos consumidores. E o mais importante, a divisão da cobrança é proporcional. Quem capta ou despeja mais, paga mais.
Conforme a apresentação inicial do projeto piloto, o sistema de outorgas pelo uso da água já existente, e que deverá ser aprimorado para garantir a precisão da cobrança, será o referencial inicial para determinar o peso de cada usuário na bacia hidrográfica. Por outro lado, os dados de licenciamento ambiental municipais e estaduais servirão de parâmetro para determinar o quanto cada usuário despeja de poluentes no rio.
Em outras regiões do país, onde a cobrança já foi criada, é usado o índice de material orgânico, típico de esgoto, para aferir o custo devido por cada usuário. Aqui, uma das propostas é de que, na parte urbana do rio, este seja o índice a ser considerado. No entanto, na região onde predominam as lavouras de arroz, é proposto que os índices de fósforo — elemento químico típico dos resíduos usados na irrigação — na água sejam o referencial.
4 QUESTÕES
: A cobrança pelo uso da água é diferente da conta de água. Ela considera quem capta a água como usuáro. A concessionária poderá, ou não, repassar aos consumidores o valor como mais um item na conta. Vale lembrar que a Corsan está prestes a selar uma Parceria Público-Privada na região, e este custo poderá ser incluído no pacote.
Ela é um instrumento criado para custear medidas de melhoria do rio. Prevista pela política nacional de recursos hídricos desde 1997, a cobrança é considerada um instrumento fundamental justamente para baratear a conta pelo serviço de fornecimento e tratamento de água.
Para que se tenha uma ideia, no último século, o custo por metro cúbico de água tratada aumentou 50% em um terço das grandes cidades brasileiras. É consequência da degradação dos mananciais de onde é coletada a água que chegará às casas, indústrias ou à lavoura.
: O Gravataí é apontado pelo IBGE como um dos cinco rios mais poluídos do Brasil. Ainda assim, garante o abastecimento de quase um milhão de pessoas.
Atualmente, só a metade do esgoto de Gravataí e Cachoeirinha e tratada, e em torno de 22% de Alvorada e Viamão. Tudo isso em um trecho em torno de 30% do curso do rio, onde está concentrada a população urbana da bacia.
Por si só, isso já demandaria alta nos custos para tratar a água que abastecerá a população, mas há ainda outro aspecto que contribui para a piora da qualidade do Rio Gravataí. A área de banhados que formam as nascentes do rio já ocupou dois terços da bacia. Desde os anos 1960, a degradação pela agricultura e pela urbanização reduziram a área a 10% do original.
Como consequência, o rio perdeu sua capacidade de controle da vazão de água. Situação agravada pelas retiradas descontroladas de água e aumento das áreas irrigadas pela lavoura de arroz. Estima-se que a agricultura demande quase 80% da água captada do rio.
Com menos água disponível para diluir a carga poluente em excesso, o resultado é aumento dos custos.
: O plano de bacia vai determinar os projetos de recuperação do rio que devem ter prioridade na definição dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso da água. Já se sabe, porém, que as principais obras de saneamento propostas devem ser custeadas pela aguardada PPP da Corsan.
Entre as possíveis prioridades de investimento a partir da cobrança, a melhoria de sistema de controle da qualidade de água, o aprimoramento do sistema de outorgas e de licenciamentos ambientais, execução de projeto para regularização da vazão de água nas nascentes do Gravataí, programas de educação ambiental.
: O Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) deve definir valores por metro cúbico e uma fórmula geral para a cobrança pelo uso da água em todo o Rio Grande do Sul. Caberá a cada comitê de bacia definir as regras locais para a cobrança. Uma vez aprovada, entra em vigor quando o CRH aprova o modelo.
Os valores serão proporcionais ao uso e poluição provocados por cada usuário, mas terão pesos diferentes, de acordo com as prioridades de uso da água de cada bacia. O metro cúbico da água retirada para a irrigação ou a indústria será mais caro do que o metro cúbico para o abastecimento público. Em cada região, essa proporcionalidade terá de ser determinada pelo comitê.
Os valores pagos pelos usuários são depositados em uma conta específica, que é gerenciada pelo comitê. Os investimentos devem ser feitos seguindo exatamente a lista de projetos determinados no plano de bacia.
A reunião de terça será uma espécie de imersão para fechar a revisão do plano de bacia aprovado em 2012. Na semana passada, aconteceram quatro reuniões regionais apresentando o tema e colhendo sugestões.