Alceu Collares morreu, aos 97 anos, às 2h40 desta terça-feira (24) em Porto Alegre, por falência múltipla dos órgãos. O único negro a governar o Rio Grande do Sul, que também foi prefeito e vereador em Porto Alegre, além de deputado federal, tem sua colaboração inscrita na história de Gravataí.
Em obra que unia os governos federal e estadual, Collares inaugurou a duplicação da Dorival de Oliveira.
Como lembrou ao Seguinte: o historiador de Gravataí Amon Costa, a principal avenida do município restava incluída em um sistema viário que o então governador batizou de Avenida do Trabalhador, criando as linhas TM e ligando uma série de vias que eram rotas do transporte coletivo utilizado pelos trabalhadores da Grande Porto Alegre.
– Ele pintou o meio fio de vermelho – lembra o historiador, que considera o CIEP da Morada do Vale a obra que melhor simboliza o legado político do ex-governador.
– Foi um dos 54 do RS. Tinha turno integral, dentista… Era uma referência – lembra o também professor, sobre a inspiração de Collares no modelo educacional de Leonel Brizola.
O ex-vereador José Amaro Hilgert, hoje vice-presidente do PDT de Gravataí e que foi assessor especial da Corag, no governo Collares, e também secretário de Governo do prefeito pedetista José Mota, lembra comportamentos que traduzem o político que sai da vida para a História.
– Mota e eu levamos um ônibus de ocupantes de área estadual próxima onde hoje está o centro comercial da Cohab B. Collares disse: “Ninguém tira ninguém. Se o povo precisa, o Negrão garante”. Um mês depois a área estava regularizada – recorda.
– Foi ele, como candidato a governador em 82, que inaugurou o jeito de fazer política caminhando nas vilas – diz, saudando a fidelidade do constitucionalista ao brizolismo e à democracia.
– Ter sido o primeiro negro a governar o Rio Grande é um legado a ser estudado – conclui.
A conclusão de Amaro é a mesma do deputado estadual negro Matheus Gomes (PSOL). Reproduzo texto do político no X.
(…) Aos 97 anos, Alceu de Deus Collares nos deixou. Morre um líder político negro que fez história no Brasil do século 20 e merece ser homenageado. Primeiramente, me solidarizo com a sua esposa Neusa Canabarro, seus filhos e companheiros de vida.
A força de Collares sempre me intrigou e por isso faço essa reflexão em forma de tributo. Cresci numa família petista e muito crítica as gestões do primeiro homem negro a ser eleito prefeito de Porto Alegre e governador do RS.
Quando fui eleito vereador, em 2020, começamos a falar de Bancada Negra e resolvi que precisava ouvi-lo para entendê-lo, pois, antes de nós, ele já ocupou esse lugar. Pedi ao vereador Pedro Ruas que me apresentasse a Collares e tivemos dois encontros na sua casa, onde ouvi histórias que me intrigaram ainda mais.
Collares nasceu num recanto pobre de Bagé, o que me é familiar. Se virou trabalhando em PoA e formou-se em Direito na UFRGS, fato extraordinário na década de 1950. Na luta pela Legalidade, em 1961, se constituiu-se um democrata. Era da cultura popular, do futebol, do contato direto com a massa, um comunicador nato. Foi vereador e rapidamente eleito deputado federal, se opondo a ditadura no MDB. A convite de Leonel Brizola, seu companheiro estratégico, ajudou a erguer o PDT, em 1980.
Collares me falou de diálogos com Abdias Nascimento e Carlos Alberto Caó, lideranças negras ligadas ao trabalhismo. Ele acreditava na eliminação do racismo pela via educacional e cultural. Não foi um defensor das rupturas revolucionárias antirracistas comuns ao seu tempo histórico, preferia as transições graduais no sistema capitalista.
Ele viu a nossa Bancada Negra como um fato extraordinário e ficou ainda mais feliz quando o entregamos o título de “vereador emérito”, proposta de nossa autoria.
Sentado ao seu lado, vi um homem escrevendo o seu epílogo e pensando num futuro de justiça social, falando de amor e liberdade. A sua partida é um momento dessa história incrível, que merece ser pesquisada, debatida e respeitada como exemplo para quem quer transformar democraticamente a sociedade e superar o racismo.
Ainda falaremos muito do legado de Collares (…).
O PDT de Gravataí divulgou nota de pesar, assim como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador Eduardo Leite (PSDB), que decretou luto oficial de três dias.
O velório aberto ao público está previsto para ocorrer no Palácio Piratini, em Porto Alegre, das 11h às 16h desta quarta-feira (25). O sepultamento será no Cemitério Jardim da Paz.
Ao fim, no dia da partida de Collares, impossível não recordar de seu poema “O Voto e o Pão”. Em tempos de “arminha”, e de tara por armas que matam, nada mais atual que o “armão” apresentado pelo histórico político a seu povo: o voto.
O Voto e o Pão
Mandam no teu destino
Mas ele é teu, meu irmão
Ergue teus braços finos
E acaba com a exploração
Faz tua revolução!
O voto é tua única arma
Põe teu voto na mão
O voto é tua única arma
Põe teu voto na mão
O voto é tua única arma
Põe teu voto na mão
Tua casa está caindo
Pouca comida tem no fogão
Tua mulher está mal vestida
Teu filho de pé no chão
Faz tua revolução!
O voto e tua única arma
Põe teu voto na mão
O voto é tua única arma
Põe teu voto na mão
O voto e tua única arma
Põe teu voto na mão
Escravismo, feudalismo, capitalismo
Socialismo, tudo em vão
Vai milênio, vem milênio
E continuas na escravidão
Faz tua revolução!
O voto é tua única arma
Põe teu voto na mão
O voto é tua única arma
Põe teu voto na mão
O voto é tua única arma
Põe teu voto na mão
Cristianismo, judaísmo, hinduísmo
Todos querem a tua salvação
Tu rezas noite e dia
Ninguém ouve a tua oração
Faz tua revolução!
O voto e tua única arma
Põe teu voto na mão
O voto é tua única arma
Põe teu voto na mão
O voto e tua única arma
Põe teu voto na mão
Construíste, com teu trabalho
Toda riqueza desta nação
Por justiça, tens o direito
Vai pegar o teu quinhão
Faz tua revolução!
O voto e tua única arma
Põe teu voto na mão
O voto é tua única arma
Põe teu voto na mão
O voto e tua única arma
Põe teu voto na mão
A liberdade é o pão do espírito
Do corpo, a liberdade é o pão
Desperta pra luta amigo
Faz tua revolução
O voto e tua única arma
Põe teu voto na mão
O voto e tua única arma
Põe o teu voto na mão
O voto é tua única arma
Põe teu voto na mão