Todos os dias 2.018 pessoas e mais alguns milhares de motoristas e passageiros passam pela avenida Dorival de Oliveira, parada 61, trevo da faixa de Taquara, seja no sentido de Cachoeirinha e Porto Alegre ou fazendo o percurso inverso. A grande maioria, entretanto, não vê o que é visível aos olhos de todos: a extremada miserabilidade em que vive um casal de catadores.
Eles são Jorcerlei da Paz Toledo, de 47 anos, e Tânia Regina dos Santos, de 43.
Em meio às pilhas de papelão, plástico, um arquivo daqueles antigos de escritório, de ferro, os dois ‘moram’ dentro de uma carcaça que sobrou de uma Kombi incendiada. É onde têm um colchão velho, pilhas de roupas que ganham de quem pratica solidariedade, e ali mantém um latão onde guardam-escondem o que ganham para se alimentar.
Guardam, normal.
Escodem, anormal! Dos ratos, insetos, da chuva, e dos outros animais que andam pelo mato das imediações.
Jorcerlei e Tânia sequer têm fogão para cozinhar alimentos. Ali não existe chuveiro, vaso sanitário, energia elétrica. Óbvio que uma geladeira ou um televisor, nem pensar!
— A gente ganha a comida de algumas pessoas aqui da volta que ajudam a gente. Tem o pessoal das empresas aqui de perto que também são ‘padrinhos’ — diz o catador, encolhido na sua humildade de homem trabalhador que viu seu mundo ruir.
Enganar a fome
Ele – que vai completar 48 anos agora no dia 4 de janeiro – é de Esteio, vive em Gravataí há cerca de oito anos e foi corrido da RS-118 para duplicação da rodovia.
— Botaram prá baixo o meu barraco, até procurei meus direitos mas nunca me pagaram sequer o aluguel social — fala, com razoável articulação de quem estudou até a terceira série do ensino fundamental e teve emprego bom, em empresas grandes, como motorista devidamente habilitado.
Como ele caiu na situação de vulnerabilidade social que enfrenta atualmente? Ele não fala. Admite apenas que tem o vício do álcool.
— É uma forma que a gente tem de enganar a fome — tenta justificar, com os olhos baixos, o pai de dois filhos, de 14 e cinco anos.
Ela tem 43 anos e é mãe de cinco filhos. A mais velha, que hoje teria 23 anos, foi assassinada. Os que estão espalhados pela casa de parentes têm 13, 16, 18 e 19 anos. Tânia já teve um bom casamento, com um funcionário aposentado de uma importante autarquia estadual.
Também viu seu mundo desmoronar mas, jura, nunca se envolveu com drogas ilícitas.
— A única coisa que a gente toma é álcool mesmo. Mas é só de noite porque de dia tem que trabalhar, daí não dá — alega em sua defesa a mulher de Jorcerlei há cerca de quatro anos.
: Catadores Jorcerlei e Tânia estão juntos há quatro anos e levam a vida no mundo da miséria.
Ano novo
E o que ele espera do ano novo que está chegando?
Jorcerlei, humilde, lembra que tem CNH (que está vencida!) e pode trabalhar tanto como motorista quanto em outras atividades, principalmente em serviços gerais.
E diz para o Seguinte:.
— Os senhores que são mais conhecidos e relacionados, se souberem de alguma coisa pode me indicar, pelo amor de Deus. Isso que a gente está vivendo, não é vida.
E completa:
— O que eu quero é só um emprego com carteira assinada, para voltar a ter uma vida com um pouco mais de dignidade!
E o que ela espera do ano novo que está chegando?
Tânia Regina, com aspecto de mulher sofrida, só pede um canto para viver melhor com seu companheiro de quatros anos já, o cachorro que fica amarrado com corrente curta, e um gato preto e branco que some na presença de estranhos.
— Ah, prá mim, se a gente conseguir umas duas pecinhas para morar, que tenha um banheirinho, já tá bem bom. Se tiver isso, o resto a gente se vira.
Veja no vídeo abaixo a conversa de ano novo do Seguinte: com Jorcerlei e Tânia!
E se você quiser saber mais da vida do casal de catadores, pode parar o carro e chegar. Fica ali na 61, bem ao lado do posto de combustíveis. Não tem como errar.