— É pênalti!
Com convicção, Jairo César Barbosa Alves, o Jairão, 46 anos, gritou, antes mesmo que trinasse o apito do holandês Björn Kuipers. Pois o árbitro de Brasil e Costa Rica, aos 32 minutos do segundo tempo, também teve segurança para apontar a marca da cal. Era pênalti em Neymar, mas…
Depois da estreia brasileira na Copa do Mundo, quando, além do empate com a Suíça, a arbitragem não agradou nem um pouco aos brasileiros, a torcida e a imprensa lohgo pediram: o VAR. Pois o Seguinte: tratou logo de se prevenir para acompanhar a segunda partida do Brasil na Rússia. Jairão, com 20 anos de apito na várzea de Gravataí e ns categorias de base do futebol gaúcho, foi, do sofá de casa, no bairro Rubem Berta, zona norte de Porto Alegre, o nosso VAR nos 90 minutos. E, por muito pouco, a arbitragem não foi novamente o centro das atenções de mais um jogo dos comandados de Tite no mundial.
Somente aos 90 minutos Phillipe Coutinho aproveitou a sobra na área para marcar, de primeira, e de bico, o primeiro gol da vitória brasileira. Aos 51, Neymar completou os 2 a 0.
Mas e aquele pênalti? Depois de marcado pelo holandês, foi para revisão de vídeo. Minutos depois, a conclusão foi de que não houve penalidade. Para o pessoal da FIFA, Neymar se jogou.
— Às vezes é melhor trabalhar no apito na várzea, sem esse monte de câmeras que acabam deixando o árbitro nervoso. Sempre fica aquela pergunta se está certo ou errado. Neste lance, eu apontei o que vi no primeiro momento. Assim é que se decide na várzea. Não tem espaço para dúvida. Ou decide na hora, ou apanha mesmo — conta o Jairão.
Por isso, sempre antes de cada jogo em que atua, o experiente árbitro avisa aos bandeiras:
— Se ver alguma coisa que eu não vi, grita. Mas dentro da área, a decisão é do juiz.
A convicção de árbitro acostumado à pressão dos alambrados já custou até mesmo um dente ao Jairão. Foi em 2007, quando ele estava atuando como bandeirinha em uma decisão entre Cedrense e Caveirense. Ele marcou impedimento, e o árbitro confirmou. Indignado, o jogador partiu para cima. Jairão foi proteger o homem do apito e…
— Perdi um dos dentes da minha prótese. Na várzea não tem esse negócio de VAR, é vrau mesmo — brinca.
Na manhã desta sexta, os cartões vermelhos e amarelos, o apito e as bandeirinhas do Jairo estavam bem guardados. Para assistir a Seleção Brasileira, ele estava munido de café, cuca e pizza caseira. Era um primeiro tempo outra vez arrastado dos brasileiros. O árbitro, pelo menos, agradou ao nosso VAR.
— Ele não deixa os caras se criarem. Está sempre em cima do lance, quando apita, o jogador vaiu reclamar e ele já está ali. É desse jeito que eu apito também, não gosto de usar cartão — garante.
Na partida de São Petersburgo, os cartões só foram aparecer nos minutos finais. O Jairão, que não gosta de usar deste artifício para proteger a arbitragem, guarda em casa aqueles cartões que ele considera históricos. Todos meio rasgados, emendados com durex, mas com lembranças da carreira dele.
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Deu sono na estreia do Brasil e do Miguel
Jairão, quando não está nos campos, é padeiro e confeiteiro. Atualmente está desempregado. Para manter a forma e seguir na elite dos árbitros da várzea, caminha e corre 30 minutos diários pela manhã e ao anoitecer. Já faz uns oito anos que diz que vai abandonar o apito. Mas, quando resolve frequentar os campos, desiste.
— Eu vejo que ainda estou melhor que muita gente.
O primeiro pitaco do nosso VAR aconteceu aos 25 minutos de jogo. Gabriel Jesus até chutou para o gol e começou a comemoração. Ele não se empolgou no sofá.
— Impedido — decretou.
E a imagem da televisão prontamente mostrou o auxiliar com a bandeira erguida.
Aos 37, o atacante costarriquenho acertou Tiago Silva. O Jairão já teria endurecido:
— Se não der cartão, perde o controle.
O holandês não deu o amarelo. Fosse na várzea, poderia dar problema, garante o experiente árbitro.
Já apitou o Douglas Costa, o Ronaldinho…
Na segunda etapa, o cenário mudou. E com uma figura conhecida pelo Jairão. Tite sacou William e entrou Douglas Costa. O guri, quando estava nas categorias de base do Grêmio, teve jogo apitado por ele.
— Era um guri tão, mas tão mirradinho. Ele foi crescer mesmo quando saiu daqui, né. Era aquele tipo de jogador que a arbitragem precisa proteger, porque os caras batem mesmo. Mas o Douglas era valente. Apanhava e seguia a jogada — conta.
Jairão também apitou jogos com Ronaldinho Gaúcho e outros nomes conhecidos nas categorias de base. Mas garante, o maior mala que ele já encontrou nos gramados — já na várzea — foi Dinho, ex-jogador do Grêmio.
O veterano é do tipo que quer apitar o jogo junto com o árbitro.
— E de vez em quando larga aquela: "olha só o golaço que eu vou fazer, vai ser para ti" — conta o Jairão.
Lá pelas tantas, Kuipers cansou das encenações de Neymar. Deu uma dura. De casa, o Jairão sorriu e gostou do estilo do europeu.
Quando jogadores de ataque têm essa mania de ficar mais no chão do que de pé, em Gravataí o nosso árbitro usa da psicologia.
— Eu digo para ele que ele tem talento, tem bola para fazer melhor e ir jogar. O cara vê, já no segundo lance, que eu não voiu marcar qualquer coisa, e muda de atitude. Mas se eu vejo que estão de maldade, não tem jeito. Expulso mesmo se for o primeiro minuto de jogo — comenta.
: Neymar levou puxão de orelha do árbitro, fez teatro e marcou o segunod gol do Brasil | LUCAS FIGUEIREDO
Quando o clima esquenta
O Brasil seguia na pressão. O pênalti que, para o Jairão e para o Kuipers foi, para os controladores do VAR não foi. E a tendência era de que as coisas ficassem mais tensas. Neymar e Phillipe Coutinho levaram cartões amarelos em sequência.
Nenhuma situação foi tão tensa como a vivida em setembro de 2016, no campo do Centro Comunitário Primeiro de Maio (Ceprima), na zona norte de Porto Alegre. Era tiro de meta e o Jairão correu para omeio de campo à espera da cobrança. De costas, ouviu um "tlac".
— Achei que era uma bombinha.
Virou-se para ver o que era. Um homem estava ao lado do goleiro do Cruzeiro, que enfrentava o Ajax, com a arma apontada contra ele. Disparou mais quatro vezes.
— Mataram o goleiro ali, na minha frente. Fiquei sem reação. Nunca imaginei uma situação dessas, mas a gente sabe que pode acontecer — diz.
A partida pela televisão seguia 0 a 0 e a placa dos acréscimos foi erguida: seis minutos.
Hein?
— Uma vez, dei 10 minutos. O time da casa estava perdendo e pressionando. Fizeram um gol nos acréscimos e ficaram reclamando, pedindo mais tempo ainda — sorri.
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E foi só o Jairão abrir o sorriso que a bola sobrou para o primeiro gol da Seleção. Aí, estava liberado o nosso VAR. Ele é brasileiro, ora:
— Toma!
Ainda aconteceu o segundo gol antes de terminar o jogo. Para o Jairão, o holandês Kuipers mereceu nota oito. E o sistema de controle por vídeo, ao nosso VAR, ainda não convenceu. Ele é um cético:
— Tira a autoridade do árbitro e esse monte de câmeras, às vezes, não mostra o que precisa mesmo mostrar.