“Diretora dos EUA conta como seu pai, antes tolerante e pacífico, se tornou um extremista de direita raivoso após anos exposto a conteúdos conservadores”. Recomendamos o artigo de Cynara Menezes, publicado em Socialista Morena
Em uma visita à casa da família, a escritora e diretora de cinema norte-americana Jen Senko notou uma mudança em seu pai. Antes tolerante, pacífico e muito pouco interessado em política, ele havia se tornado um extremista de direita raivoso, sempre determinado a entrar em algum bate-boca, seja com desconhecidos na rua, com parentes ou com a própria mulher. Jen resolveu investigar o porquê da transformação –e o resultado apresentado em A Lavagem Cerebral do Meu Pai (2016) é chocante, sobretudo para nós, brasileiros, porque tudo que ocorreu lá está ocorrendo aqui.
A primeira coisa que a documentarista descobriu foi que o caso do seu pai não era isolado, pelo contrário: começou a receber centenas, milhares de depoimentos de gente nos EUA relatando a mesma experiência, que amigos e familiares tinham se transformado em direitistas fanáticos. Quem é que, no Brasil, não conhece uma história assim? Curioso é que, lá como aqui, os perfis mais afetados são o de pessoas que até pouco tempo atrás não se interessavam a mínima por política. Como se o discurso raivoso encontrasse, no vazio, terreno fértil para crescer.
Em comum entre estes pacatos cidadãos que viraram extremistas de direita furibundos havia o fato de passarem horas expostos a programas de rádio de extrema direita e, depois, à programação da Fox News, o canal mais conservador do país. No caso do pai da cineasta, ele se mudou de cidade e tinha que ir de carro sozinho para o trabalho durante três horas. Ouvindo o quê? Conteúdo de extrema direita. Isso explica, entre nós, o fato de tantos motoristas de táxi (e agora de Uber) terem tido sempre um perfil mais à direita –lembram do “motorista de táxi malufista”, quase um arquétipo em São Paulo?
Jen foi mais fundo e descobriu que, desde o governo Richard Nixon, a extrema direita norte-americana vem seguindo um padrão de discurso para convencer a população de que existe um complô dos liberais (no conceito norte-americano do termo, “progressistas” aqui) para destruir a família, os valores tradicionais do país e até o Natal. Para conseguir alcançar cada vez mais gente, eles construíram um conglomerado de mídia e dominam hoje a maior parte das rádios dos EUA.
É estarrecedor descobrir que Roger Ailes, o mesmo cara que ensinou Nixon a se comunicar bem na televisão e ajudou a eleger Ronald Reagan e George Bush foi o fundador e CEO da Fox até sua morte, em 2017. E que as acusações de “fraude” nas eleições, tão usadas por Bolsonaro agora, têm sido uma estratégia política da direita no país desde os anos 1990. Não foi Donald Trump que começou este papo. Em 2008, na eleição de Barack Obama, as falsas acusações de fraude tomaram a mídia conservadora e se repetem a cada vitória dos democratas. Detalhe: o voto nos EUA é majoritariamente em papel.
Outros pontos da estratégia, além da acusação de fraude, são o discurso antiaborto, pró-armas e negacionista da ciência. Além, é claro, do velho anticomunismo. Tudo isso turbinado por altas doses de notícias falsas. A cineasta chama a atenção para o fato de que é um “jornalismo” muito barato de fazer, porque não tem reportagem: basta um âncora falando baboseiras e espalhando desinformação o tempo inteiro, direto do estúdio. Tucker Carlson, o âncora da Fox News que recentemente entrevistou Bolsonaro, que o diga.
Assistir este documentário é imprescindível para compreender o papel que a mídia comercial jogou na eleição de Bolsonaro. Sob a influência da Lava-Jato, a Globo e os jornais impressos desempenharam o papel de operadores da lavagem cerebral anti-esquerda que, nos EUA, coube à Fox News. Hoje, porém, a continuidade desse trabalho é prioritariamente feita pela Jovem Pan, e com participação menos influente da Rede TV!, da Record e do SBT. Não podemos esquecer que estes meios estão ligados a fundamentalistas evangélicos que, do púlpito real e do eletrônico (em espaços que alugaram dentro destas emissoras), ajudam a espalhar a “boa nova” do bolsonarismo.
De quebra, o filme traz ainda as animações do gênio Bill Plympton, também autor do pôster do documentário. Eu já tinha falado dele no site na época em que ele foi lançado, e fui alertada por um leitor de que o filme está agora disponível no youtube legendado em português. Não sei por quanto tempo vai ficar lá, portanto assistam e espalhem, é muito importante.