“Deus me ajude!”, “Salve-se quem puder!”, “Socorro, senhor!”, “Me proteja meu anjinho da guarda!”… Ou, então, os mais impublicáveis palavrões.
Isso é o que deve passar pela cabeça ou a reação que deve ter o motorista ao entrar na eternamente em duplicação RS-118, no trecho de 23 quilômetros entre o acesso à BR-116 (Sapucaia do Sul) e a ponte sobre o Rio Gravataí (já no sentido de Viamão).
A rodovia que leva o nome do consagrado poeta gaúcho Mário Quintana está com as obras de duplicação, iniciadas há cerca de 10 anos, praticamente paralisadas há dois, por falta de verbas para pagamento das empreiteiras e, principalmente, por causa das ocupações irregulares às margens da estrada.
O Seguinte: percorreu nesta segunda-feira (14/11) por cerca de duas horas o trecho mais caótico, entre Gravataí e Sapucaia, para ver qual a situação atual da RS-118. E, mesmo em meio a um feriadão, o trânsito da tarde era pesado, com muitos caminhões de carga em meio a carros e ônibus.
: Trecho de desvio, parte da estrada nova, sem buracos na pista, faz trânsito fluir
Polícia
No posto do Comando Rodoviário da Brigada Militar o único soldado – que não quis se identificar – afirmou que a situação melhorou bastante nos trechos onde há desvios, que são as obras de duplicação já concluídas e que aos poucos são liberadas para o trânsito.
Na estrada velha, onde foi executado o recapeamento asfáltico, o quadro também ficou melhor, mas ainda é complicado por causa da falta de sinalização para orientação dos motoristas, o que causa riscos de acidentes.
— Não tem dado muito acidente, a não ser umas batidinhas mais leves. Ontem, mesmo (domingo), foram três, mas só abalroamentos por causa do fluxo mais intenso para o litoral. Apenas danos materiais — disse o policial militar.
: Cones de sinalização dos desvios são objeto de furto para venda no comércio
Cones
Uma das situações graves que acontece ao longo do trajeto percorrido pela reportagem é o furto do material de sinalização, principalmente de cones empregados para a orientação dos condutores.
Os cones são furtados geralmente no período da noite com a finalidade de serem vendidos. Normalmente os compradores têm comércio, tanto em Gravataí quanto em Sapucaia e Esteio, as cidades que têm mais áreas urbanas ao longo da 118.
— Todo cone que for encontrado na frente das lojas nestas cidades pode saber: foi furtado da estrada — acusou o policial do Comando Rodoviário.
: Flagrante 1: automóvel com excesso de carga transportava esquadrias metálicas
: Flagrante 2: bois e vacas pastavam à margem da estrada, no Parque dos Eucaliptos
: Flagrante 3: homem põe fogo no lixo ao lado da estrada, em Sapucaia do Sul
Lixo & comércio
O trecho entre o acesso da RS-118 à BR-116, em Sapucaia, e a divisa com Cachoeirinha, por um lado, e Gravataí, por outro, é o mais conturbado. Lixo. Mais lixo. Outro ponto de depósito de lixo à margem da rodovia. Gente botando fogo em lixo. Lixo invadindo a estrada.
E nada de obra.
: Comércio à beira de estrada tem tudo, de loja de material de construção à borracharia
O trânsito pesado não impede que as pessoas atravessem a estrada na frente dos veículos, ignorando as velhas passarelas de ferro e concreto carcomido construídas em posições estratégicas – conforme as necessidades de duas décadas atrás.
Não faltam também estabelecimentos comerciais ocupando espaços destinados à duplicação da 118, numa flagrante ocupação – ou reocupação! – de espaços desapropriados para realização das obras.
São desde comércio de material de construção, revendas de carros, pontos de compra e venda de sucatas de ferro, plásticos e todo tipo de material recolhido por catadores, até botecos e casas de prostituição.
Patrola
O primeiro sinal de obra visível fica à margem direita da RS, no sentido de Gravataí, logo após a ponte que divide Sapucaia e Esteio de Cachoeirinha. Nesta tarde uma patrola e dois funcionários da Sultepa espalhavam cargas de areia no local onde vai ser construída uma rua lateral.
— Tá andando, meio devagar mas tá indo. O problema, acho que é a liberação de dinheiro — comentou o funcionário da empresa que orientava o maquinista.
: Máquina da Sultepa espalhava areia em área onde está sendo construída uma via lateral
Mais adiante, várias cargas de pedra estavam sendo espalhadas por um trator, também no Lote 02, entre os quilômetros 6 e 11, de responsabilidade da Sultepa, onde a gasolina pode ser encontrada nos postos à margem da rodovia por preços entre R$ 3,67 e R$ 3,69.
Obras de arte
Ao longo do trecho percorrido nesta segunda estão pelo menos quatro grandes obras de arte, que é como o pessoal da área técnica – os engenheiros e mestres de obras, principalmente! – chama, por exemplo, os viadutos.
: Um viaduto no acesso da RS-118 à estrada Frederico Ritter, que vai para a Souza Cruz e ao Distrito Industrial de Cachoeirinha, concentra grande fluxo de caminhões de grande porte, como as chamadas “carretas”.
Outro viaduto – na verdade uma elevada – na confluência com a Marechal Rondon, faz com que a RS-118 passe por cima da avenida que, no outro lado, se chama estrada Henrique Closs e leva à subestação da Eletrosul e ao Aterro Sanitário Santa Tecla.
: Uma segunda ponte – ao lado direito da já existente – sobre a RS-020, pronta há cerca de três anos, por enquanto liga o nada a lugar algum embora a duplicação já esteja concluída nas duas extremidades. Falta apenas ligar a estrada à ponte.
: E a maior, uma mega-elevada sobre a estrada Itacolomi, ligação da região do Bonsucesso ao loteamento Alphaville e campus da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
No mais, estas “obras de arte” se limitam à canalização lateral e instalação de bueiros para escoamento de águas pluviais e passagem de pequenos córregos. A grande maioria já concluída.
Melancias
Sob o viaduto no acesso à Avenida Marechal Rondon o autônomo Valtoir da Silva estava vendendo melancias, em um pequeno caminhão, na tarde desta segunda. Ele vai todos os anos para o local, nesta época, e agora foi um pouco mais cedo para fazer frente à crise no mercado de trabalho.
— Venho sempre pra cá, há uns 10 anos. A gente compra a melancia para revender — conta Valtoir.
Do alto dos seus 35 anos de vida, o comerciante forçado pela ocasião conta que o movimento naquele ponto é fraco, e que não chega a vender tantas melancias quanto gostaria.
E sobre as obras da RS-118?
— Esperança de ver isso aí tudo pronto, todo mundo tem. O problema é saber se vão terminar e, se vão, se a gente ainda vai estar vivo — comenta, se escondendo da fotografia com medo de ser expulso daquele ponto pelos responsáveis pela estrada.
: Melancias sob a elevada no acesso à avenida Marechal Rondon
As meninas
A partir da elevada sobre a Estrada Itacolomi (da Ulbra) e até a ponte sobre o Rio Gravataí, são poucos os pedaços de estrada que não têm buracos. Aliás, crateras. Principalmente próximo aos semáforos dos cruzamentos com a própria Itacolomi, avenida Brasil e Morro do Coco, por causa das freadas dos veículos pesados sobre o asfalto quente.
Quase no final do roteiro da reportagem, duas mulheres que fazem do acostamento seu ponto de prostituição dizem que já presenciaram inúmeros acidentes por causa da imprudência de motoristas que trafegam em alta velocidade apesar da buraqueira, e causados pelos próprios buracos existentes no asfalto.
A mais velha, que cobra de R$ 30,00 a R$ 50,00 o programa, conforme o que o cliente quer, não quis se identificar e nem falou a idade, mas revelou que na semana passada quase foi atingida por um carro.
— Uma mulher se atravessou na frente do outro carro e os dois bateram, Ela saiu da estrada e quase me pegou — disse, no calorão do meio da tarde e suando à sobra de um espinheiro.
A mais jovem, que disse ter 18 anos e se identificou como Suelen, cobra até R$ 80,00 pelo programa e justifica o preço:
— Esse corpinho aqui (e passa a mão dos ombros às coxas) vale isso e muito mais — diz.
Sobre a estrada, também Suelen tem opinião.
— Não sei se vão terminar essa obra. Mas bem que eles podiam botar um asfaltinho prá tapar estes buracos!
Os lotes
A duplicação da RS-118 foi fatiada em três lotes:
Lote 01 – do quilômetro 11 ao 21,3 (Gravataí), Construtora Triunfo. Mais de 70% da obra executada até o meio do ano.
Lote 02 – do quilômetro 6 ao quilômetro 11 (Gravataí), Construtora Sultepa. Pelo menos 50% executada até julho passada e a única empresa que tinha funcionários trabalhando no trecho nesta segunda.
Lote 03 – do quilômetro 0 ao quilômetro 5 (Sapucaia do Sul), Construtora Conterra. É o trecho mais atrasado, com apenas cerca de 10% pronto até o meio do ano.
Sem prazos
No meio do ano o secretário estadual dos Transportes, Pedro Wesphalen, afirmou que a intenção do governo era viabilizar a obra “o mais breve possível” após a superação dos entraves e da definição da fonte de financiamento, para que se evitem novas interrupções.
Entretanto, ele disse que não havia nenhuma estimativa de prazos.
Há cerca de 15 dias um dos diretores do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) disse, em entrevista a uma emissora de rádio de Porto Alegre, que as obras de duplicação da RS-118 continuavam indefinidas exatamente por causa da falta de recursos.
— O estado não tem dinheiro, todo mundo sabe, e necessitamos para retomada do trabalho da liberação de dinheiro do governo federal — pontuou o diretor, referindo-se ao repasse de recursos oriundos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) dos combustíveis.
Já a última manifestação do presidente do Sindicato das Indústrias da Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplanagem (Sicepot/RS), Ricardo Portella, também não foi otimista. Portella, que teria sinalizado a possibilidade de retomada da duplicação, voltou atrás.
— Estamos dentro do contrato, cumprindo os contratos. Temos interesse em retomar o trabalho mas aguardamos uma posição do estado — falou, sem deixar claro sobre que pretendeu dizer ao falar em “posição do estado”.
Fala, piloto!
O motorista aqui da “casa”, Edejair José Pinto, de 55 anos, cruza a RS-118 entre Sapucaia e Gravataí quase todas as noites, fazendo a distribuição dos jornais da região que são impressos na Gráfica Grupo CG. Ele conta que conhece o trecho há quase 30 anos.
— Desde que morava em Três Passos eu já conhecia essa estrada. Mas comecei a andar nela, mesmo, nos últimos 11 ou 12 anos. Isso aqui já esteve muito pior, quanto não tinha os desvios. Agora tem uns pedaços bem ruins, mas onde tem os desvios dá para andar bem — comenta o profissional.
: Edejair Pinto, motorista, que anda na 118 quase todas as noites, diz que a RS já foi pior