A Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) manteve por 27 anos o pagamento da aposentadoria de um servidor público que morreu em 1996, em suposta fraude ligada a Gravataí. O esquema, desmantelado pela Polícia Civil na Operação De Cujus, movimentou R$ 2,5 milhões em benefícios recebidos ilegalmente por um dos filhos do falecido. O caso, considerado um dos mais longos de fraude previdenciária no estado, e que expõe falhas crônicas no controle de pagamentos e na fiscalização de “provas de vida”, foi revelado em reportagem de Adrian Irion, em GZH.
O policial civil aposentado faleceu em fevereiro de 1996, em Montenegro, mas sua morte nunca foi registrada oficialmente. A aposentadoria continuou a ser depositada mensalmente até dezembro de 2023. Segundo a investigação, os saques eram feitos por um dos filhos do homem, que morreu em janeiro de 2024, pouco antes do início das investigações. A nora e a viúva do suspeito também são investigadas por suposta participação na fraude.
A fraude veio à tona após uma denúncia anônima recebida pela Ouvidoria Geral do RS em 2023, repassada ao Instituto de Previdência do Estado (IPE Prev). O caso foi então encaminhado à Sefaz, responsável pela folha de pagamento, e à Polícia Civil, pelo presidente do IPE Prev, José Guilherme Kliemann.
A investigação
Ao vasculhar sistemas de informação, a polícia não encontrou registros do óbito. Foi preciso recorrer a cartórios e cemitérios. No Cemitério Católico de Montenegro, localizaram o túmulo do servidor, sem nome na lápide, junto a familiares. A irmã do morto, responsável pelos trâmites burocráticos, não teria registrado a morte, segundo relatos de parentes.
A Sefaz admitiu à polícia que não possuía documentos de prova de vida do beneficiário até 2019. Entre 2020 e 2022, a exigência foi suspensa devido à pandemia. Em 2023, ao solicitar uma nova prova de vida, a secretaria desconfiou de um formulário com assinatura autenticada em cartório de Gravataí em 2014. A perícia apontou indícios de falsificação.
Outro documento fraudulento era um comprovante de residência de dezembro de 2023, em que o filho escreveu à mão que o pai, morto há 27 anos, vivia em seu endereço. A nora também teria declarado falsamente ao banco, em 2020, que o sogro residia com ela.
A investigação revelou que a Sefaz não mantinha arquivos digitais de provas de vida anteriores a 2019. O delegado Augusto Zenon, da 2ª Delegacia de Combate à Corrupção (2ª Decor), disse que não há como saber se o beneficiário estava vivo ou não nesse período.
A pasta ainda não se manifestou sobre responsabilidades pelas falhas, mas ressaltou, via nota, que as “provas de vida são de sua competência”, conforme portaria de janeiro de 2024.
Buscas em Gravataí
Na manhã desta segunda-feira (7), a polícia cumpriu mandados de busca e apreensão em Gravataí, recolhendo celulares, computadores e documentos. A Justiça também autorizou o bloqueio de bens dos investigados para ressarcir o Estado.
Os crimes apurados incluem estelionato, falsificação de documentos e apropriação indébita. Informalmente, a mulher do filho falecido alegou que o marido a “pedia para fazer declarações falsas”.
O pagamento da aposentadoria foi suspenso em janeiro de 2024. A polícia segue apurando a rede de colaboração para a fraude.