Após 'limpar o nome', Gravataí se habilitou a financiamento com a Comissão Andina de Fomento (CAF) e está no radar do banco do Brics. Prefeito tem reunião com executivos nesta quinta, em Brasília
Quando recebeu o convite de Marco Alba para ‘dar uma mão’ no governo que começaria em 2013, Davi Severgnini tinha a mesma visão de muitos sobre Gravataí: a aldeia era uma Califórnia de prosperidade em meio ao pampa pobre.
– Como a maioria dos gaúchos e brasileiros, achava que a ‘Terra da GM’ era um Vale do Silício – exagera o dono da chave do cofre da Prefeitura, comparando a aldeia dos anjos com a riquíssima região norte-americana que reúne empresa de tecnologia de ponta no mundo.
Orientado pelo prefeito, o advogado e pós-graduando em Economia pela PUC gaúcha e Administração pela Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, ao lado do secretário de Governo Luiz Zaffalon e o procurador-geral Jean Torman, no que se mostrou o ‘núcleo duro do governo’, logo identificou um cenário bem diferente:
– O inconsciente coletivo imagina Gravataí como um município cheio de riquezas e que não devolve serviços adequadamente, quando na verdade uma cidade rica é aquela que tem poupança. Aqui se arrecadava muito, mas se gastava ainda mais – sintetiza o secretário da Fazenda, que lembra os fantasmas do crescimento negativo de 6% em 2013 (parte pela perda de repasses que chegou a R$ 300 milhões com a crise que atropelou a GM, responsável por 50% do PIB) e a dívida de R$ 227 milhões, correspondente a mais da metade da receita.
– Se o prefeito pensasse no curto prazo, como fazem muitos políticos, poderia ter jogado as dívidas para cima. Mas preferiu arriscar a pele eleitoralmente, pensar no futuro da cidade e pagar a conta. Como comprova a captação do financiamento de R$ 100 milhões com a CAF e a habilitação para outro com o banco do Brics, recuperar o status de ‘ficha limpa’ era a única saída para Gravataí buscar recursos externos e fazer investimentos – adverte, apontando para uma média de investimentos da Prefeitura nunca superior aos 3% em todos os governos até hoje.
– Uma boa resposta seriam 10% da receita em investimentos próprios, R$ 60 milhões em dinheiro de hoje. Nunca se chegou a isso na história do município – aponta o ex-coordenador da bancada do PSDB na Assembleia Legislativa, morador da zona sul de Porto Alegre, natural de Três Passos e que se diz “um técnico e ex-político que deixou no passado a vontade de concorrer a qualquer coisa”.
O também ex-integrante do governo Yeda Crusius, onde conheceu Marco quando o gravataiense era secretário de Desenvolvimento Urbano e Saneamento, observa que essa relação entre dívida e investimento é bem próxima ao que o prefeito, agora reeleito, já pagou em contas do passado, reduzindo o rombo para R$ 185 milhões, ou 32% da receita. Em 2003, por exemplo, chegava a 100%.
– Ao optar por bancar o serviço da dívida, precatórios e o Ipag, se foram entre R$ 40 e R$ 50 milhões por ano. Isso poderia ter sido investido em asfalto, mas aí o buraco hoje seria bem maior – alerta, citando também um plano de redução de gastos de até 25% em algumas áreas, preservado o tripé educação, saúde e assistência social.
– Nestas áreas se investiu até mais do que o exigido constitucionalmente. O prefeito nunca abriu mão disso, por isso o slogan do primeiro governo era cuidar das pessoas – pontua.
A dívida do impeachment
A busca pelas certidões negativas de débito e a saída do ‘spc das prefeituras’ enfrentou também um impedimento apontado pela Secretaria do Tesouro Nacional que, dois anos antes, provocara um tsunami na política da aldeia: a ‘dívida da cassação’.
Em 2011 a prefeita Rita Sanco (PT) tinha sofrido impeachment pela confissão de uma dívida de R$ 100 milhões com o Banrisul, que comprara créditos da CEEE em uma operação supostamente vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
– Contestamos a dívida até ser anulada, num trabalho magnífico do Jean e a equipe da Procuradoria. E em setembro de 2014 conseguimos a regularidade em todas as certidões – recorda o secretário.
O único momento em que Gravataí ‘entrou no SPC’ foi em março de 2017, por dez dias. O motivo? Um atraso da STN em reconhecer a assinatura de Nadir Rocha. Prefeito interino durante a eleição suplementar, o presidente da Câmara aparecia no cadastro do Cadastro Único de Convênio (Cauc) do Ministério da Fazenda como responsável pelo Executivo e o Legislativo ao mesmo tempo.
– Foi um problema burocrático. As contas sempre estiveram em dia. Ter o nome limpo é o centro do governo Marco. A gestão austera, responsável e transparente, com indicadores e metas a serem cumpridas foi proposta pelo prefeito e seguida à risca – sustenta o secretário, que afiança que obras feitas no período entre as eleições de 2016 e 2017 não comprometeram o Orçamento.
– Nunca houve bolha de gastos – resume, em economês.
Ipag, a 'Falha de San Andreas'
Chamada por Davi de ‘Falha de San Andreas’, em referência à falha geológica mais temida no mundo e que poderia desencadear um tsunami de proporções bíblicas em São Francisco, engolindo parte dos Estados Unidos, a renegociação da dívida com o Ipag também foi um dos pilares da saída de Gravataí do spc.
– Nada tinha sido pago. Nunca. O Marco começou a pagar essa dívida monstruosa – diz, sobre os R$ 90 milhões devidos e assombrados por um déficit atuarial de R$ 830 milhões com o Instituto de Previdência e Assistência.
Por mês, entre parcelas da dívida e contribuições da Prefeitura, R$ 3,3 milhões vão para a previdência e assistência em saúde dos cerca de 5 mil servidores municipais, dois mil deles já aposentados.
– Se não for aprovada uma reforma da previdência, logo acabará a capacidade de investimentos das prefeituras – alerta, projetando que, em 2020, os 10% referentes aos repasses para o Ipag cheguem a 22% da folha.
Em dinheiro, um cataclisma de R$ 50 milhões por ano.
Para além da GMdependência
Como a receita não crescia, e o serviço da dívida custava até R$ 50 milhões por ano, além do controle de gastos o governo buscou a única alternativa à ‘GMdependência’: aumentar as receitas próprias com IPTU, ITBI e ISS.
– Quando o dinheiro jorrava com o ICMS da GM, ninguém quis enfrentar o desequilíbrio tributário em Gravataí – analisa o secretário, que elogia o prefeito por antever o ‘tempo ruim’ para a GM, que crescia com incentivos ao consumo, como redução do IPI e linhas facilitadas de crédito, que não logo seriam cortados quando a marolinha da crise nacional virou tsunami.
– Essa antecipação de cenário que o Marco fez brilhantemente permitiu que nos preparássemos antes de outros municípios. Enfrentamos anos difíceis, principalmente 2013 e 2014, mas o prefeito, com apoio da base de governo, teve a coragem para fazer reformas que muitos são obrigados a fazer agora. Nosso mundo não caiu em 2016, como em Cachoeirinha e Porto Alegre, por exemplo – compara.
Tabelas apresentadas pelo secretário mostram as distorções nas receitas tributárias. Só para se ter uma idéia, de uma média nacional de R$ 25 milhões arrecadados com IPTU, em 2015, pelos municípios de mesmo porte, Gravataí não passava dos R$ 12 milhões. Pelotas, por exemplo, arrecadava R$ 42 milhões. Passo Fundo, R$ 29,8 milhões. Com ISS, que tinha uma média nacional de R$ 47 milhões, Gravataí arrecadava R$ 28,3 milhões. Pelotas, R$ 49 milhões.
– ITBI e ISS ajustamos para a média da Grande Porto Alegre. O IPTU não teve reajuste, houve sim uma verificação mais eficiente de área construída – explica.
A ferramenta foi o Geoprocessamento, financiado por um programa federal que liberou recursos para informatização e modernização administrativa após Gravataí ganhar a ‘ficha limpa’.
– Estava no Plano Plurianual desde 2006 e nunca tinha sido aplicado – aponta o secretário.
– Ficou pronto para ser aplicado no ano eleitoral e o prefeito mandou tocar, mesmo que o valor aumentasse nos carnês de muita gente que tinha área maior que a declarada.
O mecanismo mapeia as zonas da cidade, faz fotos aéreas e, após visitas a cada propriedade, calcula a área construída. Se a área é maior do que consta na Prefeitura, o carnê do IPTU chega com uma foto da planta e da área a maior. O contribuinte tem 30 dias para impugnar a cobrança, caso tenha havido algum erro.
– 12 mil contribuintes foram até a Prefeitura para tratar do IPTU. Entre dezembro e janeiro. Abrimos 156 processos e apenas três erros foram verificados – informa, citando como exemplo de erro um caso onde a cor do telhado e do piso detectada pela foto aérea era semelhante e, no dia da visita dos técnicos, o proprietário não estava em casa.
Conforme Davi, o mapeamento começou pelas periferias devido ao desenho mais identificável dos loteamentos registrados na Prefeitura. Só na Morada do Vale foram 7 mil propriedades. A área tributável cresceu de 7,4 milhões de metros quadrados em 2016 para 8,8 milhões.
Isso representa mais R$ 6 milhões numa receita de R$ 56 milhões inscrita para o IPTU no Orçamento de 2017, com projeção de adimplência de pouco mais da metade.
A previsão é de que, até o fim de 2017, toda a cidade já tenha sido mapeada, atingindo 130 mil propriedades.
– A região central, que começa agora, é onde as escrituras estão mais fora da realidade – antecipa o secretário, surpreso com a falta de divisas entre bairros de Gravataí e mais de 1000 ruas com mesmo nome ou sem CEP.
– Não há Google Maps que resolva.
O secretário adverte também para a necessidade de revisão da planta de valores, cuja última atualização foi feita em 1997, no primeiro ano do governo de Daniel Bordignon.
– O Tribunal de Contas tem feito apontamentos alertando Gravataí de que a planta está muito defasada, que estamos abrindo mão de receita.
– A cidade duplicou de tamanho em 20 anos – compara.
: Davi Severgnini apresentou os números da Prefeitura em conversa de mais de duas horas com o Seguinte:
Travessia segura
Estudando a nuvem da economia, o crítico ao socialismo petista e à socialdemocracia tucana, que se descreve como um liberal entusiasta do pacto social norteamericano, percebe ventos mais favoráveis.
– A economia nacional melhora aos poucos, o Rio Grande do Sul terá uma supersafra, o número de veículos comercializados cresceu, o Onyx é o carro mais vendido do Brasil e a GM está com uma estratégia de exportações num momento muito favorável a isso. Além de a inflação estar sob controle, o que é bom porque indexa nossa despesa – lista.
Então Gravataí vai bombar?
– As contas estão sob controle, mas manteremos a orientação do prefeito de controle dos gastos. Não temos poupança, não sobra dinheiro. Mas estamos numa travessia muito mais virtuosa e segura do que a grande maioria dos municípios em meio a toda essa crise – conclui, reforçando que a aprovação às práticas de gestão do governo de Marco Alba se dá com a inclusão de Gravataí no radar de investidores internacionais.
Na quarta-feira passada, Roberto Dumas, representante do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics, ligou de Xangai, China, informando que o ‘banco do Brics’, operado pelos chineses, Rússia, Índia, África do Sul e Brasil projeta investir 3 bilhões de dólares em infraestrutura e desenvolvimento sustentável.
E Gravataí está entre 26 municípios com mais de 200 mil habitantes elegíveis ao financiamento externo.
Na avaliação de rating, a nota de risco medida pelo banco do Brics, Gravataí subiu no ranking após a aprovação no ano passado do financiamento de R$ 100 milhões junto à Comissão Andina de Financiamentos (CAF), com o aval da Secretaria do Tesouro Nacional e da Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex) do Ministério da Fazenda.
Marco com Brics
Na quinta-feira, o prefeito Marco Alba embarca para Brasília, onde participa de uma rodada de reuniões com os executivos do banco.
– Vivemos um novo momento. Essa avaliação extremamente positiva pelo banco do Brics, como um lugar bom para investimentos, é a prova dos resultados daquilo que programamos e cumprimos nos últimos quatro anos. Novas potências do investimento mundial em infraestrutura colocam Gravataí em seu radar – observou Marco ao Seguinte:, citando o mantra do governo: “responsabilidade fiscal e financeira, austeridade e controle rigoroso dos gastos”.