Estado e União estão em um jogo de empurra sobre os recursos para obras antienchente na região metropolitana.
O governador Eduardo Leite enviou ofício ao governo federal pedindo a liberação imediata de R$ 3 bilhões para os projetos de proteção contra cheias, depositados em fundo criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para reconstrução do Rio Grande do Sul após a enchente de 2024.
O documento enviado ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, aponta a liberação da verba como “etapa imprescindível” para o lançamento das licitações para a execução das obras.
É pedida a disponibilização de R$ 2,5 bilhões para diques em Alvorada e Porto Alegre, que são parte dos R$ 6,5 bi destinado à Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí e também incluem diques em Gravataí e Cachoeirinha, além de R$ 531 milhões para a contenção de cheias em Eldorado do Sul.
Em entrevista ao Seguinte: nesta terça-feira, Paulo Pimenta, ministro da Reconstrução do RS até a extinção da pasta, considera o ofício como “cortina de fumaça” criada pelo governador em momento em que, um ano após a enchente, é cobrado “pela inoperância” na elaboração dos projetos para as obras.
– O fundo não é para antecipação de recursos. É para pagamento de obras – argumenta.
Conforme o deputado federal, reunião em janeiro entre os governos federal e estadual definiu que o Estado deveria revisar os projetos dos diques para possibilitar a licitação e execução das obras.
– O dinheiro está depositado desde dezembro. Os projetos é que ainda não estão prontos – resume.
O impasse reflete em Gravataí e Cachoeirinha porque os diques das duas cidades estão na fila, que começa por Alvorada, Porto Alegre e Eldorado. Os projetos, de 2012, também precisam passar por uma revisão após o aumento da cota de enchente verificado em 2024.
O ofício também repercutiu politicamente.
Em vídeo postado no feriadão (clique aqui para assistir), o presidente da Câmara de Vereadores de Gravataí, Clebes Mendes (PSDB), voltou a cobrar a suposta falta de apoio de Lula à reconstrução do RS e repetiu a narrativa de que o presidente culpou os gaúchos pelo déficit do governo federal.
O político entende que o ofício do governador o absolve das críticas que recebeu após vídeo anterior; leia em Vídeo do presidente da Câmara de Gravataí criticando declaração de Lula sobre o RS espalha fake news e é desrespeitoso.
Mantenho a mesma análise, apesar de Clebes, desta vez, ter feito cobranças sem o comportamento desrespeitoso que reputo não condizente com o chefe do poder legislativo da quarta economia gaúcha.
Vamos lembrar, com os fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos.
“É uma canalhice do presidente da República atribuir essa conta ao Rio Grande do Sul, da incompetência do governo federal, de um governo de um presidente semianalfabeto, que fez o que fez com o Brasil já em outros mandatos. A gente já sabia, principalmente nós gaúchos. Agora, atribuir o déficit nas contas federais ao Rio Grande do Sul, depois de tudo que a gente passou, aonde o governo não ajudou em nada, gaúcho ajudou gaúcho, vários estados e países ajudaram o Rio Grande do Sul, menos o governo federal (sic)”, disse o vereador, em vídeo que você acessa clicando aqui.
Em entrevista coletiva, Lula tinha alegado que as contas teriam registrado um superávit se não fossem as despesas com as enchentes no RS: “Não existiu rombo fiscal no meu governo, houve, sim, no governo passado. No nosso não houve. Aliás, se não fosse o Rio Grande do Sul, nós teríamos tido superávit pela primeira vez depois em muitas décadas”.
As contas do governo federal fecharam 2024 com déficit de R$ 11 bilhões. A meta fiscal foi cumprida, mas excluídos os gastos com a ajuda ao Rio Grande do Sul o governo teria superávit no ano, de acordo com dados divulgados pelo Ministério da Fazenda.
Lula não disse nada diferente do que sempre repete o prefeito de Gravataí, Luiz Zaffalon (PSDB), quando lembra o impacto da pandemia e de eventos climáticos em seu primeiro mandato. Não fossem as tragédias, o endividamento da Prefeitura também seria menor.
Insisto: Clebes tem todo direito de criticar Lula, e motivos não faltam, inclusive alguma insensibilidade ao, à época da fala sobre a meta fiscal, citar a catástrofe em meio a números que o povo não entende, mas não precisa usar de fake news.
É mentira que o governo federal não ajudou o Rio Grande do Sul. Já foram disponibilizados R$ 81 bilhões – o equivalente ao orçamento de Gravataí por quase 80 anos. Dois bilhões só no Auxílio Reconstrução de R$ 5,1 mil, que foi pago a 500 mil gaúchos – o equivalente a duas Gravataí em população.
Para acessar um balanço dos recursos, em gráficos, fácil de entender, clique aqui.
Ao usar o ofício de Leite como habeas corpus, o próprio Clebes confirma a existência do fundo – que inclui a Bacia do Rio Gravataí – e seus recursos bilionários para reconstrução. O dinheiro está lá. Com projetos, teremos as obras.
Como tratei no artigo crítico a Clebes, ao optar pela crítica fácil e a desinformação, o presidente se coloca fora de uma grande pauta para a Bacia do Rio Gravataí, para Gravataí e, ainda, para sua região, o ‘Grande Parque dos Anjos’ – e eu já tinha alertado o amigo, quando líder do governo em 2024, em 2,9 bi do PAC para cheias e falta de água na Bacia do Rio Gravataí: o ouro não pode virar ouro de tolo.
São R$ 2,9 bilhões para a região, incluindo o dique de R$ 100 milhões no Caça e Pesca; leia em 2,9 bilhões do PAC: governos Lula e Leite confirmam prioridade para cinturão de diques na Bacia do Rio Gravataí.
O prefeito Zaffa já tinha a informação do governo Leite, como reportei em Com dique no Caça e Pesca e barragens no Rio Gravataí garantidas, Zaffa tenta incluir dique no Barnabé em obras de reconstrução do RS.
No artigo de fevereiro, escrevi:
Quando as obras do cinturão de diques começarem, Clebes vai subir nas escavadeiras, que estarão em seu reduto eleitoral, e gritar “pau na máquina”, seu slogan? Poderia acrescentar: “obrigado, semi-analfabeto”, porque é dinheiro federal.
Também opinei sobre o que considerei desrespeitoso:
É uma crítica política mais rasa que o arroio Demétrio assoreado chamar Lula de “semianalfabeto”, mas é uma escolha do vereador. Sobre isso, não precisa defesa o presidente, doutor honoris causa em universidades estrangeiras e já indicado até para o Nobel, e que circula pelos salões do mundo sob admiração. Sinto por eleitores de baixa escolaridade de Gravataí, e do próprio Clebes (e são muitos), pela condição social ser usada como arma para diminuir alguém.
E conclui:
Ao fim, Clebes tem todo direito de ser o tiozão do zap na crítica política. Reputo, porém, deveria ter mais cuidado porque desde o dia 1º é o chefe do poder legislativo da quarta economia gaúcha. A não ser que o político prefira curtidas de bolha na rede social a estar com governador e ministros tratando sobre o que realmente importa, a vida real, não virtual.
Hoje, faço apenas um adendo: desrespeito não há na nova cobrança. Desinformação sim.