CARLOS WAGNER

Como será o dia seguinte à condenação de Bolsonaro por golpe de estado?

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Não é fácil a vida do repórter que faz a cobertura do noticiário diário e que, em poucas palavras, precisa traduzir para o leitor o que está acontecendo diante dos nossos olhos. Aprendi que, nestas horas, não podemos nos comportar como se estivéssemos em um jogo de futebol, onde as coisas são simples: ganha quem marcar mais gols. Na vida real nem tudo que os nossos ouvidos e olhos ouvem e enxergam é a realidade. Porque o verdadeiro jogo acontece no subterrâneo dos fatos. Foi o que aprendi ao longo dos meus 40 anos de repórter, escrevendo sobre conflitos agrários, crime organizado e migrações, assuntos que me levaram aos rincões mais profundos do Brasil e além das fronteiras dos países vizinhos. Lembrei-me deste ensinamento aprendido na lida diária por conta do julgamento, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 70 anos, e outros sete ex-ministros e funcionários de alto escalão do seu governo. Foram acusados de cometerem cinco crimes, sendo um deles a formação de uma organização criminosa com a finalidade de dar um golpe de estado. Estas oito pessoas fazem parte de um contingente de 37 (sendo 27 militares da ativa, reserva e reformados) que foram indiciadas em um relatório de mais de 800 páginas elaborado após investigação sobre a tentativa de golpe conduzida pela Polícia Federal (PF). A Procuradoria-Geral da República (PGR) dividiu os 37 acusados em quatro núcleos. O do ex-presidente foi chamado de núcleo crucial e foi primeiro a ser sentenciado. Os outros três serão até o final do ano.

Todos os oito integrantes do núcleo crucial foram condenados na sessão da Primeira Turma que aconteceu na quinta-feira (11). Bolsonaro se tornou o primeiro presidente do Brasil a ser condenado por tentativa de golpe de estado. Foi sentenciado a uma pena de 27 anos e três meses de prisão, que no início será cumprida em regime fechado, e ao pagamento de 124 dias de multa, no valor de dois salários mínimos o dia. Seu ex-ministro da Defesa e Casa Civil Walter Braga Netto, 68 anos, foi condenado a 26 anos de prisão, inicialmente em regime fechado, e ao pagamento de uma multa de 100 dias, no valor de um salário mínimo o dia. Ele foi candidato a vice na chapa de Bolsonaro que concorreu à reeleição em 2022. Na história política recente do Brasil, Braga Netto é o primeiro general quatro estrelas a ser condenado por golpe de estado. Os cinco ministros que fazem parte da Primeira Turma, Cristiano Zanin, 49 anos (presidente), Alexandre de Moraes, 56 anos (relator), Cármen Lúcia, 71 anos, Luiz Fux, 72 anos, e Flávio Dino, 57 anos, decidiram cumprir o acordo de delação premiada feito pela PF com o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, 46 anos. Ele recebeu todos os benefícios previstos no acordo e foi condenado a dois anos de prisão em regime aberto. Os condenados só serão presos depois que os recursos dos advogados transitarem em julgado. Só citei estas três condenações para facilitar a vida do leitor e dos meus colegas repórteres. O restante dos detalhes e das condenações podem ser encontrados na internet ao simples apertar de um botão no teclado. Vamos conversar sobre o que não notamos neste episódio, apesar de estar na frente dos nossos olhos. Nesta semana, a Primeira Turma se reuniu três vezes: na terça (9), na quarta e na quinta-feira. Na quarta, o ministro Fux deu “um cavalo de pau” no seu entendimento sobre as preliminares, que são questões processuais do tipo requisitos para acusação. Até então, Fux vinha concordando com a tese de acusação do relator do processo, de que os acusados haviam formado uma organização criminosa para dar um golpe. Foi por este motivo que ele concordou e votou pela condenação de 400 das 1.652 pessoas processadas por terem, em 8 de janeiro de 2023, invadido e quebrado tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF, na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF).

Na sessão de quarta-feira, Fux alegou que “havia evoluído no entendimento do caso” e concluiu que a maioria das provas não passavam de bravatas e que não havia uma conexão entre os acontecimentos, como descrevia a tese do relator. Por conta desse novo entendimento, absolveu Bolsonaro e outros cinco do núcleo crucial de todos os crimes de que estavam sendo acusados. E condenou Mauro Cid e Braga Netto em um dos cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Havia um acordo entre os ministros de não interromperem o voto do colega. Por conta disso, durante 13 horas Fux relatou a sua nova posição sobre o caso, que ocupava 400 páginas. Ele não foi o primeiro ministro do STF a dar um “cavalo de pau” na sua decisão e não será o último. É do jogo. É dever da imprensa descobrir os motivos que o levaram a trocar de opinião. Antes de seguir, uma explicação que julgo necessária. “Cavalo de pau” é uma manobra automobilística em que o motorista faz o carro rodar 180 graus e ficar virado para o lado contrário ao que transitava. Voltando a nossa conversa, o fato é que nós repórteres não podemos deixar nada sem explicação no julgamento dos acusados da tentativa de golpe porque é um momento inédito na história política do Brasil. Primeiro, por ser a primeira vez que golpistas sentam-se no banco dos réus, incluindo militares. Segundo, pelo fato do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 79 anos, estar chantageando o governo brasileiro pela anistia a Bolsonaro e seus seguidores com uma tarifa de 50% aplicada aos produtos brasileiros exportados para o mercado consumidor americano. Trump prometeu retaliar em caso de condenação do ex-presidente. Ele foi condenado. O que o presidente americano irá fazer? Vamos saber logo. E por último. No próximo ano haverá eleições, portanto tudo que acontecer no julgamento dos 37 réus da tentativa de golpe vai repercutir na disputa política. Lembro o seguinte. Caso o ex-presidente não tivesse sido condenado ele poderia participar da campanha. Não poderia concorrer, porque foi considerado inelegível até 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas nada impediria a sua presença física nos palanques. A sua condenação muda esta situação. Ele não vai poder estar presente fisicamente durante a campanha. Especialistas em eleições consideram que a ausência de Bolsonaro dos palanques vai comprometer a tentativa de reeleição daqueles que só se elegeram graças ao prestígio político do ex-presidente. E não são poucos. Somam mais de 100 deputados, senadores e governadores. Além de um significativo número de novos candidatos.

Para arrematar a nossa conversa. Tudo indica que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, irá concorrer à reeleição. O seu principal rival será quem Bolsonaro indicar para substituí-lo. Há muitas variantes políticas soltas no ar por conta do ambiente inédito que cerca a disputa de 2026. Um deles é Trump, que vai influenciar apostando no candidato bolsonarista. Mas aqui tem um detalhe. A principal arma dos americanos é o tarifaço, que está causando desemprego em várias partes do Brasil, como nas indústrias de calçados do Vale do Sinos, no Rio Grande do Sul. Neste caso, o apoio americano pode ser tóxico para os bolsonaristas. Mas o importante nesta história é que a jovem democracia brasileira mostrou, mais uma vez, que tem musculatura suficiente para resistir aos ataques.

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