A memória tem preço? E se pudéssemos comprar um passado novo?
Essa interessante possibilidade é tratada na obra "O vendedor de passados" (2004), do escritor angolano José Eduardo Agualusa.
Félix Ventura é o protagonista, um personagem albino que constrói árvores genealógicas para empresários, políticos e militares da sociedade emergente de Angola. O contexto envolve o processo de modernização do país, antecedido pela guerra civil, que gerou pessoas com boas perspectivas para o futuro, mas que careciam de um passado digno de ser mostrado. Para solucionar esse problema, compravam rastros melhorados de memória.
A letra da música "Acalanto para um rio", que já nas primeiras páginas aparece, dá o tom sobre a relação com o passado estabelecida na narrativa:
Acalanto para um rio
Nada passa, nada expira
o passado é
um rio que dorme
e a memória uma mentira
multiforme.
Dorme do rio as águas
e em meu regaço dormem os dias
dormem
dormem as mágoas
as agonias,
dormem.
Nada passa, nada expira
O passado é um rio adormecido
parece morto, mal respira
acorda-o e saltará
num alarido.
Mas se nossa própria memória é um narrativa dotada de equívocos, se é uma mentira multiforme, o que diremos de uma memória inventada por outros?
Essa é a instigante questão que se apresenta ao longo da obra, curiosamente narrada por uma osga, ou seja, uma lagartixa risonha que habita a casa do protagonista.
Quem de nós gostaria de um passado novo, que pudesse ser comprado? Valeria a pena?
A lagartixa talvez não nos responda, mas nos ajuda a pensar curiosamente no tema.