“A comunicação é um dos mais brilhantes símbolos do século XX; seu ideal de aproximar os homens, os valores e as culturas compensa os horrores e as barbaridades de nossa época”.
A frase do pesquisador francês Dominique Wolton me parece bem oportuna para pensarmos sobre os dias que vivemos. Dias em que, obrigados a um distanciamento social físico, nos mantemos próximos por meio da conexão e das redes sociais digitais.
O foco da crise deslocou-se para a necessidade de nos mantermos ativos, atuantes, conectados. Sem a conexão, perderemos o mundo. O tempo é agora. Conecte-se ou fique isolado. Só está vivo quem está nas redes sociais.
Talvez, essa seja uma forma de compensarmos os horrores que vivem os que não podem aderir às recomendações mais sensatas para evitar o contágio comunitário e levar o caos ao sistema de saúde. Talvez, seja apenas um modo de ver o mundo a partir das nossas referências e necessidades mais imediatas.
O pesquisador Circo Marcondes Filho questiona, em um livro publicado em 2010, até que ponto de fato nós nos comunicamos. Poderia estender a pergunta dele para “o que estamos comunicando”, mas acredito que o mais importante nesse momento é entender mesmo “como estamos nos comunicando”.
Não há dúvida de que estamos trocando mensagens por meio das redes sociais digitais. E percebo que mesmo diante das mensagens mais positivas, o que nos une nesse momento é o medo, a euforia, a ansiedade, a frustração e a incerteza.
Estamos todos em busca de soluções rápidas para os nossos problemas que se desenham a partir e com o afastamento social. Há um colapso nas relações de toda ordem – e não apenas nos mercados, como muitos querem fazer crer.
O remédio imediato para o isolamento tem sido manter-se presente nas redes sociais digitais. Estar nas redes sociais é o mesmo que dizer estou vivo, existo, estou fazendo alguma coisa no meu home office. Felizmente a tecnologia nos une, nos permite essa existência, nos permite esse rompimento com os limites do espaço físico.
Expressões antes restritas a pessoas que já trabalham remotamente ou têm negócios digitais, passaram a fazer parte da vida das pessoas que estão acostumadas a sair de manhã, passar o dia no escritório e voltar para casa à noite.
Ou de quem sai para procurar emprego, para vender pão no semáforo, ou faxinar casas elegantes no outro lado cidade. Há muitos modos de viver a crise.
Mas essa sintonia que nos une nesse momento mostra, também, a nossa fragilidade enquanto seres humanos dependentes de um projeto de humanidade que começa a ser questionado, ainda que timidamente.
O caminho da tecnologia nos parece sem volta. Não há como viver sem ela. A tecnologia forma em nosso corpo uma segunda pele, uma extensão de nós mesmos, uma prótese que amplia – ou anestesia – nossos sentidos.
Diante de uma pandemia que não tem rosto, apenas um nome dado por cientistas, e que nem sabemos exatamente o que significa, estamos todos em busca de soluções que sejam coletivas, que beneficiem a todos.
Mas estamos buscando essas soluções usando as mesmas ferramentas e os mapas mentais que o projeto moderno nos deu. Estamos vivendo um momento novo e buscamos respostas baseadas em um modelo que mostra não ser eficiente em oferecer respostas.
Quando questiono o modo como estamos comunicando, quero destacar que não estamos, ou estamos de forma muito pontual, colocando entre nossas preocupações esse modelo de sociedade, que se mostra tão natural.
E por que deveríamos, podem me perguntar, se o que importa agora é saber o que iremos fazer? Como iremos sair da crise em que nos encontramos? Como vamos harmonizar a necessidade de manter a vida e a necessidade de nos mantermos vivos produzindo e consumindo?
A pergunta faz sentido, porque estamos todos em busca de respostas. Mas desconfio que sem questionar esse modelo de sociedade e humanidade que construímos até aqui não seremos capazes de encontrar respostas seguras.
Temos que olhar mais curiosamente para esse mundo que construímos, de culto à individualidade, de padronização de modos de ser e pensar, de modelos prontos nas prateleiras dos gurus da autoajuda, de corrida sem podium de chegada, de acúmulo de capital e bens, de concentração extrema de renda, de esgotamento dos recursos naturais, de negacionismo da ciência, de desqualificação do conhecimento, de ignorância compartilhada.
Buscamos soluções dentro de um modelo que se mostra incapaz de oferecer respostas diante da gravidade e alcance da crise que estamos vivendo.
De todos os lados chegam mensagens para que sejamos otimistas, para que sejamos líderes, para que sejamos empreendedores, para que façamos do limão uma limonada.
Será que tanto otimismo diante da crise, traduzido em respostas pasteurizadas e soluções que apenas arranham a superfície, não estariam muito próximas da negação?
Será que não estamos todos vivendo uma espécie de vertigem digital, em que o mundo está ao nosso alcance por meio de uma rede de comunicação que desconhece limites e que aguarda apenas um bug para nos consumir?
O modo como nos comunicamos molda o que estamos comunicando. O meio é a mensagem. As conexões substituem os relacionamentos que tentamos resgatar quando nos é imposto um isolamento social.
A mesma sociedade que prega o individualismo, a meritocracia, a corrida em direção ao podium onde haverá uma bandeirola escrito “sucesso” ou “felicidade” percebe o poder da teia que constitui a nossa existência no mundo.
Uns seguem isoladamente convencidos de que seu conhecimento – ou sua ignorância – será capaz de resolver o problema. Outros buscam culpados. Outros arriscam olhar para além do seu quintal para ver um mundo invisível de quem não participa de qualquer que sejam as decisões tomadas.
Somos seres ambivalentes e assim olhamos e construímos o mundo. Nessa ambivalência, o mesmo estado que deve se retirar de cena para que o mercado possa flutuar livremente é cobrado para que tome medidas para que esse mesmo mercado possa continuar a flutuar livremente.
Voltando à comunicação, eu insisto: como estamos nos comunicando e o que esse modo de comunicar – em rede, sem limites, submetido a algoritmos que sem sabemos direito o que são – diz sobre nós e sobre o modo como pensamos o mundo que queremos e precisamos?