Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
(Carlos Drummond de Andrade)
Preciso concordar com o poeta, temos cantado um medo que nos imobiliza. Falamos
disso na internet, o tempo todo: medo da violência, medo do ciclone, medo da fragilidade
da democracia, medo da justiça – ou melhor, da falta dela – medo da economia, medo da
vacina, do trânsito, medo do que disserem do nosso medo.
Depois, fechamos o navegador ou atiramos o celular no sofá e morremos.
Vamos trabalhar, estudar, passear, cuidar dos filhos. Às vezes, vem aquela lembrança –
flor amarela e medrosa – mas seguimos, é preciso. Seguimos imóveis em nossa
mobilidade diária. Mortos de medo na vida aprisionada que nos cabe.
Os fatos sucedem-se. Um homem morre no aeroporto. Um projeto é votado na Câmara
dos Deputados. A inflação e o desemprego sobem. Um menino trafica drogas. Surge uma
doença nova.
Voltamos à internet e ao Congresso Internacional do Medo. Cantamos nossas angústias
(ou rimos delas, o que tem sido uma forma frequente de ignorar nossos medos), mas
seguimos imóveis, em frente à tela.
Como eu estou agora.
O que nos fará levantar para mudar isso?