“Leia o guia da tenebrosa história de traição, golpe e vampirismo na classe trabalhadora; antecipá-lo-ei aqui e agora”. Recomendamos o artigo do jornalista Xico Sá, publicado pelo ICL Notícia
Cena 1. Interior/Noite, palácio do Jaburu, Brasília.
Numa meia-noite macabra, ano de 2015, ouvimos o som de alguém que bate nos umbrais do moderno (porém mal-assombrado) casarão que serve de residência ao vice-presidente da República. A cena reproduz o início de “O Corvo”, de Edgar A. Poe, óbvio. Um vento frio e aterrorizante agita as águas do Lago Paranoá.
A voz cavernosa, em latim solene e impostado, diz:
— Verba volant, scripta manent (as palavras voam, os escritos permanecem).
Começa aí o filme. E essa crônica não contém spoiler, afinal de contas todo mundo sabe que a classe trabalhadora se lasca no final. O vice que virou presidente — à custa de uma traição política tenebrosa e um golpe na presidente Dilma Roussef — foi o mentor da Reforma Trabalhista. Deu a palavra: o Brasil criaria pelo menos 2 milhões de empregos ainda durante o seu governo.
O que se viu foi aumento do desemprego e a precarização dos postos de trabalho. Nos quatro anos seguintes, a conta era pesada até para o índice de crueldade da política econômica de Paulo Guedes, ministro de Bolsonaro — o país saíra de 12,3 milhões de desempregados em 2017 (no comecinho do funcionamento da reforma) para 14,1 milhões.
Ao rasgar as leis trabalhistas, Temer e aliados determinaram até mesmo a atuação de grávidas em atividades insalubres. Diante do terror contra as mulheres, o STF foi obrigado a barrar a medida. Corta.
Comecei a especular sobre um possível roteiro na semana passada, durante um bate-papo com Vivian Mesquita, William De Lucca e Juca Kfouri, no programa ICL Notícias 1ª edição. A pauta, evidentemente, era o anúncio de que o cineasta Bruno Barreto faria o filme “963 dias”, narrando as aventuras e desventuras da gestão do golpista-mor da República.
Risos nervosos à parte, tratamos das possíveis influências ou modelos estéticos para a produção cinematográfica. Seria na linha natural dos filmes de vampiro, um Drácula neoliberal selvagem ou estaria para as criações brasileiríssimas do diretor José Mojica Marins, o Zé do Caixão? “À meia-noite levarei sua alma” ou “Esta noite encarnarei no seu cadáver”?
Pensando bem, a melhor inspiração seria o “terrir” — mistura de terror com as risadas da comédia, um subgênero do cinema nacional criado pelo diretor Ivan Cardoso. “Nosferatu do Brasil” é uma das suas obras-primas, para citar apenas um título adequado ao país de Michel Temer.
Sim, poderia ser influenciado também pelo Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, personagem gótico e folclórico da galeria do gênio cearense Chico Anysio.
Bem, tentei meu esboço possível do que seria um filme sobre o presidente que escancarou as portas do inferno para a chegada de Jair Bolsonaro ao poder. Agora é a sua vez, leitor ou leitora, de ajudar a escrever esse roteiro. Espero sugestões nos comentários. Até a próxima.