Associo-me ao artigo do jornalista, historiador e escritor Juremir Machado da Silva, publicado pelo Matinal Jornalismo. Sigamos no texto.
Manchete da Matinal: “Prefeitura pagará R$ 7,3 milhões a universidade holandesa por planos para as ilhas”. As universidades gaúchas nada teriam a oferecer? A atração por consultorias internacionais faz parte do imaginário neoliberal provinciano. Em entrevista ao jornal O Globo do último sábado, 27 de julho de 2024, a economista Mariana Mazzucato, professora da Universidade de Londres, autora, em parceria com Rosie Collingtonn, de “A grande falácia: como a indústria da consultoria enfraquece as empresas, infantiliza governos e distorce a economia”, desmonta o mito da eficácia dessas muletas para toda e qualquer crise: “Um Estado inteligente, imbuído de missões, precisa de capacidade, mas ela tem sido dizimada pela ideologia do que o melhor que o Estado pode fazer é corrigir falhas do mercado. Isso cria a profecia autorrealizável de que a criação de valor está apenas no setor privado, abrindo as portas para as consultorias”. Elas entram, sugam, remedam e vão embora.
Onde está o furo das balas de prata das consultorias? “Em geral, elas agregam pouca expertise, pois não têm conhecimento profundo sobre as áreas em que atuam. E, mesmo que agregassem, há conflitos de interesse: afinal, elas têm pouco incentivo para aumentar a capacidade do Estado porque não querem perder o próximo contrato”. Tiago Medina mostra na sua reportagem que universidades gaúchas já desenvolveram estudos para os problemas da área, o bairro Arquipélago, que será agora objeto de análise dos holandeses. Mariana Mazzucato vai na jugular do problema: “Olhe como a expertise da academia financiada com dinheiro público é desprezada. Na Austrália, pagaram US$ 6 milhões à McKinkey por uma estratégia climática péssima, mas o país tem um dos melhores centros de estudos sobre o clima do mundo”. Não se pode dizer algo semelhante em relação ao Rio Grande do Sul e suas universidades?
Consultorias servem feijão com arroz gourmetetizado: “Isso infantiliza o Estado porque não permite que ele lide com os problemas cruciais do nosso tempo”, enfatiza a especialista. Passa-se a medir problemas públicos com métricas privadas ou a lidar com problemas específicos a partir de remédios gerais e genéricos internacionais. Mariana Mazzucato revela o que faz o gestor querer uma consultoria assim, além do efeito QR Code para simular modernidade eliminando o cardápio impresso: “Muitos executivos preferem se eximir da responsabilidade de suas decisões dizendo que foi a Deloitte, por exemplo, que recomendou um programa de recompra de ações, ou que foi a McKinsey que mandou demitir metade dos funcionários. É uma covardia que os exime de debater com os sindicatos, por exemplo”. Bingo!
A gravidade do acontecido em solo gaúcho exige expertise internacional? Mariana Mazzucato tem dúvidas: “Consultorias como a McKinsey foram contratadas para ajudar na reconstrução do Rio Grande do Sul. Não estou aqui para julgar se estão fazendo um bom trabalho, mas para questionar se a expertise delas é necessária e, principalmente capaz de não apenas resolver o problema, mas evitar que ele se repita”. A pesquisadora defende mais transparência em relação a contratos e mais confiança no setor público. A fome de consultorias estrangeiras é uma ideologia que apresenta como técnica e neutra. Uma universidade estrangeira não é uma consultoria qualquer? Certo. Mas por que a desconfiança quanto aos saberes de proximidade? O apetite por consultorias cara estrangeiras é mais um sinal de vira-latice.
Tudo que Mariana Mazzucato disse já se sabia aqui, mas, como santo de casa não faz milagres, melhor buscar reforço fora. Há áreas em que o conhecimento internacional é fundamental. Quando, porém, se pode usar o que se tem em casa, por que se privar deste uso?