Associo-me a Joseph Stiglitz, que acredita que estamos passando por uma crise tripla: de capitalismo, do clima e de valores.
– Descontentamento é generalizado, após quatro décadas de neoliberalismo. Mas é preciso que sociedades passem a questionar lógicas que beneficiam apenas 0,1% e exijam distribuir riqueza produzida coletivamente.
Antes de metralhar p-e-t-r-a-l-h-a ou c-o-m-u-n-i-s-t-a no teclado, é 'só' o Prêmio Nobel de Economia.
E ele atribui a crise tripla à crença em mercados irrestritos, ao neoliberalismo seguido desde o governo de Ronald Reagan nos Estados Unidos.
Pouco antes de viajar de Nova York ao Vaticano, para participar de um simpósio sobre economia justa, o ex-economista-chefe do Banco Mundial e consultor econômico de Bill Clinton conversou dias atrás com o La Vanguardia sobre seu novo livro, “Capitalismo progressista para uma era de descontentamento”, no qual ele dispara contra Donald Trump e diz que os EUA está em guerra consigo mesmo, que a classe média mais poderosa do planeta não para de perder poder de compra.
E levanta a necessidade de retornar a um capitalismo de prosperidade compartilhada, no qual a política controla a economia e assume que a educação e, portanto, a criatividade e a produtividade dos cidadãos são a base da riqueza de um país.
Reproduzo a entrevista, traduzida pela Carta Maior.
Taxas de juros negativas, manifestações, populismo, crise climática… O que acontece?
É o efeito cumulativo de vários fatores, e um é claramente o aumento da desigualdade. A crise financeira criou muita insegurança e a maneira como ela foi resolvida sugere a muitos que o sistema está quebrado. Na Europa, a crise do euro levou ao desencanto com o funcionamento da União Europeia. Há uma sensação de falta de poder diante de problemas muito sérios. E isso é combinado com problemas de desindustrialização em muitos países, de transformação estrutural, com perda de empregos e sistemas inadequados para as pessoas passarem dos empregos antigos para a nova economia.
As quatro décadas de revolução neoliberal, desde Reagan, cumpriram o que prometeram?
Não, e a evidência é muito sólida de que o crescimento tem sido muito mais lento após o início do reaganismo e thatcherismo que antes. E praticamente todo esse crescimento foi para as pessoas que são mais ricas.
Além disso, a crise de 2008 mostrou a instabilidade do sistema. Em todas as dimensões, o neoliberalismo foi um fracasso.
Por que falhou?
O principal fator é que os mercados desregulados muitas vezes levam à exploração e à ineficiência. Os benefícios são alcançados, mas não produzindo produtos melhores a preços melhores, mas tirando vantagem de outros, como temos visto com os bancos. E há um fenômeno relacionado, que é subestimar a necessidade de ação coletiva.
Muitos dos sucessos da pesquisa básica em ciência e tecnologia são financiados pelo governo e, se você cortar seus fundos, diminuirá o crescimento. Vemos isso de maneira extrema nos EUA. agora com Trump propondo cortar um terço no orçamento da ciência. O Congresso não permitiu, mas é visível sua falta de compreensão do que leva ao progresso.
Você disse que Trump é como reaganismo, mas com esteroides.
(risos) É. Reagan em seu orçamento de 1981 não se preocupou com o déficit fiscal, que foi o início de grandes déficits. Em 1986, ele tentou corrigi-lo, porque estava claro que a redução de impostos não aumentara a renda como ele acreditava.
Em vez disso, a irresponsabilidade de Trump em seu corte de impostos em 2017 foi que ele já sabia o que ia acontecer. E se Reagan reduziu os impostos corporativos, Trump fez muito mais. No que Reagan tentou ser razoável, embora errado em seguir a economia do lado da oferta do neoliberalismo, Trump não estava ciente de nenhum limite.
Também existem diferenças importantes. O reaganismo, o republicano padrão, acredita no livre mercado. Trump, em protecionismo. E Reagan não tentou a desinformação que parece o centro da política de Trump. É por isso que estou falando sobre esteroides: é pegar todos os princípios do padrão neoliberal, exacerbá-los e adicionar ingredientes muito piores que os republicanos tradicionais.