Um dos ideólogos da extrema direita militar, o coronel reformado Gélio Augusto Barbosa Fregapani vem alimentando a imaginação de seguidores do presidente Jair Bolsonaro com uma teoria delirante que cheira à armação: militantes de esquerda estariam sendo treinados para derrubar Bolsonaro através de um conflito armado.
Num artigo dirigido inicialmente a grupos fechados, ligados à Escola Superior de Guerra (ESG), que depois chegou às redes bolsonaristas, o militar não se limita a opinar. Ele afirma que os comunistas se misturaram com criminosos em favelas do Rio de Janeiro e São Paulo, onde escondem armas em locais estratégicos e, longe de vigilância, são treinados por estrangeiros com formação militar.
– Teremos uma guerra civil? – pergunta o coronel logo na abertura do artigo, intitulado Comentário Geopolítico, destinado a vender uma narrativa em que Bolsonaro, desde a eleição, é vítima de uma conspiração fantasiosa cujos episódios, concatenados para derrubá-lo, criaram as condições para uma guerra civil.
– Lamentavelmente a vemos se aproximar cada vez mais – responde o coronel a si mesmo, afirmando que esquerda e direita atingiram patamar de “divergências irreconciliáveis”, um ponto de não-retorno e um clima propenso ao conflito. Como se o Brasil estivesse voltando aos anos de chumbo.
O coronel sugere que a suposta incursão da esquerda a redutos dominados pelo crime foi facilitada pela decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em junho do ano passado, restringiu as operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia a situações excepcionais.
A medida, aliás, foi ignorada pela polícia civil do Rio, na operação no Jacarezinho, em 6 de maio deste ano, que terminou com a morte de 28 suspeitos e de um policial, na mais letal ação da história da cidade. Na época, um dos delegados responsáveis pelo caso, Rodrigo Oliveira, chegou a falar que o “ativismo judicial” tinha “sangue nas mãos” pela morte do policial, crítica alinhada à tese de Fregapani e adotada pelos grupos bolsonaristas que atacam o STF.
O próprio presidente, sem se referir diretamente ao texto do coronel, chegou a insinuar que “algo grave” estava para acontecer e, em várias ocasiões, afirmou que esperava um sinal do povo para agir.
No mundo real da política ou no radar de órgãos de segurança não há o mais pálido sinal de movimento armado, o que, na opinião de fontes ouvidas pela Pública, coloca a tese de Fregapani no papel de propaganda da extrema direita militar com objetivo de insuflar grupos de seguidores antidemocráticos de Bolsonaro, caso o mandato do presidente venha a ser ameaçado por um impeachment pressionado pelo relatório da CPI da Covid ou diante de uma possível derrota na eleição do ano que vem.
É também uma tentativa de atrair as baixas patentes das Forças Armadas e, ao mesmo tempo, evitar que o presidente continue perdendo apoio entre os militares da reserva, especialmente de oficiais com ascendência sobre a tropa.
– O presidente Jair Bolsonaro quer envolver as Forças Armadas, especialmente o Exército, no projeto pessoal dele – disse à Agência Pública o general Paulo Chagas, um ex-aliado do presidente, para quem já há uma clara divisão entre os militares da reserva.
Dois terços deles, segundo avalia, já desembarcaram do bolsonarismo e buscam uma terceira via na política que escape da polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O grupo deposita expectativas numa aliança entre o vice-presidente, general Hamilton Mourão, e o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro.
O general considera descabida a tese de guerra civil, sustenta que os comandos militares da ativa não irão se envolver em qualquer tipo de aventura, mas acha que há riscos de que parte das polícias militares acabe sendo atraída por ideias antidemocráticas e se envolvam em conflitos na defesa de Bolsonaro.
– O presidente estimula os fanáticos. Se ele mandar, irão para as ruas criar tumulto. Não acredito que possa chegar a guerra civil, mas vai ter violência porque isso faz parte do plano de Bolsonaro – afirma o general, se referindo à insistente defesa do presidente pelo voto impresso e acusações, sem apresentar qualquer evidência, de fraude na eleição de 2018.
O que Bolsonaro quer, segundo Chagas, é encontrar um motivo para contestar o resultado em caso de derrota e agir com mais violência do que os seguidores do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que invadiram o Capitólio, no episódio que terminou com quatro mortos. Generais que romperam com Bolsonaro já enxergam o movimento do presidente como o roteiro de um conflito anunciado. Chagas acha que a impressão do voto eletrônico derrubaria o argumento de Bolsonaro.
Na mesma linha de Chagas, o ex-ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, escreveu, num artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, que Bolsonaro frequentemente e de forma deliberada vem testando o Exército para “realizar seu projeto pessoal”, o que equivale a dizer que se for derrotado por Lula numa eleição, o presidente tentaria o golpe se encontrar apoio institucional.
– Junto com seguidores extremistas, alimentam um fanatismo que certamente terminará em violência – profetizou o general, para quem o presidente, movido apenas por um projeto de poder, age com “covardia” ao tentar transferir a responsabilidade de seus atos ao Exército.
O general Paulo Chagas acha que a tese defendida por Fregapani, que ele conhece dos tempos de ativa no Exército, “é uma maneira de exagerar para botar medo na cabeça das pessoas, de dizer que o Exército não tem força, que a soberania está ameaçada, para causar efeito psicológico. A hipótese de guerra civil não tem fundamento. Se houvesse preparativos ou mercenário estrangeiro por aqui, seria um problema de segurança nacional e as Forças Armadas saberiam. É retórica de terrorismo psicológico”, afirma o general, que diz respeitar o currículo do coronel, mas com uma ressalva:
– Ele está sempre preparado como se a guerra fosse começar amanhã.