Esse é realmente um texto fundamental, especialmente para pais ansiosos com o futuro dos filhos. Se nascer leva tempo, como diz o Vitor Ramil, que se dirá de crescer para o Mundo do Trabalho.
Bom aprendizado!
Ser livre diante da pressão por uma vida bem-sucedida?
(Texto de Renata Vomero, da Revista Cultura).
Você já deve ter ouvido, em algum momento de sua vida, a expressão:
– O trabalho liberta.
Não é? Utilizada ultrajantemente na Alemanha, ela foi encontrada em diversos pórticos nos campos de concentração nazistas, como em Auschwitz, escritas a mando dos próprios agentes do nazismo. Hoje em dia, essa expressão perdeu o seu cunho político e passou a ser utilizada como motivação para que as pessoas busquem sua liberdade e independência por meio do trabalho. Pode parecer só mais uma daquelas frases motivacionais, mas ela é opressora e, por que não, mentirosa.
Já parou para pensar há quanto tempo a sua vida vem sendo pautada pelo trabalho? Tudo começou quando você tinha seus 5 anos de idade e algum parente lhe fez a fatídica e inocente pergunta:
– O que você vai ser quando crescer?
Desde então, você não tem sido mais o mesmo.
– Como assim, o que eu vou ser quando crescer? Vou ser gente grande!
– Não, não, queridinho, que profissão você vai seguir?
– Ah, profissão. O que é isso mesmo? Quero ser igual à minha professora. Ou igual à minha mãe, quero ser médico. Depois, bombeiro, veterinário, astronauta…
Aquela perguntinha nunca mais saiu da sua cabeça. Seus pais e professores começaram a te observar em relação a isso.
– O Rafinha é extremamente habilidoso com invenções. Vai se sair bem como engenheiro.
– A Julinha é bastante criativa. Vai ser publicitária.
Inocentemente, os pais e a escola, por conta das demandas da sociedade contemporânea, começam a imprimir um ritmo e uma cobrança, mesmo que indireta, para que a criança passe a se encaixar neste padrão de vida capitalista. Para muitos, quanto mais cedo os pequenos começarem a se preparar para a vida adulta, maiores serão as chances de serem pessoas bem-sucedidas no futuro. Entenda bem-sucedido, neste caso, como um profissional que seja muito bem pago.
Então, começam as diversas atividades obrigatórias: escola, inglês, reforço de matemática, natação, espanhol, reforço de português, estudo extra, futebol, dever de casa… Ufa.
Com uma agenda dessas, não sobra tempo para brincar, socializar, se divertir, enfim, fazer coisas de criança.
– Crianças precisam lutar, se esforçar e se movimentar, mas isso não significa que a infância deva ser uma corrida constante. Crianças precisam de tempo e espaço para explorar o mundo por seus próprios meios. Os pais precisam manter uma agenda em que todos tenham tempo suficiente para descansar, refletir e socializar – comenta Carl Honoré, jornalista e escritor canadense, palestrante do TED e “embaixador global” do Movimento Slow.
Ele defende a urgência de todos desacelerarmos e é autor de diversos livros sobre o assunto, entre eles o best-seller Devagar, além do Sob pressão: criança nenhuma merece superpais, e o recém-publicado Solução gradual.
A pressão para que os filhos tenham sucesso gera nas próprias crianças alguns sintomas, como ansiedade, baixa autoestima, agressividade, além de consequências físicas, como enxaquecas, gastrites, baixa imunidade, entre outros.
– Essa cultura do rápido está fazendo muito mal às crianças. Nós agora estamos originando a geração de crianças mais gordas do que qualquer outra geração que vimos. As mais atléticas também estão sofrendo com contusões em um número recorde, porque profissionalizamos os esportes juvenis. Milhões de jovens estão tomando remédios psicotrópicos todos os dias só para conseguirem seguir em frente – aponta Honoré.
Pode parecer óbvio ou até mesmo ingênuo, mas a solução para que as crianças tenham um desenvolvimento mais saudável é muito simples: basta deixá-las ser crianças.
– O que se percebe, hoje, principalmente com as novas configurações familiares, com as transformações do ambiente urbano e com a evolução tecnológica, é que as crianças estão perdendo o seu lugar infantil, dando espaço para ‘pseudoadultos’. Está havendo uma ‘inundação’ de compromissos e responsabilidades para os que se encontram na infância, ainda em um momento em que o que eles precisam mesmo é de ter tempo livre para desenvolver o brincar – revela Luzia Winandy, psicóloga, presidente da Associação de Psicoterapia Psicanalítica.
Ela aponta a importância do brincar como forma de a criança desenvolver a sua individualidade e sua capacidade de solucionar seus conflitos internos e externos. Ou seja, é no brincar que a criança forma a base para se tornar um adulto mais saudável, tanto fisicamente quanto emocionalmente.
Por receio, alguns pais procuram ajuda profissional para que os filhos consigam estabelecer e desenvolver metas para o futuro. A psicóloga Mara Suassuna, coordenadora do MBA Master Coach do Instituto de Pós-Graduação e Graduação (Ipog), notou a dificuldade dos pais e dos educadores neste assunto e escreveu o livro Coaching Kids, em que ajuda crianças a se planejar diante de seus sonhos, enfatizando a importância de elas poderem fazer suas próprias escolhas em detrimento da vontade dos pais.
– Trabalho, primeiro, respeitando as escolhas da criança e, segundo, compartilhando com os pais a importância da não imposição frente às escolhas dos filhos. Isso refletirá no futuro com a qualidade dos profissionais no mercado de trabalho e a satisfação deles com o que fazem. Uma boa conversa com os pais ajuda muito e tira o peso de cima da criança – comenta.
Teste vocacional
Passam-se alguns anos e a criança alcança a adolescência, atravessa muitas vezes uma fase de rebeldia e rejeição à opinião dos pais. Nessa etapa de autodescoberta, a pressão continua. Pressão para fazer-se aceito, pressão para estar dentro dos padrões ou para questioná-los e, novamente, pressão por sucesso profissional. O tempo vai passando e um fantasma se aproxima: o vestibular. Novamente, vem a pergunta: o que você vai ser quando crescer? Ela vem um pouco mais elaborada, em meio a formulários e testes vocacionais, mas continua ali. E o relógio bate, tique-taque, tique-taque.
– A adolescência por si só já é um período cheio de conflitos internos, adiciona-se a isso uma escolha que o acompanhará por toda a vida e a pressão de passar numa prova que decidirá seu futuro. Seu sucesso profissional dependerá disso, desse primeiro passo, não esquecendo que vivemos numa sociedade que valoriza isso em demasia e que o adolescente muitas vezes se acha incapaz de fazer esta escolha – aponta a psicóloga Fernanda Soibelman Kilinski, que atende, principalmente, adolescentes em fase pré-vestibular.
A especialista também ressalta a importância dos pais e da escola no sentido de dar ao jovem o suporte psicológico para que eles enfrentem o período da maneira mais tranquila possível e traz uma solução:
– O jovem deve poder contar com o apoio das pessoas próximas, estabelecer uma rotina de estudos saudável, ter momentos de descontração e diálogos abertos. Os adultos devem respeitar as escolhas do adolescente e acolher seus fracassos. O adolescente também precisa ser estimulado a criar soluções, métodos de estudos e poder tolerar os sentimentos de ansiedade, mas o sofrimento em decorrência dessa pressão pode influenciar as próximas experiências de vida. Dependendo da forma como for vivenciado, pode ganhar uma dimensão tão grande a ponto de distorcer a imagem que o jovem tem dele mesmo, desencadeando problemas de autoestima, por exemplo – complementa.
Logo, quanto maior a liberdade de escolha e o acolhimento diante das pressões do dia a dia, maior será o tal do sucesso tão cobrado desde a infância. Ou melhor, tem sucesso maior do que o de encontrar felicidade na liberdade de ser você mesmo?