RAFAEL MARTINELLI

Crise climática custa para Gravataí ‘uma ponte do Parque dos Anjos’; O Plano Diretor e a ‘mancha’ necessária para não enxugar gelo

Máquina da Prefeitura fazia drenagem no Arroio Demétrio, na região da rua Amapá, neste fim semana, sobre toras para não atolar

O custo dos desastre naturais para a Prefeitura de Gravataí deve chegar a R$ 5 milhões – o que, para efeitos de comparação, equivale ao investimento que foi feito na construção das novas pontes do Parque dos Anjos. A cada chuva que cai, como nesta segunda-feira, a conta aumenta. Como a ‘crise climática’ é uma realidade, reputo necessária atenção para não se jogar dinheiro fora ‘enxugando gelo’.

Vamos antes às informações do hoje, do presente.

Os danos não se resumem ao ciclone de 16 de junho, onde choveu 250 milímetros em um dia, o que corresponde a uma média de precipitação de quase dois meses em um dia.

Em setembro a chuva acumulada chegou a 500 milímetros, quase cinco vezes a média histórica do mês.

– O resultado são os problemas decorrentes de erosão, inundação, obstrução de vias e das redes de drenagem. No evento de junho, pontes e pontilhões foram demolidos, todos com solução provisória ou definitiva já encaminhados. Estamos investindo em drenagem, limpeza urbana, refazendo estradas devastadas, consertando bueiros e redes totalmente rompidas, além de ações de tapa-buraco – aponta o prefeito Luiz Zaffalon (PSDB).

O dano mais grave foi a queda da ponte sobre o arroio Demétrio, na Estrada Santa Cruz, no distrito de Morungava. O acesso provisório já foi reconstruído pela Prefeitura três vezes para evitar o isolamento dos moradores da região.

– Projetamos uma nova estrutura, que custará cerca de R$ 1 milhão, já licitada e com previsão de início das obras nos próximos dias – informa, projetando um vão maior do que a anterior e largura de 11 metros, com passeio para pedestres.

Na chuva de granizo de 26 de setembro os principais atingidos foram moradores das regiões de Miraflores, Costa do Ipiranga e, novamente, a Morungava. A Prefeitura distribuiu lonas e telhas pela cidade.

Conforme relatório produzido pelo governo, 3 mil metros cúbicos de entulhos já foram recolhidos. Apenas após as últimas chuvas foi preciso distribuir mais de 1,5 mil metros cúbicos de materiais pétreos para as subprefeituras mais atingidas, para garantir acessos com segurança para moradores, especialmente nas regiões de Morungava, Costa do Ipiranga e Itacolomi.

Conforme o levantamento, nos últimos três meses cerca de R$ 1,5 milhão foi investido em materiais, maquinários e equipes para o que Zaffa chama de “reconstrução da cidade”.

Inclui-se na conta também ações da Defesa Civil, Guarda Municipal e outras secretarias com horas extras e de veículos, por exemplo.

– São recursos todos do orçamento municipal – aponta.

É uma conta que aumenta a cada chuvarada e as projeções de autoridades climáticas são de que o El Niño deve avançar por 2024.


A ‘mancha’ do futuro


Entrando no futuro, insisto, como em Plano Diretor: prefeito e vereadores precisam ser o ‘dique’ contra construções em áreas sob risco de alagamento em Gravataí; Saiba o prejuízo bilionário com as cheias nos próximos 30 anos, que o bilhão necessário em diques, minibarragens e adutoras para enfrentar cheias e estiagens na bacia do Rio Gravataí será dinheiro público –municipal, estadual e federal – e privado jogado pelo ralo se legislações municipais não garantirem a contenção de empreendimentos imobiliários em áreas de risco.

O novo Plano Diretor está respeitando a ‘mancha de inundação’ estabelecida pela Metroplan, mas pelo que apurei a pressão está forte sobre o governo Zaffa e vereadores governistas e oposicionistas que devem votar ainda neste ano o arcabouço de leis que regulamentam construções e ocupações de solo em Gravataí.

A ‘mancha de inundação’, descrita no “Estudo de alternativas e projetos para minimização do efeito de cheias e estiagens na Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí”, foi projetada por especialistas observando um tempo de recorrência de 100 anos – o que, os desastres naturais evidenciam, deve caducar antes devido à crise climática mundial, que neste mês teve o Rio Grande do Sul como case no discurso do presidente Lula na ONU.

Iniciado em 2015 como parte do Plano Metropolitano de Proteção Contra as Cheias e integrante do Plano Nacional de Gestão de Riscos e Respostas a Desastres Naturais, o estudo, publicado ainda em 2018, na revista técnica da Metroplan, já antecipava prejuízos de até R$ 5 bilhões em 30 anos caso não fossem feitos investimento de pelo menos R$ 2,5 bi, principalmente em Porto Alegre, Gravataí, Cachoeirinha e Alvorada.

“Tal valor representa, na verdade, o prejuízo que a sociedade arcará se a situação das cheias não for devidamente enfrentada”, alertava, no documento, Pedro Bisch Neto, superintendente da Metroplan, ao apresentar o estudo como “uma visão regional inédita do fenômeno das cheias na Região Metropolitana de Porto Alegre”.

Clique aqui para ler a íntegra do documento, que detalha investimentos necessários, projeta necessidade de desapropriações de edificações existentes e remoções de milhares de famílias, além da restrição a novas construções e ocupações de solo a partir da ‘mancha de inundação’.

Para se ter uma ideia da histórica falta de prioridade pelos governos, a bacia do Gravataí, fruto da mobilização político-ambiental na busca por identificar áreas alagadas, tem o processo mais avançado do RS, mesmo que estudos se arrastem desde o PAC da Prevenção lançado em 2012!

Após uma década, está em andamento a confecção de estudos e projetos para, por exemplo, diques de contenção de cheias em Gravataí (Parque dos Anjos), Cachoeirinha (da ponte divisa com Porto Alegre até atrás do Cadop) e na zona norte de Porto Alegre, além de, para enfrentar estiagem, os 13 minibarramentos no Rio Gravataí.

Resumidamente, as obras são necessárias para diminuir a velocidade da água no inverno de chuvas e segurar a água no verão de seca para o banhado não esvaziar rápido.

Para efeitos de comparação, o Vale do Taquari, imerso em uma tragédia, não tem plano algum.

Mas, por que é tão importante a ‘mancha de inundação’ e restrições de ocupação do solo?

Em um exercício simples de lógica, respeitá-la significa evitar problemas futuros, enquanto se busca resolver problemas do passado e do presente.

Inegável é que a não aceitação da recomendação da Metroplan pelos municípios, antes e depois do estudo, permitiu silenciosos aterramentos e barulhentas construções em áreas onde se sabe que a água pode chegar.

Para não restar apenas na crítica, é preciso saudar, por exemplo, iniciativas como o loteamento Breno Garcia, parceria entre governos federal, estadual e municipal, que recebeu milhares de moradores retirados de áreas de risco.

E, mesmo que não baste apenas Gravataí respeitar a sustentabilidade, já que águas não tem fronteiras, é preciso agora associar-se à inclusão da ‘mancha de inundação’ e restrições de ocupação de solo na proposta de revisão no Plano Diretor, além de elogiar a assinatura pelo prefeito do estudo para o Plano Municipal de Drenagem – que vai detalhar o que precisa ser feito dentro dessa ‘mancha’, que inclui o Parque dos Anjos e a Vila Rica, por exemplo.

Ao fim, concluo como no artigo-alerta: caso Zaffa e os vereadores segurem o dique das pressões do mercado imobiliário e aprovem um Plano Diretor sustentável, mostrarão na prática que as forças políticas de Gravataí têm a medida do problema social causado pelas cheias e secas.

Como em todo Plano Diretor, alguém perde. Que não seja o interesse coletivo a ser deixado de fora do barco.

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