Recomendamos o artigo do jornalista Reinaldo Azevedo, em sua coluna no UOL
A cobertura jornalística do tal plano do PCC para matar autoridades, inclusive o agora senador Sergio Moro, evidencia a máxima, já quase um clichê, de que há pessoas, eventualmente entes, que não aprendem nada nem esquecem nada, para lembrar a frase com que Talleyrand brindou os Bourbons. A máxima se aplica, de novo, a setores da imprensa. Parece que a Lava Jato, que nos levou para o buraco do bolsonarismo, não lhes ensinou nada.
E não! Não estou aqui a negar que a arquitetura criminosa tenha existido — restando sempre o questionamento sobre a sua possível efetividade. Ademais, todos os elementos disponíveis indicam tratar-se de uma organização tão poderosa como criminosa. Tudo isso tem de ser dito.
Acrescente-se ainda: mais do que imprudente, a fala de Lula sobre uma possível armação de Moro foi contraproducente. Acabou fazendo mais mal a ele próprio do que a qualquer outro e emprestou alguma verossimilhança ao absurdo de que o PT e o próprio presidente teriam algum interesse na tramoia criminosa. Até porque, se existiu, foi e está sendo enfrentada pela Polícia Federal. Entre Lula e o Moro, quem foi alvo da manipulação dos instrumentos de investigação e de persecução penal? O ex-presidente passou 580 dias na cadeia em razão de uma sentença sem prova, assinada por um juiz que usava a toga como trampolim político.
Mas isso é por demais sabido e não me perco, agora, nessa questão.
Moro e seus aliados, Deltan Dallangol na dianteira, forçam a mão para associar ao PT o ataque que foi frustrado pela PF — segundo aquilo que se sabe até agora. Assim, no que o combate aos criminosos dependeu de estruturas do Estado, sob o comando do governo Lula, o devido trabalho foi feito. E sem olhar a quem, como deve ser.
Cuidados
Mas este é um texto que trata sobre cuidados necessários para que não se caia, de novo, numa armadilha que acaba manipulando Polícia e Justiça a serviço de interesses políticos.
Pode parecer a meus coleguinhas bastante corriqueiro, comum, óbvio, lógico e esperado que um bandido perigoso passe por WhatsApp para a sua namorada os códigos do que seria uma ação espetacular — a mais grave jamais engendrada pelo crime — com duas recomendações explícitas: não apagar e ainda tirar uma cópia. Vale dizer: se a Polícia não chegasse à mensagem pela nuvem, chegaria por um mandado de busca e apreensão.
Também se faz num caderno espiral, com canetas azul e vermelha, o levantamento da vida de Sergio Moro com dados que podem se encontrados na Internet. Está tudo redigido num caderno espiral, com um “post it” lembrando que ele é agora um senador. Mais: os demonstrativos de gastos são meticulosamente anotados, com as respectivas distribuições de tarefas. Ninguém produz provas contra si mesmo, pois, com a diligência e a determinação do PCC, que ainda não aderiu nem ao “pen drive”, o que não deixa de ser um alento. Eu os supunha um pouco mais antenados com a tecnologia, e é um alento saber que não.
Fórum Universal de Curitiba
Estamos de volta, ademais, ao fórum universal de Curitiba. Como se sabe, eram vários os alvos da operação, mas o fato de Moro estar na lista levou a questão para a Curitiba, caindo nas mãos da juíza Gabriela Hardt, amiga pessoal de Moro. Mais do que amiga: na 13ª Vara Federal de Curitiba, ao tempo da Lava Jato, fez-se ali o que a muitos pareceu uma parceria.
No julgamento da ação sobre o sítio de Atibaia, ela copiou, e o admitiu, um longo trecho da sentença de Moro no caso do apartamento de Guarujá. Chegou a esquecer de substituir “apartamento” por “sítio” — o que indica, parece, que nem se procedeu a uma releitura. Ao citar dois testemunhos que considerou contundentes contra Lula, evocou os nomes de José Adelmário e Léo Pinheiro. Para quem não sabe: são a mesma pessoa. A gente tem o direito de desconfiar de que não conhecia direito o processo. Alguém mais desconfiado poderia inferir que a condenação já existia antes dos autos.
E é evidente que não se pode ignorar que a operação Sequaz foi deslanchada no dia seguinte a uma declaração infeliz de Lula na entrevista ao vivo à TV 247, sobre a vontade que tinha de “f… Moro”. Fica evidente que se referia ao passado. Mas e daí? Não bastasse, depois, Lula sugeriu a armação…
Poupar ninguém. E a disputa na extrema-direita
Não se trata de poupar Lula das duas besteiras que se disser ainda que tudo venha a se provar uma armação. Disse, fez mal e está pagando o preço, obviamente. Mas o descuidado que tenho notado no trato jornalístico da coisa toda indica que o mal que assombrou o jornalismo durante a Lava Jato parece estar aí de novo. As estranhezas gritam, mas são ignoradas.
Ademais, não se deve ignorar o contexto em que isso tudo se dá. Moro e Dallagnol foram eleitos, mas era visível — vamos ver doravante — que seriam figuras marginais no Senado e na Câmara, respectivamente. Embora não se distingam do bolsonarismo nos valores, na ideologia e na truculência, não são considerados “de raiz”. O ex-juiz foi chutado do governo e tratado como inimigo pelo homiziado de Orlando.
A volta de Bolsonaro está prevista para o dia 30. Que todos estarão juntos para tentar sabotar o governo Lula, bem, isso me parece fora de dúvida. O debate sobre o novo marco fiscal vai prová-lo. É esperar para ver. Mas também é preciso considerar que Moro busca um lugar na extrema-direita. Vai abrir uma espécie de concorrência interna na extrema-direita para tentar ser a alternativa em 2026 ou quer ser de novo um fiel soldado.
A chance de o ex-presidente se tornar inelegível é gigantesca. Quem vai levar adiante a proposta da Grande Marcha para Trás? Quem encarnará a metafísica da reação ao mundo civilizado? O episódio serviu, ao menos momentaneamente, para devolver Moro para o jogo. E, mais uma vez, com a colaboração da imprensa.
“Ah, mas ela não pode noticiar o que há ou criticar Lula?” Pode e deve fazer as duas coisas. Pelo menos as faço aqui e em toda parte, Mas não tem mais o direito de ser ingênua, de se comportar como mera porta-voz de pessoas ligadas à investigação, se não estranhar o estranhável e de ignorar que Moro não disputa apenas um lugar como opositor de Lula e do PT: ele também disputa um lugar como o nome da extrema-direita.
Ou se vai esperar agora que aparece um delator de ocasião para dizer que recebeu ordens de algum intermediário do PT? O país já foi vítima dessa arapuca.