RAFAEL MARTINELLI

Culpo sim o ‘bolsonarismo’ pela tragédia em Blumenau

Me ‘policiei’ para não tratar da tragédia da creche Bom Pastor e, em um momento de luto imensurável, deprimir ainda mais a Gravataí bolsonarista, mas o vereador que atende pela alcunha de Policial Federal Evandro Coruja (PP), o nosso político mais bolsonarista-raiz, o fez na Câmara. Então, partiu: culpo, sim, o ‘bolsonarismo’, pela tragédia; mas assim, entre áspas.

Provo agora, sob a incontestável ‘ideologia dos números’, para os que não se permitirão ler mais do que os 20 segundos de um fugaz sucesso de TikTok: em 21 anos, entre 2002 e 2023, o Brasil teve 22 ataques análogos à tragédia de Blumenau; destes, 12 foram nos últimos quatro anos, entre 2019 e 2023.

Sigamos.

Como um padrão, o parlamentar gravataiense criticou na última sessão a “politização” e “ideologização” do inferno feito na Terra, em Blumenau, mas defendeu soluções simples – e anticientíficas – para problemas difíceis: policiais, vigilantes e professores armados nas escolas.

Não há, nacional ou internacionalmente, pesquisa que mostre que mais armas contém a violência, seja na mão de militares ou civis, policiais ou não. Desafio que me mostrem uma sequer.

À BBC, a doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora de violência escolar, Danila Zambianco, aponta que os ataques estão relacionados ao fato de a violência ser vista, por alguns, como uma estratégia eficiente para resolver conflitos e uma forma de empoderamento dentro da sociedade.

– São muitos fatores que levam a esse efeito. Entre eles, a banalização da violência, a valorização da violência, o uso dela como estratégia para resolução de conflitos. Vimos isso com representantes do Poder Público que enalteceram a violência como estratégia, como meio, e o enfraquecimento das políticas de diversidade o que, infelizmente, enfraquece o diálogo para construir as relações interpessoais – aponta.

Vamos adiante.

Na avaliação da psiquiatra Danielle Admoni, os adolescentes são muito mais suscetíveis a discursos extremistas que podem os colocar, e outras pessoas, em risco.

– Eles não têm todos os circuitos cerebrais formados e nem a experiência que os adultos têm. Em paralelo, há uma necessidade em se identificar com grupos: é parte da sua sobrevivência social dentro do ambiente em que vivem – acrescenta a especialista em infância e adolescência, que conclui:

– Isso faz com que eles sejam mais vulneráveis a embarcar em ideias para se sentirem aceitos, inclusive a aceitar ideologias extremas em situações que nós adultos já identificamos como algo que passa dos limites. É um conjunto que os coloca com maior predisposição de se colocar em situações de risco.

O sociólogo Cezar Bueno de Lima, pesquisador da violência em escolas e professor, alerta que a crescente manifestação de ideias antidemocráticas no Brasil influencia nos ataques e tentativas de atentados que o país tem registrado nos últimos anos:

– Não há dúvidas de que os adolescentes são suscetíveis à sociedade no modo geral. Existe uma tendência polarização política e externalização da violência no mundo, e o Brasil não é indiferente a isso.

– Muitos são incapazes de reconhecer que os crimes têm relação com o discurso de ódio e com a cultura das armas. Os Estados Unidos estão aí para nos mostrar. A solução mais óbvia que esses grupos encontram é policiar as escolas, colocar policiais aposentados e armados dentro do ambiente escolar. Isso é ineficiente e até ofensivo para as escolas, é não enxergar o que está por trás – observa o professor Fernando Cássio, também com especialização no tema.

Mesmo que a mídia – neste caso – responsável tenha optado por não revelar a personagem, seu nome, seu rosto, sua roupa, seu quarto, é notório que o assassino de Santa Catarina compartilhava opiniões de extrema-direita.

Um levantamento da Genial/Quaest, divulgado dia 3 mostra que parlamentares ligados ideologicamente a Bolsonaro são os que têm maior influência nas redes sociais. Há apenas UM ligado a Lula, entre 10 deputados federais e 10 senadores que lideram o ranking.

Relembro mais uma vez a ‘ideologia dos números’: em 21 anos, entre 2002 e 2023, o Brasil teve 22 ataques análogos à tragédia de Blumenau; destes, 12 foram nos últimos quatro anos, entre 2019 e 2023.

Sigamos.

Evoco Hannah Arendt, que, em sua teoria da ‘banalidade do mal’, apontava para a “superficialidade” e a “superfluidade”; o mal se tornando banal porque os seus agentes são superficiais e suas vítimas são consideradas supérfluas.

“Quanto mais superficial alguém for, mais provável será que ele ceda ao mal. Uma indicação de tal superficialidade é o uso de clichês, e Eichmann era um exemplo perfeito”, cito, sobre o julgamento do nazista.

Fiz o grifo. Diz muito sobre o Grande Tribunal das Redes Sociais, não?

“Os acontecimentos políticos, sociais e econômicos de toda parte conspiram silenciosamente com os instrumentos totalitários para tornar os homens supérfluos”.

Insisto em Hannah Arendt para lembrar que que não considerava o nazismo como parte do caráter do povo alemão, mas se impressionou a filósofa com o adesismo inquestionável de parcelas significativas da sociedade alemã, mesmo aquelas altamente formadas nos princípios morais mais sofisticados.

Quem é você, não analisando algo do início, ou do fim, como o nazismo, mas, hoje, fazendo parte do durante?

Pela derradeira vez, neste artigo, relembro a ‘ideologia dos números’: em 21 anos, entre 2002 e 2023, o Brasil teve 22 ataques análogos à tragédia de Blumenau; destes, 12 foram nos últimos quatro anos, entre 2019 e 2023.

Ao fim, nem entro no que reputo ingenuidade política – neste momento, acreditando na boa fé de todos, não denunciarei delinquência intelectual ou caça-cliques de tragédias – em políticos venderem a ilusão de que seria possível colocar policiais ou vigilantes em cada escola; em Gravataí, por exemplo, seria preciso usar todo o 17º Batalhão da Brigada.

Com base na ciência, na ‘ideologia dos números’, apenas apelo por menos armas, por menos ódio, menos odes a torturadores do passado, menos tiros fáceis nas minorias e maiorias frágeis, menos descrença com as instituições e por nunca mais ‘8 de janeiros’, que exacerbam um direito à liberdade de invisibilizar o outro.

Tem sim, o ‘bolsonarismo’, culpa pela tragédia de Blumenau. Mas assim, ‘bolsonarismo’, entre aspas, onde resta o extremismo; e de onde, para evitar o desespero, retiro amigos, familiares meus e também Coruja, pelo seu tamanho, influência e futuro político em nossa aldeia. Culpo os que passam o dia, no Grande Tribunal das Redes Sociais, discriminando um, outro e mais um; quase sempre mais fracos.

– Para homens maus armados, a solução são homens bons armados – disse, mais ou menos assim, o vereador.

Um ‘homem bom’ armado seria o CAC que matou porque perdeu na mesa de sinuca? Na tragédia da Bom Pastor, certeza tenho apenas de quem foi o mau pastor, que não conduziu bem suas ovelhas pelos últimos anos.

Preciso repetir os dados da ‘ideologia dos números’?

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