perfil Carlos Fonseca

Da República do Marrocos

Carlos Fonseca não desistiu até chegar a Câmara

Em mais um dos perfis dos vereadores eleitos o SEGUINTE: apresenta Carlos Fonseca. Ele é uma cria do bairro onde mora há 40 anos.

 

Que o jovem de vinte e poucos anos que batia de porta em porta convidando os vizinhos para votar no Orçamento Participativo seria vereador, até os quero-queros da Vila Marrocos sabiam. O que não se esperava é que, mesmo fazendo uma África de votos, fosse demorar tanto.

– Sempre tive fé, foco, trabalho e muitos amigos confiando em mim – explica Carlos Fonseca, o evangélico, faixa preta, eleito com 2.328 votos em sua terceira tentativa consecutiva de chegar à Câmara de Gravataí.

Antes de ser o quinto mais votado na eleição vencedora de 2012, Carlos já tinha batido na trave em sua primeira campanha, em 2004, onde, mesmo considerado um ‘candidato de bairro’, fez surpreendentes 1.140 votos. Em 2008, o morador há 40 anos da Rua da República aparecia em todas as listas de prováveis eleitos, mas ficou de fora por, naquela eleição, a justiça eleitoral ter determinado a redução de 21 para 14 vereadores.

Com 1.991 votos, tendo como prêmio de consolação ficar na suplência e assumir como vereador por apenas um dia em quatro anos, viu Ricardo Canabarro (PV), beneficiado pelo coeficiente eleitoral, ocupar a última vaga com 1.037 votos a menos que ele.

– Foi um momento ingrato, difícil de explicar para os eleitores.

– Mas ali eu sabia que nosso dia ia chegar. Vínhamos crescendo a votação e, em 2012, era certo que Gravataí voltaria a ter 21 vagas – recorda.

 

: Carlos apoia Anabel Lorenzi para prefeita mas trabalha para ser candidato à Prefeitura em 2020

 

A turma da esquina

 

Carlos fala sobre o mandato no plural por ter como escudeiros amigos com os quais cresceu junto na Marrocos, onde mora até hoje. Emerson Claiton e Jair Moreira são seus assessores na Câmara. E o empresário Christian Bopp, o funcionário da PUC Vanderlei Rosa, e o policial civil Nelson Hickmann, que completavam a turma da bagunça no ônibus do Centro até a Vila, são seus conselheiros até hoje.

– Sempre fui da família e das amizades – diz o colorado que era um dos líderes da turma que, sem dinheiro para sair, ficava até altas horas conversando na esquina, ou, na ‘cara-dura’, chegava ‘de furo’ nas festinhas de garagem e já se enturmava com a galera.

 

De porta em porta

 

A vontade de ser vereador demorou um pouco a despertar em Carlos, mesmo que desde adolescente ele já trabalhasse como uma liderança comunitária do bairro.

– Eu não tinha filiação partidária nenhuma e nem ocupava cargo no governo do PT. Mas vi no OP uma chance de conseguirmos asfaltar o bairro. Havia outros como eu, que lutavam pela comunidade sem interesse. Por isso, deu certo. Hoje, isso é raro.

– Mas a maioria das pessoas era desconfiada: “isso não vai funcionar”, “não quero me meter em política”. Eu dizia: “deixa comigo”. E confiaram em mim – conta.

O resultado é que, nos governo de Daniel Bordignon (PT), foram asfaltadas quase todas as ruas do trapézio que, visto do alto, delimita o território da Marrocos.

– Primeiro foi feita uma das maiores, a Alberto Pasqualini, para a gente poder sair da vila sem barro.

– Depois, demos uma ganhada no OP. Garantimos o asfalto como prioridade, mas sem especificar para quais ruas iriam os recursos. Deu para fazer várias pequenas vias, daquela vez de dentro para fora do bairro. No ano seguinte, proibiram essa ‘malandragem do bem’ – diverte-se.

 

O secretário gurizão

 

A outra frente que colocava Carlos como uma das referências do bairro periférico, de médio porte e característica urbana, era sua atuação na escola estadual Heitor Villa-Lobos. Desde os 18 anos, após passar em um concurso público, o rapaz com dois, três fiapos de barba no rosto, já era o secretário da escola.

– Mudou minha vida. Os pais deixavam os filhos lá, para eu cuidar. E, como eu era um gurizão, as crianças se espelhavam muito em mim. Eu precisava dar bons exemplos – explica.

Um modelo de conduta Carlos teve na própria escola, em sua primeira diretora: Odete Migliavacca Pacheco.

– Me inspirou muito, ajudou a desenvolver uma coisa que sinto desde sempre, que é me importar com as pessoas, saber quem é quem, qual o problema, o que cada um precisa.

– Até hoje a Odete é minha referência para a vida – saúda.

 

O Cpers como partido

 

Viver o dia a dia da escola pública naturalmente levou Carlos para a luta sindical. O Centro dos Professores do Rio Grande do Sul, o Cpers, foi seu primeiro ‘partido’. E justamente o que considera uma partidarização do sindicato fez seu grito de greve ficar rouco, e a sineta soar mais baixo.

– Para ‘pelego’ não sirvo – resume ele, que se afastou no período em que Olívio Dutra (PT) ganhou o governo e, em 1º de janeiro de 1998, Lucia Camini, até então presidente do Cpers, tomou posse como secretária da Educação do Estado.

– Ela pediu trégua, mudou o discurso e aquilo esvaziou o sindicato. Teve assembleia em que fui sozinho… Pode ver que, de lá para cá, o Cpers nunca mais foi o mesmo – argumenta.

 

Só falta você

 

Mal Carlos enrolou e guardou a bandeira amarela e vermelha do sindicato, outra flâmula com as mesmas cores, só que tendo como símbolo uma pomba em vez de uma sineta, pousou na sua porta.

– A turma toda está me apoiando. Só falta tu – apelou o amigo Nino Perereca, se referindo à ‘turma da esquina’.

O problema é que o pai da namorada de Carlos era candidato a vereador.

– E se ele também me apoiar? – insistiu Nino, que conseguiu demover a candidatura do futuro-ex-parente de Carlos (a quem restou cumprir a promessa, se filiar ao PSB e aderir à campanha).

– Quando era adolescente o Abílio dos Santos tinha me convidado para me filiar ao PMDB. Mas fui lá, me deram uma ficha e eu disse que tinha esquecido os documentos em casa. Não voltei mais.

– Mas em 99 o PSB tinha o ex-prefeito José Mota como candidato a prefeito. Era um cara que olhava para a periferia, tinha feito escola no Morro do Coco, bandeiras nos identificavam. Abracei o projeto porque acreditava. Só por isso me filiei – explica.

Jose Francisco Antunes do Livramento, o Nino Perereca, fez 520 votos, mas os eleitos pelo PSB foram Elio Bitelo, na época o ‘Elinho da Vicasa’, com 873 votos, e Juliano Paz, eleito com 735 votos aos 23 anos.

– Durante toda campanha pedia voto e me perguntavam o porquê de não ser eu o candidato. Eu dizia que nunca tinha pensado nisso… – conta Carlos, que não tinha concorrido nem a diretor da escola, mesmo com os convites das “gurias”.

– Conheci minha esposa nessa empreitada e disse: “sou político”. Mas nem era. Não tinha mandato ou cargo, só queria avisar que estava metido num mundo em que você não é mais dono do seu tempo. Não dá mais para programar uma viagem num fim de semana, por exemplo.

– O domingo não é mais seu – acrescenta.

O casal, que incorporou a política no sobrenome (Liliana trabalha com o deputado federal José Stédile), tenta manter alguma normalidade de hábitos na vida em família.

– Como saio cedo e não tenho hora para chegar à noite, faço todo esforço para almoçar em casa e, agora que minha filha está com cinco anos, levá-la à escola – diz o pai também do Carlos Eduardo, de um ano e quatro meses.

 

: Carlos procura driblar a correria e o estresse da política e almoça todos os dias com a família

 

O muro

 

Na Câmara, Carlos tem um comportamento discreto. Brilha os olhos aos falar de seus planos e projetos, mas nunca sobe o tom de voz, ao usar a tribuna. É raro vê-lo envolvido em algum bate-boca. Mesmo que sempre vote contra viagens de vereadores para cursos e congressos, o faz em silêncio, para não melindrar os colegas de parlamento. Também é difícil avistá-lo em confabulações ao pé do ouvido ou em reuniões pelos corredores e gabinetes.

– Sou muito verdadeiro, o que até me atrapalha um pouco na política. Mas eu não blefo – garante.

Se de um lado procura, com seu jeito, não construir muros nas relações políticas, a grande obra do mandato de Carlos custou mais de um ano assentando tijolos na burocracia das emendas parlamentares, até o sonho se realizar: o cercamento da escola onde fez sua vida.

– O Stédile conseguiu a emenda, mas eu não imaginava que seria tão complicado construir o muro na Heitor. O dinheiro foi para o caixa único do Estado e só conseguimos realizar a obra por termos a sorte do vice-governador Beto Grill, que era do nosso partido, ter nos indicado os caminhos.

– Gerações passaram por mim na escola. Filhos de pais que lá estudaram. O dia da inauguração do muro já valeu o meu mandato – emociona-se.

 

: Carlos tem como uma de suas grandes realização o movimento para cercamento de sua escola, a Heitor

 

Um pouco da história – e das histórias – do Carlos Fonseca:

 

Carlos Roberto Dias da Fonseca nasceu na Santa Casa de Porto Alegre em 9 de junho de 1970. Filho de Pedro e Maria, é o caçula entre os irmãos Tânia (52) e Paulo (51). Viveu uma infância difícil, onde a mãe tomou conta da família fazendo faxinas, após o pai pedreiro sair de casa. A busca por uma casinha um pouco melhor foi o motivo da mudança do Jardim do Salso para Marrocos, em Gravataí.

– A vila tinha muitos terrenos, várias fazendas, não existiam as Cohabs… – recorda Carlos, que começou a estudar na Escola Estadual Rural de Contendas e, a partir da quinta série, foi para o Gensa.

– Essa vida sacrificada nos uniu muito. Até hoje somos uma família próxima. E nossos valores vêm daquela época: o que é teu é teu, o que não é teu, não é teu. Minha mãe foi um exemplo para todos nós – emociona-se.

O primeiro emprego apareceu aos 17 anos, no Banco Mercantil, como contínuo da Finasa. Logo, foi promovido a auxiliar de escritório e depois conferente.

– Aprendi rápido, sempre fui bom em matemática.

O trabalho foi ‘confiscado’ junto com a saúde da financeira e a poupança dos brasileiros no Plano Collor. Carlos conseguiu uma vaga de auxiliar de almoxarifado na Dana até passar no concurso público estadual e assumir como secretário na escola Heitor Villa-Lobos, na vizinha Cohab C, onde trabalhou até se licenciar para assumir como vereador, em 1º de janeiro de 2013.

 

 

‘Paulo’, o faixa preta

 

Um acontecimento, meio por acaso, ocorrido na mesma época em que resolveu estudar para o concurso público, regrou a vida de Carlos dali em diante. Ele começou a praticar artes marciais.

– Meu irmão pagou um ano de academia, mas logo resolveu trocar o taekwondo pelo caratê. Eu, guri, cheio de vontade, disse “deixa que vou em teu lugar”.

– Chegava à academia e diziam “bom dia Paulo”. Eu falava: “é Carlos”. “Aqui na ficha tá Paulo, então vai ser Paulo” – diverte-se, lembrando também de pioneiros da cidade, como a Academia Rodrigo Lee e os professores Maurício e Marco Aurélio.

– É uma filosofia de vida. Ensina muita disciplina e perseverança. Ajudou-me, aos 18 anos, a ter foco e respeitar o tempo: fazer cada dia um pouco, e sempre.

Carlos foi até a faixa-preta. E deu aulas no Sesi e em academias da Caveira e da Cohab.

– Não ganhei dinheiro, fiz por amor a camiseta e pela satisfação de ajudar a tirar a gurizada das ruas.

– Atrasei até meus estudos. Mas em 2000 consegui me formar – diz o administrador de empresas pela Ulbra, que foi diretor da Câmara em 2010, quando Anabel Lorenzi assumiu a presidência, e também coordenador regional do deputado federal José Stédile, até ser eleito vereador em 2012.

– Pedi uma oportunidade ao povo para trabalhar na Câmara. Não conseguiria sair de casa se alguém dissesse “esse aí foi eleito e não fez nada”. Muito me orgulho poder estar todos os dias na rua de cabeça erguida – diz.

 

: Mesmo fora de foco a foto merece o registro: o faixa-preta Carlos Fonseca nos anos 90

 

OS PRINCIPAIS PROJETOS APRESENTADOS PELO CARLOS:

“Quatro coisas me deixam realizado. Desde o primeiro dia abri um escritório político, na frente do Big da parada 74, para ficar mais perto das pessoas. Está aberto todas as manhãs e aos sábados, para quem não pode vir até a Câmara. Depois, a aprovação da emenda que construiu o muro da escola Heitor Villa-Lobos, cujo dinheiro veio para o Estado, mas foi preciso insistir dia a dia, semana a semana, para que a obra fosse feita. Só tive a dimensão do fato depois de feito. Outra coisa é a criação da associação dos autistas. O Robson, filho da minha vizinha Cátia, tinha surtos e não falava. Foi a fono, otorrino, percorreu a rede do SUS, até aos seis anos ter o diagnóstico de autismo. Só no bairro conheci mais duas famílias. Como presidente da Comissão de Educação, fui procurado pela Vanessa Lúcia, pedindo apoio para cobrar a falta de monitores de alunos especiais nas escolas. Pensei: “é um tema que está me cercando, preciso fazer algo”. Fui pesquisar e conseguimos criar a associação de pais e amigos dos autistas Novo Horizonte. Agora, as mães que vivem essa situação todos os dias, vão cuidar da entidade, até para não dizerem que é a associação do Carlos. Hoje já tem vida própria! Também me orgulha ter participado da viabilização do projeto de equoterapia para crianças especiais, um projeto do Jorge Correa, que agora tem o apoio do Cid Vieira, da hotelaria para cavalos, mesmo depois de tanto o governo Marco Alba (PMDB) ter jogado contra. Outra ação a qual me dedico é a construção do quartel dos bombeiros na parada 74. Depois de muita novela, a licitação já está aberta”.

 

UM ARREPENDIMENTO NA VIDA PÚBLICA:

“Meu arrependimento é não ter conseguido chegar à Câmara antes. Poderia ter feito muito mais”.

 

O CARLOS PELO CARLOS, EM UMA PALAVRA:

“Honesto”.

 

OS PLANOS DO CARLOS:

“Conquistar mais um mandato como vereador, e depois lutar para ser candidato a prefeito. Considero que tenho um perfil mais de executivo do que de legislativo. Quero ser prefeito de Gravataí”.

 

O QUE DIZ PARA O ELEITOR QUE NÃO ACREDITA MAIS NOS POLÍTICOS:

“Digo que ele está errado, que tem que buscar informações. O político é o reflexo do seu eleitor. Ninguém se elege com o próprio voto, todos são eleitos pelos votos de alguém. As pessoas tem que participar e saber que, com trabalho sério, dá para fazer diferente”.

 

UM POLÍTICO ADMIRADO PELO CARLOS:

“Bernardo de Souza".

 

O(A) CANDIDATO(A) A PREFEITO(A) DO CARLOS:

“Anabel Lorenzi”.

 

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