a coluna da jeane

Das avós

Jeane Bordignon e as avós

As lembranças da vó Elza têm gosto de pudim de leite, de bolo de café com recheio de mousse de chocolate, nozes e coco, de pão-de-ló, da melhor lasanha e da melhor sopa de capeletti, de pão caseiro assado no forno de barro, de macarrão caseiro com o molho que só ela sabia fazer, de montanha-russa, dos biscoitos que desmanchavam na boca, de polenta na chapa com aquela fatia grossa de queijo por cima, de cueca virada (que ela chamava de grostoli), de bala de café-com-leite, de mandolate…

As lembranças da vó Rosa têm gosto de arroz soltinho, de bolinho de chuva, de enroladinho de salsicha com massa de pastel, de bolo ligeiro, de biscoito doce, de guloseimas compradas pelo vô Osvaldo no armazém… As recordações das duas têm gosto de ovo de galinha feliz, criada ciscando no galinheiro e de temperos fresquinhos da horta.

As lembranças da vó Elza têm cor de camélia, hortênsia, beijinhos, lágrimas-de-cristo, e cheiro de sabonete Dove e das uvas no parreiral… e das velas de sete dias que ela acendia aos pés do Sagrado Coração de Jesus. As lembranças da vó Rosa têm cor de hibisco (que ela chamava de mimo), de rosas, das várias flores que ela adorava cuidar (tinha que ter nome de flor mesmo!), e cheiro de Alma de Flores… ou seria Seiva de Alfazema? Já passou tanto tempo e minha memória embaralhou.

Vó Elza gostava de jogar cartas e de mesa cheia. Domingo feliz era com a família (ou parte dela) em volta de uma mesa farta, aquela refeição meio italiana, meio gaúcha, finalizada com umas três sobremesas diferentes. E depois de limpar a mesa, era hora de jogar escova, bisca ou quatrilho. Ela sorria com gosto quando fazia ponto, escova ou conseguia o sete belo. E se divertia quando algum distraído deixava ver as cartas ou sentava de costas para a cristaleira que tinha um espelho. “Se me mostram, eu olho”, dizia com aquele humor de uma boa nonna.

Vó Rosa adorava receber visita e conversar. Às vezes não escutava direito mas não se chateava, a presença dos filhos e netos já a deixava feliz. Quando nos via entrando no portão já vinha encontrar com os braços abertos e um sorriso enorme. E abraçava com vontade. Quando penso nela as primeiras coisas que lembro são o sorriso e o abraço. E ao sentarmos no sofá ela abraçava de novo, toda faceira com a visita.

Minha vó italiana era católica fervorosa, não ficava um domingo sem ir à missa e não dormia sem antes rezar o terço de joelhos. Tentava me fazer rezar com ela, mas geralmente eu adormecia antes. Mas eu adorava os livros de santos e de catecismo que haviam na casa dela, ilustrados com pinturas. Páscoa e Natal eram as festas mais importantes do ano, e ela sempre recebia os filhos com a pergunta “foi à missa?” Quando passo em frente à igreja aqui do Parque, parece que vou vê-la saindo de lá. Ainda é estranho.

Minha vó alemã foi criada em família protestante, eu acho. Ela contava que leu a Bíblia primeiro em alemão. Mas quando eu era criança, vó Rosa frequentava reuniões do Sheicho-No-Ie e levava as revistas pra casa (e eu lia tudo quando ia lá). Minha mãe a presenteou com uma Bíblia católica, e a vó lia também. Os Testemunhas de Jeová batiam na porta para vender livros e revistas, ela comprava e também lia. Minhas tias deram O Livro dos Espíritos, e a vó lia. Recebia tudo de coração aberto. Acho que ela foi minha primeira lição de ecumenismo, e me orgulho muito do exemplo dela. Tinha que ser aquariana, né?

As duas eram amigas e tanto a vó Elza gostava do meu pai como um filho quanto a vó Rosa tinha minha mãe como uma filha. E quando se encontravam nos aniversários aqui de casa, sempre passavam um tempo conversando. Era tão lindo ver as duas juntas!

Vó Elza está com 93 anos… o Alzheimer levou os movimentos, a fala e a memória dela, mas ainda temos aqueles olhos lindos nos procurando como um bebezinho. Há sete anos se alimenta só por sonda, logo ela que era conhecida pelas massas, bolos e pudins maravilhosos. E por mais que a gente tente reproduzir as receitas, não fica igual. É muito estranha a realidade trazida pelo Alzheimer, mas enquanto o corpo dela resistir, continuaremos dando todo o amor e carinho.

Vó Rosa faleceu em 2011, aos 91 anos. Em ótima forma física. Mas eu não chorei na noite em que recebemos a notícia, porque meu coração sabia que a vó estava de novo junto do vô Osvaldo, o grande amor da vida dela (foram mais de 50 anos de casamento!). Até podia ver os dois dançando, felizes. As lágrimas só vieram uns dias depois, quando o Pedro, então com 5 anos, veio me pedir para mandar uma carta para a bisa. Questionei como a gente faria isso, e ele respondeu com segurança:

– Ué, a gente bota a carta no vento e ele leva pro céu. Daí a gente escreve assim “Bisa, você faz muita falta”.

Neste domingo, 26 de julho, é Dia dos Avós, dia de Santa Ana e São Joaquim, avós de Jesus. E eu me sinto abençoada por ter convivido com a Vó Elza e a Vó Rosa, essas duas mulheres incríveis e que ajudaram a formar quem eu sou. E também com o Vô Ampílio e o Vô Osvaldo, homens íntegros e muito corretos, verdadeiros exemplos de seres humanos. Obrigada, Deus!

Um feliz dia para todos os vovôs e vovós!

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