igualdade e respeito

Das tragédias, a última

A última tragédia, de Abdulai Sila

Na última semana, dois fatos foram significativamente marcantes: no dia 25, comemoramos o Dia da África. Dificilmente temos acesso a obras literárias de autores africanos, mas é preciso que se diga que há riquíssimas produções, especialmente da África que fala em português. A troca cultural entre os países colonizados por Portugal é mais do que importante: é necessária.

Em 2011, foi publicado no Brasil o romance A última tragédia, escrito por Abdulai Sila, autor da Guiné-Bissau, em 1995. Ndani é uma das protagonistas da obra. A personagem a quem acompanhamos desde menina é acometida por uma sucessão de tragédias, que denunciam a violência colonial, a violência de gênero, a violência social, entre tantas outras.

“Lembrou-se disso num dia à tarde, quando regressou à casa antes da hora habitual e ouviu gemidos no quarto da criada. Não foi necessário entrar no quarto, soube logo o que tinha acontecido. O que não soube foi o que dizer ao marido, que naquele preciso momento abandonava o quarto da criada com o rosto a sangrar de arranhões, a camisa aberta, as calças desabotoadas.” (A última tragédia, Abdulai Sila, 2011, p. 66).

Este é um trecho em que se evidencia o abuso sexual ao qual Ndani era submetida na casa onde servia de criada. O patrão exerceu triplamente sua opressão, em razão do poder autoritário que lhe conferia a condição de ser homem, de ser branco e de ser patrão, naquela sociedade. As relações de poder são representadas pelas reiteradas tragédias vividas pelas personagem.

Se, no romance, a violência sexual foi agravada – ou permitida, digamos – pelo sistema colonial e social da época, o que justificaria esse tipo de abuso numa sociedade livre e democrática como a nossa?

No último dia 26, tivemos a notícia de um estupro que chocou o país. Aliás, mais ainda do que o próprio tema, causaram espanto certos posicionamentos em relação ao assunto: fizeram-nos perceber o quanto a sociedade brasileira, que se diz tão livre e independente, ainda tem a evoluir em termos de igualdade e de respeito.

O tema, portanto, precisa muito ser discutido: na literatura, nas rodas de conversa, nas salas de aula, onde quer que seja. Se ainda existem mulheres que sofrem abuso, violência, opressão, todos nós somos responsáveis socialmente, seja por ação ou por omissão.

Minha esperança é que, de todas as tragédias com as quais convivemos diariamente, a violência sexual seja a última, definitivamente. Para isso, o debate é imprescindível.

 

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