No #DasUrnas, siga diariamente quem ganhou, quem perdeu, quem empatou e os números e análises da eleição de 2024.
Pelé já errou pênalti. Marco Alba (MDB), identificado como o ‘Pelé da Política’ em Gravataí, também errou seu pênalti nesta eleição. Recebeu 42.445 votos (33,87%); Luiz Zaffalon (PSDB) foi reeleito com 64.125, ou 51,17% dos votos válidos. Restarei eu um engenheiro de obra pronta, mas é preciso engenharia reversa para avaliar as causas quando um prédio cai. E o ‘Império do MDB’ ruiu em 6 de outubro de 2024. É sobre isto este artigo.
Parte da análise já fiz ao tratar sobre o vencedor, Zaffa, em #DasUrnas | Zaffa foi reeleito porque faz um bom governo em Gravataí, e mais.
Vamos a outras fissuras na construção de um império que começou em 2011, com o golpeachment contra a prefeita mais votada da História de Gravataí, Rita Sanco (PT) – ainda volto a isso, à ‘Maldição de Rita’ –, e permitiu a ascensão do MDB à Prefeitura: indiretamente em 2011, com Acimar da Silva; nas urnas com Marco em 2012 e, em 2020, de Zaffa em 2020.
Começo pela metafísica, pelo Zeitgeist, o ‘espírito do tempo’. Em um mundo de velocidade digital, onde o eleitorado ou é, ou é influenciado por filhotes do algoritmo, Marco Alba foi analógico.
Demorou o ex-prefeito a tratar sobre o rompimento com Zaffa. Passou um ano sem dar entrevistas e, ao se posicionar pela primeira vez publicamente, escolheu um programa de Cachoeirinha, de comunicadores CCs, ou ao menos simpáticos ao prefeito de seu partido, Cristian Wasem.
Guardou a “decepção” para ser exposta a campanha eleitoral, o que comunicou em vídeo em suas redes sociais.
Os 45 dias de período eleitoral se mostraram curtos para desconstruir Zaffa e estabelecer diferenças claras entre seu projeto e o do prefeito.
Até 6 meses da eleição, ainda havia emedebistas no governo Zaffa e, há um ano, Marco estava na foto em inaugurações.
Salvo engano, a principal diferença apontada entre a ‘Situação A’ e a ‘Situação B’ foi o endividamento da Prefeitura.
Algo que para o eleitor é impalpável.
Alguém duvida da resposta ao perguntar ao eleitor se quer o caixa do governo cheio, ou asfalto na sua rua? Zaffa investiu 250 milhões e, ao ser ‘culpado’ por isso, anunciou mais 300 milhões em um futuro governo.
Populista? Em certa medida, que só o equilíbrio futuro das contas vai mensurar. Mas inegável é que, em tempos de descrédito com a política, as pessoas querem resultados e entregas, ou promessas ousadas que mudem sua vida – tanto que Marco obrigou-se a também cometer o seu populismo, ao prometer um novo hospital em Gravataí.
As derrotas de Lula e Bolsonaro nestas eleições municipais me autorizam ao menos a desconfiar que o eleitor quer governo, mais do que líderes, ou mitos – aqui nesta constatação cabe a derrocada do terceiro colocado, Daniel Bordignon (PT), que, conforme sempre lembra o jornalista Políbio Braga, já foi o ‘mito do Vale do Gravataí, e fez 18.739 votos (14,95% dos válidos); mas isto analiso em outro artigo.
Enfim, com a política ainda mais desacreditada pelo “povo pelo povo” no pós-enchente, com abstenções vencendo eleições, parece claro o recado do eleitor de que, se não há diferenças claras, e o governo está bom, ou até mais ou menos, a opção é por apertar nas urnas o confirma no que está aí e seguir a vida porque, se o mundo parece acabar para alguns após a abertura das urnas, o amanhã é sempre uma segunda-feira.
Fato é que Marco apostou no modo analógico, e nisso comungou também com Bordignon, ao se preservar de polêmicas até o período eleitoral. Então, na campanha, precisou ser oposição a tudo aquilo que construiu – e construiu bem. Sobrou menos tempo para apresentar seu legado.
A soma de seus votos com os de Zaffa atinge impressionantes 106.570 votos, ou 84,97%.
A mania por controlar os movimentos partidários e, consequentemente, o noticiário político da aldeia, também se mostraram sob teste. No Brasil em que a crise da manhã é superada pelo escândalo da noite, autopreservação não parece mais uma boa escolha.
O líder, à distância no bunker, agarrado a uma estratégia que com poucos, ou com ninguém compartilha, também.
A condução da relação com Zaffa foi um desastre. Se Marco esperava que, não eleito deputado federal em 2022, automaticamente o prefeito abriria mão da reeleição e o salvaria de 6 anos longe das urnas, deveria ter combinado antes.
Ou escolhido outro “ilustre desconhecido’, forma como o MDB descreveu Zaffa na nota de rompimento.
Poucos sabem, mas Marco e Zaffa nunca conviveram um na casa do outro, para um chimarrão, uma cerveja, um vinho, um jantar em família, uma fofoca política. Nem antes, nem depois.
É verdade que Marco nunca foi à Prefeitura ‘excretar regra’ para Zaffa depois do prefeito eleito. Algo até romântico na política, para alguém que foi o ‘Grande Eleitor’ que fez o sucessor sair de 1% para mais de 51% dos votos. Mas ao terceirizar a relação, e o fez com Alan Vieira, vereador e presidente do MDB, também permitiu esgarçar o relacionamento.
Inacreditável, mas Marco e Zaffa nunca conversaram sobre a sucessão após a eleição frustrada do ex-prefeito a deputado federal, em 2022.
A reação de Zaffa só não seria obvia se tivesse reconhecimento e reverência total ao que Marco fez por ele. Percebendo que o café esfriava dois anos antes de concluir o mandato, e políticos já procuravam interlocutores do ex-prefeito para tratar das coisas da Prefeitura, e tratavam-no como apenas mais um rei sob a égide do imperador, Zaffa começou a agir no modo prefeito-candidato-a-reeleição.
A corcoveada simbólica ocorreu após a inauguração do Parque Municipal de Eventos, em 31 de março de 2023, que culminou com a demissão do secretário Paulo Garcia. Zaffa, que cortou a fita, soube pelo Instagram de homenagem, com placa e tudo, a Marco e Garcia pelo CTG Aldeia dos Anjos – um dos grandes beneficiados pela obra que custou R$ 7 milhões, R$ 436,5 mil na construção de canchas para tiro de laço e provas onde se disputa o Rodeio em que a entidade faturou R$ 300 mil em 2023.
Um dia antes da apresentação do novo Parque de Eventos, na inauguração do centro logístico das Famácias São João, apoiadores de Marco e Zaffa, e os dois, já sentaram a fileiras de distância.
– O marisco está pronto para a onda bater no rochedo? – assim lembro que brincou fonte do Seguinte:, antevendo a tempestade na cobertura política, onde sempre o jornalista profissional, que não atua pelo P de paixão, ou o P de pix, é o marisco, por ser o mensageiro da crise.
Como por toda a histórica da humanidade, os impérios ruem por dentro. O que parecia poder total, em 2022, tem sua parcela na rachadura. À federal, Marco dobrou apenas com a esposa, Patrícia, candidata a deputada estadual. Tinha apoio de todos os partidos e vereadores do governo. Não se mostrou uma construção sólida. Chegou às urnas sem nenhum dos partidos em sua coligação.
Pois esse grupo político que aderiu ao casal em 2022, apoiando-os como candidatos do governo, manteve a aderência ao governo em 2024, apoiando a reeleição.
Infelizmente não há em Gravataí uma cultura de relações partidárias. Cada indivíduo, e seu poder de turno, é uma sigla.
Há outro pênalti que considero perdido em 2022: o apoio a Onyx Lorenzoni (PL) para o governo gaúcho.
Na macropolítica, Marco arranhou sua força estadual ao abrir dissidência em seu MDB, que indicou Gabriel Souza como vice de Eduardo Leite (PSDB), que no segundo turno foi reeleito. Poderia ter sido secretário de Estado, ou, hoje, deputado federal, já que após o resultado das urnas no domingo consta como primeiro suplente, dependendo apenas do governador convidar um deputado para o secretariado.
Na política aldeana, isso enfraqueceu o discurso que apontava os vereadores Nadir Rocha (em memória), Clebes Mendes e Paulinho da Farmácia como “traidores” e submetidos à comissão de ética partidária por, após terem perdido a convenção municipal (assim como ele perdeu a convenção estadual), supostamente terem feito campanha para Dimas Costa (PSD), adversário de Zaffa à Prefeitura.
Aí restou como naquelas pixações nas paredes de Roma: se o imperador pode, por que não seus súditos?
Entendo restar apenas como uma máxima bonita de recitar aquela frase do Brizola, de que “a política tolera a traição, mas não o traidor”. Não cola no eleitor, que bem identifica isso como… política!. E política não é uma ciência estanque, depende das circunstâncias, de ‘múltiplas verdades’, da (arghhh) narrativa.
Para além de Zaffa ter uma maior estrutura financeira e obras ininterruptas em uma média de uma inauguração por dia até começar a vedação do período eleitoral, os números mostram que a falta de aliados também pesou factualmente para a derrota de Marco.
As candidaturas a vereador da base do governo fizeram 80 mil votos. A coligação de Marco, 24 mil – 20 mil deles só do seu MDB. Eram pessoas que estavam nas ruas pedindo voto, batendo na porta do vizinho, apresentando Zaffa no grupo de zap da família.
Dois exemplos.
Sozinho, Bombeiro Batista (Republicanos), mais uma vez o campeão de votos da eleição, fez votação superior ao PDT, partido de Thiago De Leon, vice de Marco.
Roger Correa (PP), o segundo, fez mais votos que o AGIR, outro dos únicos dois partidos que se somaram ao MDB na coligação.
Essa ‘ideologia dos números’ permite a constatação de que Marco errou no vice – e nesta errei junto, em minha análise na qual considerei De Leon o melhor vice para as circunstâncias do momento, porque o professor identificado com a esquerda poderia atrair votos historicamente não simpáticos a Marco, principalmente após Zaffa ‘bolsonarizar’, ao atrair o PL para a coligação e aparecer na foto com Jair Bolsonaro.
As pesquisas internas mostraram que Dimas Costa (PSD), ex-PT e segundo colocado nas eleições de 2020, também atraído para a coligação da reeleição, transferiu mais do ‘voto útil’ da esquerda para Zaffa, do que De Leon para Marco, quando as pesquisas mostravam inviável a vitória de Bordignon.
Na estratégia de De Leon de impulsionar conteúdos nas redes sociais, ao custo de milhares de reais que recebeu do fundo eleitoral, só identifico a certeza de terem ajudado em sua imagem pessoal.
É engenharia reversa, profecia do acontecido, mas talvez uma chapa exclusiva do MDB, com o conservador Alan Vieira, pudesse ter avançado em mais votos direitistas feitos por Zaffa, do que aqueles que De Leon atraiu da esquerda.
De certa forma, para o romantismo do ‘nós contra o mundo’, como se apresentou Marco nesta campanha, só faltou o MDB se apresentar com chapa pura.
Essa já contei em #DasUrnas | Zaffa foi reeleito porque faz um bom governo em Gravataí, e mais: Marco nem iniciou conversas quando interlocutores de Dimas, sabendo da revolta do ex-vereador por vereadores do governo avançarem em apoiadores de sua candidatura a prefeito, vislumbraram um ‘estreitamento de inimizades’. Um ano depois, a retirada da candidatura e o apoio de Dimas a Zaffa ajudaram na reeleição – se decisivos não foram.
Colaborou também para não arrebanhar gados desgarrados Marco Alba não ter sido o primeiro a publicar pesquisa eleitoral, quando liderava, e com margem de 10 pontos na largada da campanha. Mais do que o eleitor, são os políticos interessados em estar ao lado do poder que se seduzem pelo universo paralelo das pesquisas.
O leitor mais identificado com Marco Alba e Bordignon pode estar se perguntando: “Não vai escrever que houve abuso de poder político econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, como denunciado em Ação de Investigação Judicial Eleitoral que teve na noite de ontem parecer do Ministério Público opinando pela cassação da chapa Zaffa e Levi”?
Não sou juiz, como já respondi à questão no artigo de análise sobre a vitória de Zaffa.
Neste artigo faço uma análise política, não policial ou jurídica. Sobre a ‘loteria de toga’, para usar outra expressão do Millôr, há dias e dias para tratar em outra ‘eleição que nunca termina’ em Gravataí.
Ao fim, reputo são os fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos: Marco Alba, para muito além de erros políticos que cometeu, é ‘vítima’ eleitoral do que ajudou a criar, um bom governo.
Reafirmo, pela imensidão dos números: ele e Zaffa somaram juntos CENTO E SEIS MIL, QUINHENTOS E SETENTA votos. É um inegável reconhecimento do eleitorado de Gravataí a um e outro.
Ah, e resta algo de obvio, caso tenhamos novas eleições: se Zaffa, o ‘ilustre desconhecido’, foi eleito pela força do governo de Marco, em 2020, e reeleito pela força de seu próprio governo em 2024, caso Pelé bata o pênalti no mesmo canto, pode errar novamente.
Uma resposta
Análise precisa! Que venha a toga togar as plantas daninhas🤣