Lembro bem do dia em que comecei a penetrar no fascinante mundo dos chás. Era dezembro de 1978, e um amigo de infância, em cuja casa estava hospedada, em Paris, serviu-me uma xícara de Earl Grey, uma mescla de chás do Oriente com óleo essencial de bergamotas, e fiquei encantada com a delicadeza do seu sabor e do seu perfume.
Contam que este chá foi batizado em homenagem ao 2º Conde Grey (Earl Grey, em inglês), primeiro-ministro britânico, na década de 1830, que o introduziu na Inglaterra.
A história de como a receita chegou ao Conde é meio nebulosa. Teria sido presente de um mandarim chinês ou de um marajá indiano, de quem ele salvara um filho.
O certo é que veio do Oriente e que o Conde passou a servi-la a seus convidados e, lá pelas tantas, o Earl Grey estava entre os chás produzidos pelas empresas Twinings e Jacksons of Piccadilly, de Londres.
Lembro que trouxe, daquela viagem, vários chás da Twinings, mas, depois de provar todos eles, nenhum me pareceu à altura do Earl Grey, que passei a ter, sempre, em casa, e a oferecer a minhas visitas no inverno, com um pouquinho de conhaque em dias muito frios.
Em 1980, fui viver em Quito, para fazer um estágio na Embaixada do Brasil e, certo dia, pedi ao colega que preparava o café, se podia me levar um chá, pois estava com dor de estômago. Ao chegar a minha sala, ele estendeu uma xícara fumegante na minha direção e anunciou: “Aquí está su ‘aguita de vieja’, sin ninguna alusión personal”.
Fiquei sabendo, então, que a maioria dos serranos, no Equador, só consumiam chás, de ervas medicinais colhidas em seus jardins ou compradas nos mercados indígenas, quando estavam indispostos ou doentes, e que, popularmente, eram chamados de “água de velha”.
Mais adiante, abri, em sociedade com uma colega da Embaixada, o primeiro salão de chá de Quito, o Bangalô, onde tínhamos uma vasta carta de chás, vindos de várias regiões do mundo, cada um com sua história, que eu tinha o maior prazer de pesquisar.
Sendo Quito uma cidade cosmopolita, recebíamos clientes de várias nacionalidades e, ao mesmo tempo, assumimos o desafio de promover o consumo de chás não medicinais entre os quitenhos. E, logo, tínhamos uma boa clientela, atraída pelos chás, pelas tortas brasileiras que servíamos e pelas atrações culturais, que foram uma constante, no Bangalô desde sua inauguração. Ali, eu realmente estava no meu elemento.
Ao retornar ao Brasil, apesar dos conhecimentos adquiridos sobre chás, nos tempos do Bangalô, voltei ao velho e bom Earl Grey, nos meses frios, e aos chás gelados, entre eles o de mate, da minha infância, nos quentes.
Mas, nos últimos tempos, dei para tomar chá de guayusa, uma planta nativa da selva amazônica equatoriana consumida pelos indígenas há mais de 2.000 anos.
Ocorre que gosto de acreditar que, como os shuar, que se reúnem para consumi-lo, todos os dias, ao nascer do sol, em um ritual em que contam e tratam de interpretar os sonhos que tiveram ao longo da noite, eu também conseguirei, um dia, entender os sonhos malucos que costumo ter.
Hoje de madrugada, por exemplo, sonhei que tinha sido despertada pelo som da tevê e corrido para apagá-la (não me perguntem por que não usei o controle remoto que estava do meu lado na cama).
Ainda meio zonza de sono, tratava, em vão, de apertar o Off, mas o que fiz foi acionar uma câmera que passou a me transmitir ao vivo para os 130 países em que a Globo distribui seus programas. E o pior de tudo é que, no verão, costumo dormir como vim ao mundo… Que vexame!