A política é um ouroboros.
O convidado do vereador Dilamar Soares (PDT) para se reunir com empresários e moradores de Morungava, junto ao secretário adjunto de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Iuri Camargo, foi o digital influencer Odair Goulart, o ‘Odair do Acorda e do Alô Gravataí’.
Dila, que é autor e presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Empreendedorismo, Emprego e Renda da Câmara, quer trabalhar junto ao governo Luiz Zaffalon o potencial turístico daquela região.
Dos Grandes Lances dos Piores Momentos é que o vereador foi, há quase dois anos, autor de representação ao Ministério Público de que haveria na Câmara ‘gabinetes do ódio’ disseminando ‘fake news’ e até um mercado de venda de páginas e comunidades de Facebook.
Na denúncia, Dila cita redes de Odair, à época ligado ao vereador Bombeiro Batista (PSD) – hoje afastados como tratei em A ’DR política’ entre vereador Bombeiro e Odair do Alô e do Acorda Gravataí.
A denúncia foi arquivada pelo promotor Fabio Lusa Marcon, da 71ª Zonal Eleitoral, como tratei em MP arquiva denúncia de vereador por uso político e fake news em Gravataí; páginas do Face comemoram livres, leve e soltas.
À época reportei em Vereador de Gravataí denuncia ao MP uso de fake news e páginas de Facebook por políticos; há um ’gabinete do ódio’?: “O parlamentar anexa à peça prints de postagens, uma lista de supostos perfis falsos e áudios que mostrariam um mercado de páginas e comunidades de redes sociais, e levanta suspeitas de tentativa de extorsão, além de um apresentar um organograma tipo ‘powerpoint’ que liga políticos com mandato e candidatos a administradores e moderadores – por vezes, as mesmas pessoas”.
Mais sobre a polêmica publiquei em Áudio de vereador está no Ministério Público em ’denúncia das fake news’; ouça, Em nota, vereador de Gravataí reage à ’denúncia das fake news’ e ’Político alvo’ desafia abertura de ’CPI das fake news’ na Câmara de Gravataí; as bravatas e verdades múltiplas.
Em entrevista com o vereador, em maio de 2020, perguntei: “Como funciona o ‘mecanismo’ que denuncias?”
Dilamar respondeu: “Ofereci aos promotores a cronologia da criação de grupos, páginas e comunidades de Facebook, com diferentes nomes fantasia, que por vezes mudam conforme os interesses, e são administrados por agentes públicos, pré-candidatos e perfis falsos com o objetivo de destruir reputações e criar salvadores da pátria, com base em fake news e manipulações. As pessoas são convidadas, ou participam desses grupos acreditando que são serviços para a comunidade, ou páginas de notícias, e depois são enganadas por organizações com interesses políticos e econômicos. Como o algoritmo busca o engajamento, são postadas notícias sensacionalistas, pinga sangue, e no meio disso políticos e aspirantes a políticos usam o alcance, que passa de 2 milhões, para atacar adversários sem dar direito de resposta e fazer campanhas de promoção pessoal e política. Não vou citar nomes ainda, mas estão lá na denúncia ao MP”.
Também questionei: “Há um mercado de venda de páginas?”
Dilamar respondeu: “Sim. Pedi para ser ouvido pelo Ministério Público porque, além da cronologia da formação dessas organizações, tenho áudios e depoimentos de testemunhas que foram procuradas para venda das páginas. O intuito certamente não é só informar. Há agentes públicos envolvido, diretamente ou como contratante de administradores”.
Insisti: “Então suspeitas de tentativas de extorsão?”
Dila respondeu: “Sim, suspeito. Se a cronologia de prints e áudios mostra uma briga dentro de um grupo político, que leva administradores a procurar adversários, um agente público confessa ser administrador de páginas, diz “falar em código”, e ao não haver acerto o grupo volta a se reunir em torno de uma candidatura, algo há. Não pode a comunidade de boa fé ser usada por essas páginas para, ao vender influência, extorquir aquele que for o prefeito de plantão. Uma notícia, um vídeo publicado no dia da eleição em páginas com alcance de 2 milhões de pessoas podem destruir uma reputação e decidir uma eleição. Fake news não provocam só linchamentos políticos, mas literalmente colocam em risco a vida de pessoas. Mataram uma mãe, no Guarujá, porque foi confundida na rede social como uma sequestradora de crianças”.
A íntegra da entrevista publicada pelo Seguinte: está em Vereador de Gravataí denuncia ao MP uso de fake news e páginas de Facebook por políticos; há um ’gabinete do ódio’?.
Fato é que foi Dila a levantar as suspeitas, depois arquivadas. Agora, com sua fé pública de vereador, ao se associar a Odair, por lógica corrobora o entendimento do Ministério Público de que o digital influencer não comete nenhum crime em suas páginas. Por analogia, também 'inocenta' Bombeiro, que teve inclusive o mandato ameaçado de ser julgado na comissão de ética parlamentar.
Ao fim, o professor Odair, sempre assunto no legislativo e um ativo em campanhas eleitorais pelo alcance de suas redes, “parece ter um fã clube na Câmara”, como sempre brinca o jornalista Luis Felipe Teixeira, do Poder 24h.
A política é um ouroboros.