JEANE BORDIGNON

Debaixo d´agua

Foto: Guilherme Ósio

Gravataí recebeu seu nome por causa do rio. Porto Alegre tem até praia na orla do seu famoso Guaíba, que crescemos chamando de rio, mas há um tempo soubemos que é um lago (ou estuário?). Várias cidades se espalham em torno da Lagoa dos Patos, a maior laguna da América do Sul. Outros rios separam municípios ou os atravessam. O Rio Grande do Sul é um território de muitas águas. Porque o estado está sendo arrasado por elas?

O volume de chuva dos últimos dias foi mesmo absurdo. Em menos de uma semana, já choveu no RS um terço do volume previsto para todo o ano. Provavelmente não estaríamos preparados de qualquer jeito para lidar com tanta água de uma vez só. Outras regiões do país enfrentaram ondas de muito calor. O desequilíbrio ambiental já é realidade, não mais uma possibilidade. Desde junho do ano passado, é o sétimo evento climático aqui na cidade. Teve ciclone extratropical com muita chuva, teve temporal com granizo e tanto vento que derrubou mais de 200 árvores. Não é simplesmente “coisa da natureza”, mas reação à forma como tratamos nosso planeta.

Que os milhares de veículos cuspindo fumaça nas ruas têm contribuído para a mudança de clima, todo mundo sabe. Mas eles são apenas uma parte do problema. Vivemos em cidades cada vez mais impermeabilizadas. Todos querem ruas asfaltadas e com calçadas de cimento ou pedra. Daí, a água só tem os bueiros para voltar pra terra. Nem um canteiro, para não ‘juntar sujeira”, porque não sei quando começou essa ideia de que folhas e galhos sujam o ambiente.

Na natureza, o sistema é perfeito: as folhas, flores e galhos que caem das árvores e arbustos se decompõem servindo de nutriente para as próprias plantas. A natureza é mais sábia que nós, que queremos viver num mundo “asséptico”, tememos as bactérias, e assim produzimos cada vez mais lixo e poluímos nosso planeta numa escala maior do que ele pode se regenerar. “Jogar fora” é algo que não existe, apenas acumulamos nossos resíduos em algum lugar separado para esse fim. Ou vamos largar nosso lixo no espaço? Porque seria a única forma de “jogar fora” do planeta tudo que descartamos.

E por ver como sujeira o que não é, reduz-se cada vez mais o número de árvores. O calor aumenta, e o asfalto ainda colabora, nossas cidades vão virando fornos de cozinhar gente. Lembram das aulas de ciências? O sol evapora a água, ela condensa nas nuvens e volta em forma de chuva. Quanto mais calor, mais evaporação. E os ventos alterados pelo desmatamento empurram toda a chuva para uma região só. Bora derrubar árvores para fazer campo para criação de gado, né? É ingenuidade ou má-fé achar que mudar completamente o tipo de vegetação de grandes extensões não vai ter impactos no clima?

O desmatamento também é responsável por levar uma quantidade maior de terra para dentro dos rios e lagos. Mais aula de ciências: dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Se o leito está cheio de terra, falta espaço para a água. E aí ela vai ocupar as várzeas. Por isso que mesmo lugares que não costumavam ter enchente agora estão embaixo d’água.

Também há muito desrespeito às áreas de vazão dos rios. Quem viu a novela Pantanal deve ter notado como a relação do centro-oeste com as águas é diferente. Entendem que há época de cheia e época em que os rios se recolhem. E nesse segundo momento, a faixa de terra que fica à mostra não está disponível para construção. Continua pertencendo ao rio. No máximo ele permite que seja usada para plantar, como fazem os ribeirinhos do Amazonas e como faziam os egípcios que cultivavam nas várzeas do Nilo.

Mas no Sul e Sudeste, teimamos em querer dominar a natureza. Confinamos os leitos, como fizemos com o Arroio Dilúvio em Porto Alegre e os paulistas com o Tietê. Aterramos para aumentar a cidade, como na orla do Guaíba, aqui, e no Aterro do Flamengo, no Rio. Brincamos de Deus recriando a Terra. Mas em algum momento, as águas tentam tomar seu lugar.

“O homem moldou o rio a seu modo, colocou-o dentro de um cano e escondeu debaixo da terra (…). Mas isso não mudou a natureza do rio: quando a chuva cai, é pra lá que ela vai, e se não tiver espaço, ela toma o que for necessário.” Assim explica o documentário Entre Rios, que mostra como a urbanização da cidade de São Paulo foi sendo feita tentando dominar os rios. “Enchente é algo que nós inventamos. Ela é produto da urbanização”, afirma a professora Odete Seabra, da USP.

O documentário está disponível no YouTube:

 

E vale muito assistir, refletindo na forma como queremos viver daqui pra frente. A natureza não aguenta mais a forma como vem sendo tratada. Separar o lixo, comprar só o necessário, comprar com consciência, usar menos carro, são atitudes que parecem pequenas, mas são importantes sim. Se cada um fizer sua parte, o mundo ainda tem jeito.

Todos, incluindo os poderes públicos, precisam se comprometer com um novo olhar e novas atitudes. Ou o planeta só caminhará para seu fim.

Mas claro que é uma mudança a longo prazo. Neste momento, a mobilização é por comida, água potável, colchões, barcos para salvamento, dentre outros itens. Em Gravataí, o CTG Aldeia dos Anjos, no início da Adolfo Inácio de Barcelos, tem sido um dos principais pontos de recebimento de doações e também de abrigo aos atingidos. Outros CTGs, escolas como Dom Feliciano, Gensa, Sinodal e Adventista, e o Gravataí Shopping também estão recebendo as doações para os desabrigados. Além da sede da Prefeitura, na Avenida Itacolomi (sede antiga da Ulbra).

Agora, os donativos mais necessários são itens de limpeza e higiene (sabão em pó, escova e pasta de dente, vassoura, rodo, balde, detergente, sabonete e alvejante), fraldas, colchões, toalhas de banho, cobertores, travesseiros, água potável e sacos de lixo. Também é possível doar no PIX do Comitê da Solidariedade, usando a chave smfcas.bancodealimentos@gravatai.rs.gov.br

Como ajudar?

Para ajudar as famílias atingidas você pode fazer doações de colchões, cobertores, roupas e outros itens nos seguintes pontos de coleta:

– Banco de Alimentos – Avenida Centenário, 87 -> (51) 3600.7756
– Centro Administrativo Municipal – Avenida Itacolomi, 3600 -> (51) 3600.7001
– Corpo de Bombeiros – Avenida Dorival Cândido Luz de Oliveira, 2410 -> (51) 3484.2311
– CTG Aldeia dos Anjos – Rua Adolfo Inácio de Barcelos, 1533
– Escola Adventista – Rua Irmã Vieira, 75
– Gravataí Shopping – Avenida Centenário, 555
– Ministério do Trabalho – Rua João Maria da Fonseca, 529
– Polícia Civil – Avenida Jorge Amado -> (51) 3495.2746
– Sindilojas Gravataí – Rua Adolfo Inácio de Barcelos, 336
– Colégio Dom Feliciano – Av. José Loureiro da Silva, 655
– Colégio Cenecista Nossa Senhora dos Anjos – Gensa – R. Dr. Luiz Bastos do Prado, 2122

Onde pedir ajuda?

Em caso de urgência ou emergência, o cidadão pode ligar para a Guarda Municipal 153, Corpo de Bombeiros 193 ou entrar em contato com a Defesa Civil pelo WhatsApp (51) 9.9677.5371.

SOS Rio Grande do Sul

O governo do Estado tem uma página com todas as informações para ajudar em outros municípios ou o estado como um todo:

https://sosenchentes.rs.gov.br/inicial

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