Uma ‘decisão-tartaruga’ do Tribunal de Justiça (TJ-RS) cria insegurança jurídica sobre a aprovação da Reforma da Previdência, a ‘reforma das reformas’ de Gravataí conforme o prefeito Luiz Zaffalon (MDB), que ao enfrentar um déficit de R$ 1 bilhão prevê uma economia de meio bilhão nos próximos quatro anos, como tratei em artigos como Aprovada Reforma da Previdência de Gravataí: ’Outsider’ Zaffa deu aula de política; ‘É vitória da sociedade’.
Na manhã deste domingo chegou a meu WhatsApp mensagem do ex-vereador Dimas Costa (PSD), que foi candidato a prefeito em 2020 e é um dos principais críticos da reforma, com PDF da decisão do desembargador Francesco Conti que determina apreciação de emenda proposta pela vereadora, e sua companheira, Anna Beatriz da Silva (PSD).
– Eu tinha convicção de que o meu direito como parlamentar de emendar havia sido cerceado. A decisão me garante isso. Como, ao que tudo indica, o projeto já foi promulgado, isso tolhe o direito de apresentar a emenda, mesmo com essa decisão. Já estamos conversando com os advogados, para ver a melhor forma de reparar esse dano – diz Anna.
É por isso que chamo ‘decisão-tartaruga’.
O relator aceitou o recurso – feito em apelação de Anna e dos vereadores Bombeiro Batista (PSD) e Fernando Deadpool (DEM) após negativa da Justiça de Gravataí – 38 dias depois do conjunto de leis da Reforma da Previdência já restar promulgado pelo prefeito, o que trato em artigos como Ação judicial pede anulação da Reforma da Previdência de Gravataí e Justiça de Gravataí nega liminar para anular Reforma da Previdência; À espera de um milagre.
E alerto para a insegurança jurídica porque, em sua decisão de sexta, o desembargador aceita a argumentação de que houve abuso de autoridade pela Presidência da Câmara ao proibir a apresentação da emenda, mas não anula a votação que já aconteceu e nem a promulgação da lei.
Traduzindo do juridiquês: permite votar uma emenda relativa a um projeto que já virou lei e, em 90 dias a contar de 9 de junho entra em vigor, conforme a ‘noventena’ já em curso e necessária para questões previdenciárias.
Antes de analisar, trago os principais trechos da decisão e o que dizem os envolvidos.
O desembargador considerou que “ao menos nesta análise preliminar, é possível verificar a relevância da fundamentação apresentada pela impetrante, uma vez que o regimento interno da casa legislativa determina o encaminhamento das emendas às proposições apresentadas para as comissões competentes, com posterior julgamento em conjunto com o projeto principal (…) Ainda, o risco de ineficácia da medida decorre da possibilidade de promulgação e produção de efeitos da proposição impugnada com possível vício, o que a parte impetrante almeja evitar”.
Mas Francesco Conti avalia como “desnecessária, porém, a suspensão da tramitação do projeto. Na hipótese, é cabível o deferimento da tutela antecipada recursal em parte, a fim de determinar o encaminhamento da proposta apresentada pela parte agravante conforme o regimento interno da casa legislativa. Tal medida visa antecipar os efeitos da tutela pretendida diante dos indícios de ilegalidade acima mencionados, sem, contudo, obstar o debate na Câmara sobre a matéria como ocorreria caso determinada a suspensão da tramitação”.
E decide, criando a confusão: “Defiro em parte, portanto, a tutela antecipada recursal, para determinar à autoridade coatora que dê encaminhamento à proposta apresentada pela parte recorrente na forma regimental, nos termos da fundamentação”.
A íntegra da decisão você acessa clicando aqui.
Vinícius Alves, advogado de Anna, Bombeiro e Deadpool, ingressa nesta segunda-feira no TJ com embargos declaratórios para esclarecer a decisão.
– O desembargador pode determinar a revogação da lei, ou até a nulidade. Meu entendimento é de que a Emenda à Lei Orgânica precisa ser votada novamente e há possibilidade de apresentação de outras emendas inclusive – argumenta.
– Não há dúvidas, porém, que a decisão comprova que houve vício, erro no rito de votação, quando o presidente do legislativo não aceitou a apresentação de emenda – conclui.
A emenda de Anna anulava a ampliação do tempo de serviço e contribuição em 7 anos para mulheres e 5 para homens, o que configura o principal pilar da reforma. Nada muda em relação à aprovação do aumento na contribuição da Prefeitura de 15,7% para 20%, e nem na taxação de aposentados e pensionistas em 14% sobre o que ultrapassa o salário mínimo.
– A parte patronal majorada já está contemplada na folha de julho, a ser paga em 3 de agosto – confirma o secretário da Fazenda, Davi Servergnini, que também é advogado e considera a decisão uma “vitória de pirro”.
Com a expressão comumente usada no jargão da política – que já está em dicionário e descreve uma “vitória que é conquistada por meio de um alto preço; vitória que representa uma derrota, em que os prejuízos superam os benefícios da conquista” – Davi, que sempre refere a questão previdenciária como a Falha de San Andreas de Gravataí, quer dizer que, na pior das hipóteses, poderia haver um atraso, mas não uma derrubada da reforma, o que apenas prorrogaria o enfrentamento ao déficit bilionário hoje custeado majoritariamente pela Prefeitura.
– Quando se fala Prefeitura significa sociedade, que é quem estava pagando a conta – alerta, lembrando que, com reforma aprovada, o custeio é dividido 51% para a Prefeitura e 49% para o funcionalismo.
É o mesmo entendimento que tem a procuradora-geral de Gravataí, Janaína Balkey:
– Essa ação foi mais uma tentativa de criar um fato político e tumultuar a tramitação da reforma, até porque a autoria não teria as 7 assinaturas necessárias para emendar.
– A própria proponente se contradiz porque, como ainda estava pendente de votação em segundo turno, poderia tentar protocolar a emenda e não tentou – acrescenta, dizendo confiar nos esclarecimentos que serão feitos pela Câmara, que é a parte que tem 10 dias para contestar ou cumprir a decisão do TJ.
– Ainda não fomos citados. Tomaremos medidas para desconstituir essa decisão trazendo entendimento a realidade dos fatos – diz o procurador-geral da Câmara, Jean Torman.
– O que na ocasião não se mostrou viável creio ainda não ser. A vereadora não está impedida de emendar e nunca foi. Mas tem que cumprir os requisitos determinados na lei, como, por exemplo, apresentar um terço de assinaturas dos vereadores – conclui.
– Antes da citação, manifesto-me politicamente: a aprovação por ampla maioria dos vereadores, que nas urnas representam 100% da população, mostra que a reforma era uma necessidade compreendida pela sociedade – diz o presidente da Câmara, Alan Vieira (MDB).
Sigo eu.
Politicamente hoje Anna, que vira ‘Rainha do Funcionalismo’, Bombeiro e Deadpool, tem um ganho imediato perante aos servidores públicos que já calculam mais fins de mês perpétuos com as novas regras.
Porém, amanhã, aconteça o que acontecer – inclusive o pior, que seria a anulação judicial das votações de junho e uma eventual manobra da oposição para atrasar a tramitação apresentando uma série de emendas – a reforma restará aprovada ainda em 2021.
O governo Zaffa, que venceu por 16 a 5 em primeiro e segundo turno, mantém a fidelidade, e a convicção de sua base de vereadores.
Ao fim, é como um 6 escrito na areia, que alguns podem dizer que é um 9, mas restará apagado quando a onda passar. Assim como essa ‘decisão-tartaruga’; e inócua.
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