coluna da marcilene

Decisões, escolhas e consequências

Há muitos motivos para que tomemos decisões, para que façamos coisas ou para que deixemos de fazê-las. Às vezes, algo é feito porque é preciso; noutras vezes, porque pode ser feito. Há, ainda, casos em que fazemos porque acreditamos que é a única coisa a ser feita.

Seja qual for o motivo, a grande questão nas escolhas e nas decisões é que elas nunca são individuais. Claro que todos nós acreditamos que as escolhas são nossas e de mais ninguém e desejamos que seja assim. Mas é importante lembrar que as escolhas que fazemos são sempre escolhas que já foram feitas anteriormente.

Vivemos em uma rede em que é impossível romper um fio sem que haja consequências no restante da teia. E não falo apenas dessa rede formada e mediada pela tecnologia. Falo das redes que se constituem a partir do momento em que nos vemos no mundo como seres humanos.

Voltando às escolhas, lembro-me de uma frase dita pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, após o escândalo envolvendo a estagiária da Casa Branca, Mônica Lewinski, na década de 1990. Questionado sobre o motivo pelo qual se envolveu sexualmente com a estagiária, Clinton afirmou: “Fiz porque podia fazer. E esse é o pior dos motivos”.

Sim, ele admitiu o envolvimento com a estagiária. E o mais interessante no mea culpa do ex-presidente não foi o fato de ter admitido. O mais significativo, na minha avaliação, foi ele ter mencionado o motivo.

Talvez, as pessoas esperassem que ele dissesse algo como “me apaixonei por ela”, “pensei que ela queria”. Mas ele disse: “Fiz porque podia fazer”. Uma pessoa investida do mais alto cargo dentro de um dos países mais poderosos do mundo pode fazer coisas apenas por ocupar esse lugar.

Se pensarmos em nossas vidas, perceberemos que fazemos muitas coisas apenas porque podemos fazer, porque há uma autorização (nem sempre explicita) que nos leva a agir e determinadas maneiras e a fazer escolhas.

Poderia mencionar várias situações recentes para ilustrar, mas volto um pouco no tempo para pensar nos avisos colocados em frente a casas noturnas e outros estabelecimentos comerciais, na primeira metade do século XX, que avisavam aos negros e “as pessoas de cor” que eles não poderiam entrar. Isso era feito porque era possível e permitido fazer.

Ainda presenciamos cenas de limitação de acesso a determinados lugares em função da cor de pele, mas não se trata mais de uma questão legal ou moralmente aceita. O preconceito, não se iludam, tem histórica, tem nome, tem sobrenome, tem regras. Nada é por acaso, nenhuma escolha é aleatória ou meramente individual.

Estamos hoje diante de uma situação nunca vista no Brasil. As recomendações dos órgãos de saúde são para que evitemos aglomerações, reuniões e, se possível, saídas de casa. Usamos a palavra quarentena, mas ela não se aplica de forma absoluta porque ninguém está impedido de sair de casa, a não ser pessoas que possuem suspeita de ter contraído vírus.

Nós, mesmo diante a eminência de uma pandemia de um vírus mortal, podemos fazer escolhas. Mas vejam bem: eu posso escolher não sair de casa porque é a melhor coisa a fazer ou porque posso fazer. Para algumas pessoas (muitas delas), que não têm o privilégio de poder trabalhar em casa, a melhor escolha será pegar um ônibus e ir para o trabalho do outro lado da cidade.

Onde quero chegar com isso? Escolhas não são absolutas. O mundo gira em torno do sol e não há um astro rei a girar em torno do nosso próprio eixo. Tudo o que fazemos, tudo o que escolhemos tem consequências não apenas nas nossas vidas.

Não existem escolhas individuais. Somos seres coletivos e formamos um ecossistema interdependente. Escolher não sair de casa, se essa for uma escolha possível, não diz respeito a você apenas.

 

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