O gravataiense Ademir Domingos Pinto da Silva, de 54 anos, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por participação nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
A defesa considera a condenação do vendedor ambulante, morador da parada 67, “o caso mais gritante, mais berrante, que mais envergonha a Suprema Corte” brasileira.
– É revoltante que ministros não tenham lido uma linha sequer do processo do Ademir. É uma denúncia genérica, idêntica a milhares relacionadas a pessoas que foram seqüestradas, sem nem saber que havia mandado de prisão. A defesa foi ignorada. É um faz-de-conta. Já estavam condenados antes de serem presos – disse ao Seguinte:, de Brasília, Tanieli Telles de Camargo Padoan, advogada do ambulante que ficou quatro meses preso na penitenciária da Papuda e hoje é monitorado por tornozeleira eletrônica.
Conforme o STF, a pena imposta a Ademir e outros 14 réus foi de um ano de reclusão pelo crime de associação criminosa e multa de 10 salários mínimos (valores de janeiro de 2023) por incitação ao crime.
A pena de detenção foi substituída por restrição de direitos: 225 horas de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, participação presencial no curso “Democracia, Estado de Direito e Golpe de Estado”, elaborado pelo Ministério Público Federal, proibição de se ausentar da comarca de residência e de usar redes sociais e retenção dos passaportes até a extinção da pena.
A condenação também prevê a revogação do porte de arma dos que eventualmente o tenham. Além disso, os réus dividirão a indenização por danos morais coletivos, no valor mínimo de R$ 5 milhões, com outros condenados pelos atos antidemocráticos.
Os envolvidos deixam de ser réus primários quando se encerrar a possibilidade de recursos e a decisão se tornar definitiva (trânsito em julgado).
Os 15 réus do julgamento no plenário virtual, mesmo tendo cometido crimes de menor gravidade, rejeitaram o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) proposto pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para evitar a continuidade da ação penal.
Segundo a denúncia oferecida pela PGR, os 15 réus permaneceram no acampamento montado no Quartel General do Exército, em Brasília, enquanto outro grupo se deslocou para a Praça dos Três Poderes e invadiu e depredou os prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF.
A PGR considera que, como os crimes têm origem em uma atuação coletiva (ação multitudinária), mesmo não tendo participado de todas as fases, os acusados dividem uma parcela da responsabilidade. No caso desses réus, a denúncia abrangeu os crimes de associação criminosa (artigo 288, caput, do Código Penal) e incitação ao crime (artigo 286, parágrafo único, do CP), por estimularem as Forças Armadas a tomar o poder sob a alegação de fraude eleitoral e de exercício arbitrário dos poderes constituídos.
A maioria do plenário acompanhou o voto do ministro Alexandre de Moraes no sentido de que, como se trata de uma ação conjunta com a mesma finalidade e executada por diversas pessoas, não há dúvida de que todos contribuem para o resultado como coautores. Ele destacou que os réus tinham conhecimento prévio da incitação ao golpe de Estado e que sua permanência no acampamento até o dia seguinte aos atos comprova a “finalidade golpista e antidemocrática, que visava à abolição do Estado de Direito” com a deposição do governo legitimamente eleito em 2022.
O ministro frisou que mais de 400 réus em situação idêntica optaram por confessar a prática dos crimes e firmar o ANPP.
Com os votos também favoráveis de Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flávio Dino, restaram vencidos os ministros André Mendonça e Nunes Marques, que consideraram não haver provas suficientes para a condenação.
Conforme a defesa do gravataiense Ademir, o vendedor ambulante foi preso com mercadorias, como camisetas, bonés e bandeiras, que comercializava no QG do Exército, onde teria chegado às 19h do 8 de janeiro, portanto após os atos de vandalismo. Ele precisou passar a noite no acampamento ao ser impedido pela polícia de deixar o local. No dia seguinte, foi preso junto a todo grupo e levado para a Papuda.
– Ele ficou quatro meses na cela com mais de R$ 5 mil em notas, trocados, das vendas. Há fotos das mercadorias apreendidas. Apesar de ser um vendedor ambulante, a sentença de condenação ignora os fatos e o descreve como manifestante inconformado com o resultado da eleição. Se tivessem lido o processo, teriam visto que era apenas um sacoleiro que aproveitou o evento para ganhar a vida de forma digna. É triste. Nem bolsonarista Ademir é – diz Tanieli Padoan, acrescentando que o gravataiense não fez nenhuma postagem de cunho político referente à eleição de 2022, “nem sobre Bolsonaro, nem sobre Lula, nem ninguém”.
A advogada explica que foi de Ademir a decisão de não aceitar o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) proposto pela Procuradoria-Geral da República (PGR), para evitar a continuidade da ação penal.
– Implicaria assumir a culpa. Ele acreditava que seria absolvido. Ademir é um inocente condenado pela mais alta instância do judiciário brasileiro. Com essa condenação, tenho certeza de que ninguém mais será absolvido – conclui a advogada.
Ademir também falou com o Seguinte:, mas está proibido pelo STF de se manifestar publicamente.