Quando chamo Cláudio Ávila de ‘Dr. Golpeachment’, não é por nada. O advogado é especialista, tanto que ajudou a cassar em 2011 a prefeita de Gravataí Rita Sanco e o vice Cristiano Kingeski e, em 2019, ajudou a livrar do impeachment o prefeito e o vice de Cachoeirinha, Miki Breier e Maurício Medeiros. Nesta sexta, no socorro à vereador Silvia Eccel, de Glorinha, a personagem ímpar assina defesa que fulmina o processo.
O Seguinte: teve acesso com exclusividade à argumentação protocolada no legislativo.
Como nos golpeachment de 2011 e 2019, Ávila foca no ‘rito’ processual, antes mesmo de entrar no mérito do que chama de “golpezinho fajuto”, como tratei nos artigos Câmara abre processo que pode cassar vereadora, Dr. Golpeachment defende vereadora da cassação; ’golpezinho fajuto’ e Prefeito revoga ’gratificação da cassação’; deixa vereadora mal.
Aos menos familiarizados com o rolo, a Câmara de Glorinha aprovou uma Comissão Processante proposta pela mesa diretora que pode levar à cassação do mandato da vereadora do PSD.
O argumento da denúncia, traduzindo do juridiquês, é que a parlamentar recebe vantagens indevidas da Prefeitura, onde trabalha como orientadora pedagógica cedida por Taquara, o que comprometeria sua isenção como legisladora e fiscalizadora do poder executivo.
Silvia acumula os salários de vereadora, R$ 4,8 mil e de professora, além de benefícios como uma gratificação de cerca de R$ 400, mais vale-alimentação e cesta básica, o que, por 5 votos contra 4, foram considerados indícios de quebra de decoro e improbidade.
Na defesa, Cláudio Ávila desvela a ilegitimidade da Mesa Diretora da Câmara de Glorinha para apresentar a denúncia, com base no decreto 201, de 1967, o mesmo do ditador Castelo Branco usado nos golpeachments contra Rita e Miki.
– Ao legitimar o denunciante, o mencionado Decreto-Lei trouxe uma obrigatoriedade, a necessidade desse ser eleitor. Não se permite o oferecimento da denúncia por Órgão Público, por pessoa jurídica e, inclusive, por pessoa física que não esteja na condição de eleitor – observa, classificando a Mesa Diretora como “uma ficção jurídico-administrativa”.
– A denúncia e a comissão processante devem ser extintas – apela, apontando outra irregularidade, caso seja admitida a denúncia feita pela Mesa Diretora: a impossibilidade dos membros (Rafael Schmidt, Erico Scherer, Geani Duarte e Delmir Maciel) terem votado a abertura da CPI.
Traduzindo o juridiquês, não poderiam os vereadores ter agido como denunciantes e julgadores da admissibilidade da própria denúncia que fizeram. Um clássico In malam partem, ou “para mal do réu”, como diz expressão do Direito, usada inclusive no voto do ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, nesta quinta, ao se manifestar favorável à impossibilidade de prisão em segunda instância, antes do trânsito em julgado no STF.
Cláudio Ávila também usa uma estratégia que deu certo em Cachoeirinha: o atropelo na apresentação e votação da abertura da CPI. No golpeachment contra Miki, o juiz Edson Corso, da 3ª Vara Civel, suspendeu o processo pelos vereadores terem recebido a pauta, com a denúncia, minutos antes da sessão. Em Glorinha, a alegação é a mesma: a pauta, com 170 folhas, foi distribuída às 15h por WhatsApp.
– Os vereadores não podem ser surpreendidos, independentemente da existência de prazo mínimo ou não para inclusão de temas na ordem do dia – observa o defensor, transcrevendo pronunciamento do vereador Everaldo Raupp que disse não ter tido tempo de apreciar a denúncia e a documentação protocolada três horas antes da sessão.
– Aos edis não se concedeu prazo razoável para ler e estudar a denúncia ofertada pela Mesa Diretora, Órgão composto pelos responsáveis pela divulgação da Ordem do Dia – sustenta a defesa.
Por hora, sobre o mérito das denúncias, a defesa de Silvia silencia:
– A defesa reserva-se ao direito de manifestar-se após o colhimento de toda a prova produzida e posteriormente ao encerramento da instrução processual.
Analiso.
Robusta a defesa do ‘Dr. Golpeachment’.
A regra é clara.
Recomenda-se aos vereadores, caso queiram dar curso à denúncia, usar do mesmo veneno de Ávila em 2011, em Gravataí: ao perceber que a defesa da prefeita derrubaria o golpeachment pela participação de vereador impedido na aprovação da comissão processante, o advogado orientou pela reapresentação da denúncia. Três meses depois, Rita restou cassada.
Ao fim, em Glorinha, será preciso achar um eleitor corajoso para assinar a denúncia e pendurar a vereadora na figueira.