Já resta um caso policial o desdobramento da denúncia de pilhas de roupas abandonadas junto a documentos com dados pessoais de usuários do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) Herbert de Souza, desativado na Vila Fátima, em Cachoeirinha.
Alegando ser uma ordem direta do prefeito Cristian Wasem (MDB), o vereador Mano do Parque (PL) registrou boletim de ocorrência após ser impedido de ingressar no órgão público para fiscalizar a retirada do material nesta sexta-feira.
Ontem o parlamentar tinha protocolado notícia-crime no Ministério Público após entrar no órgão público e filmar as roupas e documentos espalhados pelo chão. O Cras é responsável, por exemplo, pelo CadÚnico, o cadastro para famílias beneficiárias do Bolsa Família.
Reproduzo o documento e, abaixo, sigo.
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Ao tentar entrar novamente no Cras, nesta manhã, Mano foi barrado por servidor da Prefeitura que, conforme ele, estava ao telefone com o prefeito.
– Me mostrou a tela do celular com a foto do WhatsApp do prefeito, ouvi a ordem. Fui barrado de forma truculenta, impedido de exercer minha função constitucional de fiscalizar – disse ao Seguinte: o vereador, que postou vídeo da confusão, que você acessa clicando aqui.
– As roupas são oriundas de doações para flagelados pelas inundações? Por que não foram distribuídas? E, agora, para onde vão? – questiona Mano, que também alerta para o descaso, por parte da Prefeitura, com a proteção de dados dos usuários do serviço público.
A Prefeitura se manifestou por nota oficial. Reproduzo na íntegra e, abaixo, analiso.
“(…) A Prefeitura de Cachoeirinha esclarece que o CRAS Herbert de Souza está fora de operação desde o ano de 2021. Atualmente, os serviços que eram prestados neste local foram transferidos para o CRAS Anair. A mudança ocorreu devido à necessidade de melhorias no prédio, sendo o CRAS no bairro Anair foi considerado mais adequado para atender às demandas locais.
Em relação às roupas encontradas no local, muitas delas foram armazenadas devido ao seu caráter sazonal, sendo as peças de verão mantidas para uso futuro e as de inverno, que não estão em condições de uso, armazenadas em um local separado para descarte apropriado.
Quanto aos documentos encontrados, informamos que todas as informações contidas foram digitalizadas e os documentos estão aguardando a contratação de serviço para descarte adequado. Todas as caixas estavam devidamente protegidas das condições climáticas e preparadas para o serviço de descarte.
Recentemente, o local passou a contar com uma obra do município ao lado, onde trabalhadores estavam tendo acesso ao prédio e, por um equívoco, a ser analisado, deixaram a porta da antiga unidade aberta.
Agradecemos a compreensão da comunidade durante este processo de reorganização e garantimos o compromisso com a segurança e o correto tratamento de todos os materiais encontrados no antigo CRAS Herbert de Souza (…)”.
Sigo eu.
Vamos à análise.
O impedimento à entrada do vereador no Cras é uma questão controversa. A denúncia de Mano de foi barrado em uma ação supostamente truculenta de servidor público será investigada pela Polícia, mas não resta consagrada a garantia de acesso ilimitado de vereadores em órgãos públicos.
A Lei Orgânica Municipal diz, no artigo 24, que é competência da Câmara de Vereadores “fiscalizar e controlar diretamente os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta, na forma da Lei”.
Mas decisões de tribunais já derrubaram leis municipais que garantiam acesso irrestrito de parlamentares a órgão públicos – principalmente com câmeras –, considerando indevida ingerência do Legislativo no Executivo.
Um exemplo é decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que reconheceu a inconstitucionalidade de uma lei de Votorantim, de iniciativa parlamentar, que regulamentava o livre acesso dos vereadores às repartições e instalações públicas municipais.
Na ADI de 2021, a Prefeitura alegou violação do princípio da separação dos poderes. Em votação unânime, a ação foi julgada procedente.
O entendimento foi de que o poder de fiscalização da Câmara de Vereadores sobre a Prefeitura não é irrestrito, sujeitando-se aos limites impostos pela própria Constituição, que garante o ‘poder de polícia’ apenas em casos de comissões como CPIs.
A Prefeitura não fez referência ao caso a nota, apesar do pedido do Seguinte:.
Já sobre as roupas e documentos, que a Prefeitura também não explicou a origem das doações, reputo um erro, principalmente no pós-enchente e em meio ao frio do inverno, deixar estragando e sem distribuição peças que os vídeos feitos pelo vereador Mano mostram que não eram todas para descarte.
Sobre os documentos, mesmo que as caixas tenham sido abertas por terceiros, conforme suspeita a Prefeitura, podem pedir indenização ao município os usuários que considerarem não ter seus dados protegidos, conforme a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (lei 13.709/2018).
Diz o artigo 42: “O controlador ou o operador que, em razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à legislação de proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-lo”.
No caso, não deve acontecer, já que o material foi recolhido e não se tem notícia de uso indevido, mas serve de alerta para casos futuros.
Ao fim, é preciso cobrar mais cuidado do ‘estagiário da vez’, prefeito Cristian.