3º NEURÔNIO

Dia do Professor: além de honras rasas e falsa valorização

Tentar agradar a quem ensina com lisonjas mal pensadas no 15 de outubro é um equívoco: valorização real e infraestrutura são bem mais úteis. A voz de 27 docentes do Brasil e sua mensagem de incentivo a colegas”. Recomendamos o artigo de Vinícius de Andrade, do projeto Vozes da Educação, publicado pela DW


“Professores, vocês são importantes”.

Esse foi o título da coluna que escrevi ano passado em homenagem ao Dia do Professor. A ideia foi trazer relatos de pessoas que foram marcadas por algum professor e, ingenuamente, achei que era exatamente o que qualquer profissional da área gostaria de ler.

Quando foi publicada, eu li algumas reações e entendi que falhei em supor o que os professores gostariam de ouvir. O mesmo erro é cometido por muitos e avança também para suposições sobre o que sentem, precisam, sabem e devem fazer.

Neste ano eu decidi não errar novamente e consultei 27 professores da rede pública, um de cada região brasileira, que toparam contribuir com nossa coluna. Nos próximos parágrafos eu serei apenas um mediador das palavras e perspectivas desses profissionais, e espero fazer justiça à confiança que depositaram em mim.


Elogios “maquiam” dificuldades


A primeira tarefa foi entender melhor sobre o que eles já estão cansados de ouvir no dia 15 de outubro. Grasiela, professora em São Paulo, ressalta que ainda é muito prazeroso quando um estudante genuinamente a parabeniza e agradece pela aula. No entanto, reconhece: há sim uma propagação de frases já batidas:

– Vocês deveriam ganhar mais do que um médico, um advogado e um jogador de futebol” e “Professor, a profissão que forma todas as outras” são as mais comumente utilizadas.

Dizem que somos importantes, porém não nos sentimos minimamente com esse valor atribuído pelo discurso – diz Alan, professor no Acre.

Gabrielly, professora no Rio Grande do Norte, acredita que “o problema não é necessariamente pelos sentidos literais das frases, mas sim pela representação delas, pois traduzem uma visão global em relação à profissão docente.”

Segundo Matheus, professor em Alagoas, o efeito é negativo:

– Colabora para uma associação da data com o fato de a profissão ser encarada como vocação. Muitas vezes essa fala acaba naturalizando as contradições do dia a dia e as dificuldades, como se elas fossem inerentes à profissão e devido à vocação nós devemos aceitar.

Muitos concordam com os dois: há uma associação da profissão com dom, missão e até mesmo os comparando com missionários, como ressalta o Eduardo, professor de Goiás.

Toda essa romantização, e até mesmo mistificação, abre margem para que toda a ciência e formação necessária para se tornar docente seja totalmente subestimada e desvalorizada.

– É uma profissão que exige uma formação teórica científica profunda e específica. Não é sexto sentido e não envolve nada sobrenatural, mas sim o resultado de um processo formativo de discussões teóricas associadas à prática pedagógica eficiente e muito bem fundamentada – aponta Jobson, professor em Pernambuco.

Ana, professora em Santa Catarina, acredita que toda a problemática tem raízes profundas:

– Vivemos num país que, historicamente, não valoriza a educação e precisa criar narrativas para maquiar a dura realidade do que é ser professor. Maquiam a desvalorização, as duras cargas e o fato de que para sobreviver nós precisamos trabalhar em duas, três, ou até em mais escolas, e ter jornadas que vão para além da sala de aula.


O elogio ideal que nunca se ouviu


Nesse contexto, é inevitável que haja uma grande hipocrisia e superficialidade nas homenagens do dia 15 de outubro.

– Muitas dessas homenagens são de pessoas que, quando vamos para as manifestações, nos chamam de vagabundos e reclamam que temos que trabalhar – conta Rebeca, professora no Ceará.

Além disso, alguns citaram que já estão cansados de ouvir que não trabalham, não fazem nada e de terem seus trabalhos questionados por qualquer um que assim deseje, mesmo sem qualquer embasamento teórico.

É uma pena, mas a superficialidade das homenagens não vem somente dos agentes externos às escolas. Gisele, professora no Rio Grande do Sul, diz que algumas vezes também nota isso vindo dos estudantes, como uma espécie de parabéns forçado e não genuíno.

Assim como ela, outros também disseram que não se sentem valorizados por alguns alunos. Já para a Ana Paula, professora na Paraíba, “o que me deixa mais entristecida é quando a desvalorização vem da própria equipe escolar”.

Mas afinal, o que um professor nunca ouviu no seu simbólico dia, mas gostaria? Fiz essa pergunta e uma resposta recorrente me surpreendeu:

– Gostaria que alguém dissesse assim: “Professor, quero ser um professor igual ao senhor”. Eu gostaria muito de ouvir isso, mas nunca ouvi – lamenta Josué, professor no Amapá.

Outros disseram que gostariam de ser escutados, e que se mostrasse verdadeira preocupação com a carga que estão enfrentando e o impacto que ela causa na saúde mental de cada um. Há poucos espaços de acolhimento e oportunidade para expressarem seus reais sentimentos. Kamila, professora em Brasília, lamenta nunca ter ouvido um pedido real de desculpas por parte daqueles que durante todo o ano não valorizam seu trabalho, e tentativas reais de melhorias nas condições de trabalho.

Ana Paula sonha com uma abordagem do tipo:

– Professores, entendemos sua sobrecarga, suas enormes responsabilidades e tudo bem não estar sempre bem, não conseguir dar conta de todos os projetos, de todos os planejamentos e de todas as atividades diferenciadas/lúdicas.Tudo bem você fazer as coisas dentro do seu limite, no seu tempo, desde que cumpra suas obrigações.

Além disso, a maioria entende que a data seria uma excelente oportunidade para que a sociedade se mobilizasse para cobrar dos governantes que mudanças reais e concretas sejam minimamente pensadas. As próprias instituições deveriam utilizar a data para a organização de eventos em que os professores sejam o foco e que tenham a oportunidade de opinar e ser agentes ativos da construção de uma carreira com mais possibilidades, recursos, suporte e, principalmente, valorização.


Mensagem de encorajamento aos colegas


Para concluir, eu perguntei o que eles diriam para seus colegas professores que estiverem lendo esta coluna, e a mensagem a seguir é a homenagem deles a vocês:

“Professores, somos agentes que formam cidadãos aptos a atuarem na sociedade. Podemos ajudar nossos alunos a construírem um futuro melhor através da educação. Não desistam da nossa profissão. Resistam e lutem contra nossa desvalorização e contra os ataques que recebemos diariamente. Diante do momento que estamos vivendo, precisamos ser corporativistas e elegermos pessoas que irão nos representar verdadeiramente, pessoas que conheçam nossa profissão e que estarão na luta conosco e de mãos dadas com a educação.”

“Só seremos valorizados como almejamos quando estivermos unidos em torno de projetos políticos que realmente promovam o desenvolvimento de nossos alunos. Temos uma dupla missão em nossa atuação: a primeira, que diz respeito a nós mesmos, em que tentaremos garantir nossos direitos e a valorização que nossa profissão exige; e a outra, que diz respeito aos nossos alunos, já que é a escola uma das poucas oportunidades oferecidas para essas crianças e jovens que têm apenas ela como referência. Tenha orgulho em ser professor, rejeite qualquer pessimismo que paire sobre nós e oponha-se, primordialmente, àquelas figuras públicas que deslegitimam nosso trabalho e disseminam inverdades sobre nossa conduta.”

“Precisamos estar sempre estudando, nos formando, crescendo e aprendendo. Precisamos perceber que há muito o que aprender com os nossos alunos, é muito importante o exercício da humildade e da alteridade.”

“Precisamos nos libertar de preconceitos e acolher amorosa e afetivamente nossos alunos, que cada vez mais estão gritando por socorro, diante desta sociedade que nos adoeceu.”

Agradeço a confiança, contribuição e disponibilidade de cada um dos 27 incríveis profissionais da educação que ajudaram nesta coluna. São eles:

Jobson Jorge da Silva, professor em Pernambuco

Rafaelle da Silva Pimentel: professora no Maranhão

Maria Neide dos Reis Santos, professora em Sergipe

Iure Alcântara dos Santos Barros, professor na Bahia

Gliciane Sousa Sucupira Mendes, professora no Piauí

Gabrielly Thiciane dos Santos Andrade, professora no Rio Grande do Norte

Rebeca Veloso, professora no Ceará

Ana Paula Bezerril Celestino, professora na Paraíba

Matheus Carlos Oliveira Lima, professor em Alagoas.

Giseli Taffarel Marcolin, professora no Rio Grande do Sul

Ana Carla Zultanski. professora em Santa Catarina

Romilda Oliveira Santos, professora no Paraná

Luciana Arleu Vieira, professora no Rio de Janeiro.

Maria do Carmo Lima Miranda Caldeira, professora em Minas Gerais

Grasiela Vendresqui Romagnoli, professora em São Paulo

Marcela Costa Castro, professora no Espírito Santo

Maykon Costa de Oliveira, professor no Mato Grosso do Sul

Patricia Alves Santos Oliveira, professora no Mato Grosso

Kamila Rodrigues dos Santos, professora em Brasília

Eduardo de Faria Viana, professor em Goiás

Marta Barbosa da Silva, professora em Rondônia

Josué Pereira de Lima, professor no Amapá

Kaylly Ferreira Miranda, professor no Tocantins

Alan Henrique Oliveira de Almeida, professor no Acre

Vandyson Cleyton Pino Costa, professor no Pará

Leonor Benfica Wink, professora no Amazonas

Janicélia Miranda Bedoni, professora em Roraima

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