Depois de mais de cinco anos no Rio de Janeiro, em 2 de março aterrisei no aeroporto Salgado Filho cheia de saudades da família, amigos e lugares. Nos primeiros dias consegui ver algumas pessoas, nos aniversários do tio Zé, da Daise e da Júlia. Visitei minha avó, que em razão do Alzheimer mora há anos numa clínica. Recebi a visita da minha amiga-irmã Josi (são quase 30 anos de amizade). Havia alguns planos; embora os primeiros casos do novo coronavírus já estivessem sendo notícia no Brasil, o “bichinho” ainda não havia chegado aqui. Pelo menos dessa vez foi bom as coisas demorarem um pouco mais para chegarem no pé do país.
Dia 15 de março foi o aniversário de 40 anos de casamento dos meus pais. Fomos à missa, onde eles receberam uma benção especial. Depois fizemos o tradicional churrasco em casa e teve até um bolo que decorei com um coração. Foi o último dia que os abracei. Naquela semana já foi recomendado o isolamento social para esses lados.
Desde então, evito ficar muito perto da mãe e do pai e não os deixo sair de casa para nada. Tudo que é preciso da rua sou eu que faço: farmácia, banco, mercado, até na loja de ferragens comprar pregos eu fui. Quando chego em casa, deixo o sapato na entrada, largo as compras na mesa do pátio para esperar 3 dias antes de usar (se for algo urgente ou que precise de geladeira, a mãe passa álcool) e corro para o banho. As compras grandes de mercado a gente pede delivery. E sou eu que vou ao portão receber o entregador e passar o cartão. Meus pais já estão na casa dos 70, então quanto menos tiverem contato com a rua, melhor.
A maior preocupação é com meu pai, que além da idade já passou duas vezes pela UTI (e ele mesmo diz que nasceu de novo): há 14 anos perdeu o pulmão esquerdo e há 2 anos colocou marcapasso no coração. E como ele não é gato que tem sete vidas, melhor não abusar da sorte.
Saio na rua com o coração apertado, nem tanto por medo de pegar o vírus, é mais por temor de passar para meu pai. Até uma pneumonia é perigosa para ele, imagina esse vírus? É triste ver ele preocupado quando chego da rua, dizendo para eu não encostar em nada e ir logo para o banho. Mais triste ainda é evitar os abraços. Daqui uns dias é aniversário da mãe (Muitas felicidades, mãe!) e não vou poder dar aquele abraço apertado nela. Logo depois será o aniversário do pai (Muitas felicidades, pai!) e também terei que parabenizar sem encostar. Angustiante. É terrível não saber até quando essa situação vai.
As visitas na clínica da vó estão suspensas desde 16 de março. Vemos a nonna só por fotos e vídeos. Ela completou 93 anos no dia 5 de abril, sem que pudéssemos estar perto. A gente não sabe se ela ainda nos reconhece (a vó já não fala mais), mas com certeza sente o carinho. Quem tem familiar acamado sabe que quando o inverno se aproxima a gente fica com medo, porque o frio aumenta o risco de problemas respiratórios. Agora o medo é ainda maior.
Tenho procurado ocupar a cabeça para não pensar muito e não pirar. Meus artesanatos em feltro têm sido ótima terapia. Com a mãe, aproveitamos o tempo para arrumar bagunças há muito acumuladas. O pai, com seus dotes de carpinteiro, tem feito serviços que estavam pendentes há tempos: um balcão novo para o tanque, uma caixa de lenha, portas para a “casa” do gás e para o “depósito” embaixo da escada do pátio. Só deixo os dois saírem de casa uma vez por semana, quando eles vão até a chácara respirar um ar puro e trazer frutas, aipim, verduras. Mas vão com as janelas do carro fechadas, só abrem lá, que é um lugar sem outras pessoas por perto. O pai sente falta de reunir a família na chácara no domingo, mas entende que por enquanto não dá.
E assim a gente vai vivendo, enquanto espera por melhores notícias. Rezando para que seja logo. Já estou cansada de, a cada espirro, me apressar em avisar: é rinite! Pelo menos a máscara não me ataca a alergia. Sair mascarada já está se tornando tão habitual que só no fim da coluna me lembrei disso. É, são tempos estranhos. Precisamos ter fé que as coisas vão melhorar. Mas por enquanto, usem máscara e lavem bem as mãos!