Chamei de ‘emenda demagógica’ a proposta da vereadora Rosane Bordignon (PDT) que prevê no Orçamento de Gravataí para 2020 uma reposição de 19,7% para o funcionalismo por perdas inflacionárias com ‘reajuste zero’ do governo Marco Alba (MDB).
Meus argumentos, e a posição do partido presidido pela candidata a prefeita Anabel Lorenzi estão nos artigos Emenda pede reposição a funcionalismo de Gravataí; riscos da demagogia, Nota do PDT insiste na demagogia junto a servidores de Gravataí e A oposição em Gravataí mexe na bosta seca.
Se provocou polêmica e debate, a emenda e suas conseqüências permitiram uma entrevista inacreditável para muitos daqueles que acompanham mais de perto a política da aldeia.
Dilamar Soares falou comigo após três anos de silêncio; e mão recolhida no cumprimento.
Siga o que disse o vereador.
Seguinte: – Defendes a ‘emenda da demagogia’?
Dilamar – Não é demagogia. Provoca um debate necessário. É um direito constitucional a vereadora apresentá-la. Em Porto Alegre foi aprovada emenda igual. Também entendo muito bem as razões da Rosane, principalmente por conhecê-la defendendo o magistério. A Câmara não tem uma assessoria técnica e as discussões sobre o Orçamento não tem fóruns adequados para o debate mais técnico. O secretário da Fazenda foi à Câmara e tínhamos três minutos para perguntar. Deveríamos passar uma semana analisando peça tão complexa. Uso como exemplo parlamentos da África portuguesa, que costumo assistir a vídeos. Em Cabo Verde, em Angola, ministros de cada área vão ao Congresso explicar o orçamento e ouvir sugestões. Em Brasília, vira um UFC. Em Gravataí temos espaços de faz de conta para discutir o Orçamento com o governo.
Seguinte: – Se o objetivo era provocar o debate, por que tentar inscrever uma emenda com uma reposição inflacionária de 20% que, se aprovada, faria com que Gravataí desrespeitasse os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal?
Dilamar – O tema foi colocado em pauta e a polêmica está aí. Funcionou. Toda eleição se fala em valorizar a educação. Só que isso não se faz sem valorizar o professor. Tenho conversado muito com a Anabel e uma sugestão que apresentei é um abono para os professores, separando o magistério das demais categorias. Seria uma solução, já que o governo argumenta que a reposição da inflação, ou ganho real, impacta no déficit previdenciário, nas alíquotas complementares para garantir as aposentadorias. É ruim não incorporar os índices? Sim, mas seria uma saída momentânea. A fonte dos recursos pode ser os R$ 30 milhões que vão para o Positivo, um plano pedagógico que poderia ser feito pelas escolas, precisamos achar uma forma de tratar aqui nosso lixo, que é levado 100 quilômetros até Minas do Leão, e produzir dele energia termelétrica, que significa dinheiro, mesmo que em parceria com a iniciativa privada. Economizaria também na destinação de entulhos e na manutenção da área degradada do aterro da Santa tecla.
Seguinte: – O governo trabalha com um crescimento de 18% para 22% em 2020 na alíquota complementar, que a Prefeitura destina para garantir as aposentadorias. O prefeito, no Orçamento, argumenta que não há como reajustar salários ano que vem, principalmente sem uma reforma na previdência municipal. O secretário da Fazenda fala em congelamento salarial por 15 anos. Gravataí terá que fazer essa reforma, obviamente impopular para o funcionalismo?
Dilamar – É um assunto urgente, que precisa ser tratado.
Seguinte: – Anabel e os Bordignons apóiam a reforma?
Dilamar – Falo por mim: é uma construção que precisa ser feita, por governo e funcionalismo, mesmo que alguém sempre perca.
Seguinte: – Um último ano de governo é o momento certo, ou o ideal seria cada candidato apresentar sua proposta na eleição, o eleitor avaliar e o programa ser aplicado em 2021 por quem vencer nas urnas?
Dilamar – Conhecendo o prefeito Marco Alba, que não age apenas pela lógica política e eleitoral, acredito que apresentará uma reforma em 2020. Se não o fizer, o próximo prefeito precisará tratar da previdência municipal. Necessariamente precisará tratar disso. É preciso falar a verdade. Mesmo na oposição não embarquei em críticas oportunistas ao IPTU, que não aumentou em percentual acima da inflação, e sim na atualização da área construída. Não houve projeto enviado à Câmara propondo aumento de alíquota do IPTU ou do lixo.
Seguinte: – Há recomendação do Tribunal de Contas do Estado para que Gravataí atualize a planta de valores, o que foi feito a última vez em 97, no primeiro governo de Daniel Bordignon. Há como fazer esse debate sem demagogia na eleição?
Dilamar – Sem dúvida. É preciso fazer justiça fiscal, social. Para alguns pode aumentar, mas para outros diminuir. Ou as pontes do Parque dos Anjos não supervalorizaram imóveis? Como vereador sempre exerci esse papel, de mostrar a realidade.
Seguinte: – Na campanha para a Prefeitura em 2017 a candidta Rosane e o PDT bateram no IPTU e em propaganda se falou em compensar perdas de contribuintes… Anabel pensa diferente?
Dilamar – Há pressão do Ministério Público, o TCE já apontou, é um tema que precisará ser debatido.
Seguinte: – Mas a emenda de Rosane não provoca um debate tão enviesado quanto a crítica que foi feita ao IPTU?
Dilamar – Outros vereadores já apresentaram propostas de reposição salarial no passado. É um fator provocativo, para debater, já que possivelmente nem passe pelas comissões. Estou buscando assessoria com especialistas previdenciários e economistas para apresentar uma proposta ao nosso grupo, de reposição salarial e de uma solução para a previdência. O Ipag foi criado de forma errada no governo Edir Oliveira, sem um fundo para garantir aposentadorias e nem a previsão da compensação previdenciária de trabalhos anteriores em que os servidores contribuíram para o INSS. Não tinha lastro. As alíquotas de contribuição também não eram suficientes. Procurar culpados é perda de tempo, até porque cada um buscou as soluções que o momento permitia. O Bordignon também herdou dívidas com INSS, FGTS, contribuições nunca feitas pela Prefeitura. Ele assumiu em janeiro com duas folhas salariais e 13º atrasados, com um Orçamento de R$ 36 milhões. Hoje é de quase R$ 1 bi. O que fazer primeiro? Cada governo faz sua escolha de Sofia. As pessoas podem olhar para lados diferentes dessa garrafa térmica com que sirvo o chimarrão, por exemplo.
Seguinte: – Na política uma pessoa pode ver pintado no chão um 6, e outra um 9. Mas quando se trata de receita e despesa, é o que chamo de ‘ideologia dos números’. Um mais um é dois. Insisto: acha factível dar os 20% de reposição salarial indicado por Rosane na emenda? Não é tão demagógico quanto algum vereador apresentar um projeto indicativo de construção de um hospital em Gravataí?
Dilamar – Reafirmo que a emenda foi importante porque trouxe esse tema para a gente discutir de forma nua e crua. Achei Rosane extremamente corajosa ao apresentar a emenda. Nunca debatemos isso na Câmara. É preciso uma alternativa ao ‘reajuste zero’. Quem sabe não sensibiliza o prefeito a negociar? E em negociações ninguém leva tudo que pede. Os professores precisam reposição. Outras categorias do funcionalismo já foram beneficiadas. Procuradores, por exemplo, que tem os salários mais altos entre os servidores.
Seguinte: – Teremos na eleição o debate do governo que usa a fórmula ‘300 mil habitantes não podem pagar por 5 mil servidores’ e a oposição que vai incluir reposições salariais para o funcionalismo no Orçamento?
Dilamar – Não necessariamente dessa forma que colocas. Mas é preciso fazer esse debate. Obama veio ao Brasil este ano e sua mensagem foi: “é preciso investir no capital humano da educação, nos professores”. Educação não é caridade. Sou marido de professora e vejo o esforço e dedicação, muitas vezes tirando do bolso para pagar material de ensino. A Coréia do Sul fez isso e, em 50 anos, saiu da devastação da guerra para os mais altos índices educacionais. Não podemos achar que está bom um Ideb de 5.4, quando Sobral, cidade do Ceará que, como Gravataí, é a quarta economia do estado e tem 250 mil habitantes, tem mais de 8, índice de França, Reino Unido. Precisamos também pensar em um programa municipal de renda mínima. O mundo está mudando e muita gente está desempregada, trabalhos se tornando obsoletos com a tecnologia. Um símbolo é as Farmácias São João anunciarem testes para entrega de medicamentos com drone. Estão terminando com cobradores, há uma uberização da economia… Ninguém vai escapar. Sabia que a China criou uma inteligência artificial para fazer atendimento médico, com 99% de acerto no diagnóstico? Não sou eu a falar em renda mínima. Bill Gates e Mark Zuckerberg defendem a idéia. O estado não precisa ser pesado, mas tem que ser um garantidor da justiça social. Na Grande Depressão norte-americana, o estado fez com o new deal um investimento massivo para movimentar a economia. Na crise mundial de 2008, os EUA socorreram as montadoras. Não se trata de esquerda, direita ou centro, mas de justiça social. Diferente do capitalismo à brasileira, que é de compadrio, patrimonialista, cartelizado, como acontece com os bancos, por exemplo.
Seguinte: – Com esse discurso não faltará alguém a chamá-lo de ‘petralha’ ou ‘comunista’.
Dilamar – Sou um defensor da justiça social. Não há garantia disso com um estado fraco e nem pesado demais.
Seguinte: – Tua aproximação com o Bordignon surpreendeu o meio político, já que foste crítico a ele e chegaste a votar contra a concessão de um título de cidadão ao ex-prefeito.
Dilamar – Vou para o PDT porque é um partido que tem um programa de justiça social e de debate democrático. A relação com a Anabel se tornou muito forte quando em 2017 fui seu candidato a vice, naquela crise em que o Dr. Levi aceitou, e depois trocou de parceria. Recebi ofertas nada republicanas para renunciar e prejudicá-la…
Seguinte: – De quem?
Dilamar – Prefiro não falar neste momento.
Seguinte: – Siga então…
Dilamar – Criamos uma parceria de respeito e lealdade. Hoje no PDT debatemos tudo entre todos. Fui líder do governo Marco, não renego o passado. Votei a favor de coisas boas, mas também de algumas que não concordava, e qualquer vereador da base testemunhará o quanto debati internamente até ser derrotado. Tenho críticas ao governo Marco, e elogios; como fiz críticas e elogios aos governos do Bordignon. Nunca ataquei ninguém pessoalmente, nunca subi em caminhão para falar mal de alguém. Votei contra o título de cidadão porque foi feito para bajulá-lo em um ano eleitoral. Tanto que ele nem quis receber o título.
Seguinte: – Acreditas que o debate eleitoral em 2020 será referente ás coisas locais, ou teremos uma repetição da eleição presidencial, com debates sobre costumes, ideologias…
Dilamar – Espero o debate sobre coisas importantes para a cidade. Mas não somos uma ilha. O que é feito no Estado e na União tem influência local.
Seguinte: – Na campanha, Jair Bolsonaro não informou que faria a reforma da previdência, por exemplo. Se falasse, talvez não fosse eleito. Se todos os candidatos falassem sobre as ‘maldades’ necessárias para governo, possivelmente o voto nulo ganharia. Como acreditar que em Gravataí esse debate vai acontecer?
Dilamar – Essa é minha utopia. Bolsonaro não disse a verdade, Eduardo Leite, em quem votei, não disse a verdade, a Dilma se elegeu e aplicou o programa do adversário Aécio… É por isso que a classe política é demonizada.
Seguinte: – A emenda demagógica de Rosane não colabora para esse descrédito com os políticos?
Dilamar – A emenda coloca um debate urgente na pauta de discussão. Se não for possível repor os 20% de uma vez, é preciso negociar uma forma de fazer isso. A emenda de Rosane é um compromisso de nosso grupo político de que vamos fazer o possível e o impossível para recuperar os salários dos professores.
Seguinte: – Quebras o silêncio após três anos sem dar entrevista para mim, e do rompimento de uma amizade que levava amigos em comum a brincar que tínhamos nos tornado ‘inimigos de infância’. Foste pressionado por teu grupo político a defender Rosane?
Dilamar – Não. Sabes que quem me convenceu foi meu novo consultor de comunicação, o Guilherme Rovadoschi. Sigo contestando coisas que publicaste. Dou um exemplo: Daniel Bordignon teve a eleição para prefeito confirmada pelo TSE e fui falar sobre isso porque o vereador Alan Vieira foi ao microfone dizer ‘o jogo ainda não está jogado’, o que estranhamente o fez horas antes da decisão ser revertida. Publicaste que eu já agia como líder do governo Bordignon. Depois que eu seria o secretário da educação, quando eu apenas tinha dito a ele que não queria cargos e não faria oposição raivosa. Outro motivo de meu silêncio foi o processo que respondia pelas tais ‘candidatas laranjas’, que eu não tinha nada a ver. O judiciário local condenou com base em depoimento mudado três vezes, mas o TRE, e agora o TSE, derrubaram a condenação por 7 a 0. Esse processo me atormentou, porque poderia significar minha morte política. As pessoas acham que qualquer condenação de político é por corrupção. Me concentrei na defesa. Enfim, não dou essa entrevista obrigado. Defendo a iniciativa da Rosane de coração, tenho uma ótima relação com o Bordignon e vejo em minha amiga Anabel o preparo e a humanidade necessários para ser a próxima prefeita. Gravataí não pode ser governada apenas na frieza dos números. É preciso uma prefeita humana.