RAFAEL MARTINELLI

Diretor da Câmara de Gravataí não tem que falar sobre roupa ‘inadequada’ e ‘curta’ de estagiária

Um mal-entendido, não assédio moral. Foi assim que estagiária de vereador de Gravataí interpretou a abordagem do diretor da Câmara, que lhe disse que suas roupas estavam “inadequadas” e “curtas”. A consideração foi acrescentada do ‘alerta’ de que os vereadores eram todos ‘machos alfa’, como ela confirmou ao Seguinte:.

Ouvi os envolvidos e reputo a coisa não é bem assim.

– Em nenhum momento me senti ofendida. Até brinquei, saí da sala rindo – contou a estagiária de 22 anos.

A funcionária relatou que o episódio chegou ao conhecimento de seu chefe, o vereador Dilamar Soares (PDT), que perguntou sua versão:

– Relatei o ocorrido e ele me deixou segura para denunciar caso tivesse me sentido assediada. Mas foi um mal-entendido. Quem ouviu a conversa espalhou como se fosse um escândalo. Não foi o caso – disse, garantindo não ter sofrido nenhuma pressão de políticos para não fazer uma denúncia formal.

– Apenas disse a ela que tinha total liberdade para fazer o que entendia correto, que nunca tinha quebrado decoro algum – confirma Dila, que ouviu da estagiária o mesmo relato da conversa com o diretor.

O presidente da Câmara Alison Silva (MDB) disse que, caso a denúncia fosse formalizada, exoneraria o diretor.

– Minha gestão é tolerância zero com qualquer caso de assédio. Não há mais espaço para isso. Ouvi o caso na ‘rádio-corredor’ e fui procurar o vereador para dizer que se a funcionária se sentiu assediada deveria registrar uma ocorrência policial e poderia formalizar uma denúncia. Até o momento nada chegou a mim – informou.

O diretor da Câmara confirmou ao Seguinte: que alertou a estagiária sobre as vestimentas.

– É normal. Faz parte da minha função. Recomendamos aos estagiários como se portar, como bater numa porta antes de entrar em uma reunião, essas coisas – disse, acrescentando que a conversa, que ocorreu em sua sala, foi “educada”.

Ok. Tudo resolvido, então? O que acontece na Câmara, fica na Câmara? Entendo que não.

Antes de ‘ocupar o lugar de fala’, e vou, porque entendo pertinente, fui ouvir as únicas duas vereadores de Gravataí.

Fiz a mesma pergunta: “se o diretor da Câmara apontasse suas roupas como inadequadas, por curtas, o que a senhora acharia?”

– Um absurdo. Um assedio desnecessário– respondeu Márcia Becker (MDB).

– Completamente inadequado – respondeu Anna Beatriz (PSD) que, como presidente da Comissão dos Direitos da Mulher, disse que vai procurar a estagiária para ouvir um relato do episódio.

Sigo eu, pedindo um cantinho no ‘lugar de fala’: a estagiária não, mas outras mulheres poderiam – e deveriam – protestar ao receber ‘recomendações’ de machos sobre quais roupas são ou não adequadas; e não somente por ser uma Câmara onde homens usam bermudas e vereadores não são obrigados a vestir gravata nem em sessões solenes.

Mas é normal mulheres optarem por não denunciar constrangimentos – ainda mais em espaços de poder.

Fato é que o machismo estrutural é comprovado cientificamente.

Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que 65,1% das pessoas acreditam que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”.

Ao todo, 68,5% dos entrevistados também acreditam que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”.

Já a pesquisa “Percepções sobre segurança das mulheres nos deslocamentos pela cidade”, realizada pelos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, mostra que 8 em cada 10 mulheres no Brasil já sofreram violência enquanto se deslocavam pelas cidades e, para evitar situações de assédio, 83% delas evitam usar certos tipos de roupas ou acessórios.

Tratei do “sempre foi assim”, em situações infinitamente mais graves, faça-se justiça, nos artigos Silvio Santos é um velho babão e Silvio Santos é mais do que um velho babão.

É questionável se cometeria o diretor assédio moral, já que, conforme cartilha do Tribunal Superior do Trabalho (TST), precisaria ser “repetitiva e prolongada” a “conduta abusiva, manifestando-se por comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos que possam trazer danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física e psíquica de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho”.

Mas está lá, no artigo 186 do Código Civil, que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Fosse a ‘recomendação’ dada às duas vereadoras, ao menos pelo que disseram Márcia e Anna, estariam guardadas ao menos por esta proteção legal para protestar.

Ao fim, resta Dos Grandes Lances dos Piores Momentos o comentário sobre os vereadores serem ‘machos alfa’. O que significa isso: que são potenciais assediadores? Como não sou daqueles que permitem aos políticos apenas a presunção de culpa, entendo que não.

Reveja seus conceitos e peça desculpas que fica mais bonito, senhor diretor.

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