eleições 2016

Do lado esquerdo

Recepção para Bordignon lotou salão do Aldeia | Foto WILSO GENÊS CARDOSO/Divulgação

Candidato a prefeito, Daniel Bordignon foi apresentado ao PDT em ato com mais de mil pessoas, conforme os organizadores. E chamou impeachment – de Dilma – de golpe

 

Se a saída de Daniel Bordignon foi um tiro no coração de alguns petistas, a primeira noite dele na sua casa nova, o PDT, ressuscitou – e lembrou em muito – os comícios de campanha de seus anos de PT.

Recordando raízes familiares e sua paixão pelo trabalhismo, o ex-prefeito de Gravataí entre 1997 e 2004 destacou o DNA antigolpista dos históricos que construíram o PDT, e criticou sem meias palavras a ameaça de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

– É golpe, como em 64. Um golpe midiático e imperialista – disse, como se estivesse participando de uma manifestação de rua das esquerdas na Esquina Democrática, em Porto Alegre, o homem que completa 57 anos em 21 de julho e, após a tentativa frustrada de ser reeleito deputado estadual em 2014, visivelmente rejuvenesceu ao voltar a dar aulas na escola estadual Carlos Bina.

Sob os olhares da esposa Rosane, com quem começou o romance dentro do PT, e dos filhos Danielle (25) e Guilherme (21), que nasceram entre seus 35 anos de militância no ex-partido, Bordignon não fez diferente do que faz em casa, ou em suas postagens de mais de 500 curtidas no Facebook: defendeu Dilma e Lula.

– A presidenta publicou decreto homenageando Brizola como herói da pátria. Getúlio, Jango, Lula e Dilma também são heróis da pátria, por dedicarem sua vida aos mais pobres – disse.

 

“O Bordignon voltou…”

 

Nos discursos de boas-vindas a ele, intercalados pela charanga puxando o grito adaptado das torcidas de futebol “Oh, o Bordignon voltou”, a certeza na vitória da candidatura à Prefeitura do professor de História, ex-vereador, ex-prefeito e ex-deputado estadual, que costuma ser apresentado como “o melhor prefeito da história de Gravataí em qualquer pesquisa”.

 

: Bordignon trocou de partido, mas não mudou o discurso | Fotos HEDA RAUPP

 

As 12 MAIS da festa

 

O SEGUINTE: tenta te colocar lá dentro, nestas 12 MAIS sobre a apresentação do DB ao novo partido, que conforme organizadores levou mais de mil pessoas ao CTG Aldeia dos Anjos, na noite de segunda-feira.

 

1. O PROFESSOR

Vamos direto à estrela da festa. Ou, “primeiro o mais importante”, como costuma repetir o próprio Bordignon às pessoas que convivem com ele.

Foram dez minutos de abraços, beijos, tapinhas nas costas e selfies, até ele atravessar sorridente o esburacado estacionamento – entre carros (uns bem bons, a maioria populares) e ônibus que vieram das Moradas do Vale, Águas Claras e do Rincão da Madalena – antes de entrar no salão decorado com balões vermelhos, brancos e azuis, as cores do PDT.

Nada de terno caro, ou risca de giz. Bordignon vestia o que dá para chamar de ‘roupa de professor estadual’: camisa branca, calça de brim azul escura e sapatos marrons. Ao seu lado, pilchado em botas, bombacha e lenço vermelho, o presidente do PDT gaúcho, deputado federal Pompeo de Mattos.

 

Bordignon com a esposa Rosane, Pompeo de Mattos e, ao fundo, Gilmar Sossella

 

2. CONTRA O ‘GOLPE’

Após sua tradicional saudação “boa noite a todos e a todas”, Bordignon deu uma aula sobre o papel do trabalhismo nas conquistas de direitos sociais e as históricas reações de seus algozes golpistas. Getúlio – de quem é fã – e Brizola foram nomes reverenciados na quase meia hora de discurso.

– Getúlio precisou dar um tiro no coração para incendiar o país e evitar em 54 o golpe da direita que veio a acontecer em 64. E para Brizola foi necessário buscar o exílio para não ser morto.

– No Brasil, livres só ficaram aqueles que não incomodavam a ditadura, porque não iam além dos discursos, como Ulisses e Simon, ou a vendida da Ivete Vargas, que mancomunada com o general Golbery rifou a sigla do PTB – disse, descrevendo também a gênese golpista da Rede Globo e, apesar de ser um admirador das liberdades e direitos civis norte-americanos, condenando a arapongagem da CIA, a política externa imperialista do Tio Sam, e seus olhos, braços e bolsos sempre interessados na Petrobrás.

– FHC disse que acabaria com a Era Vargas. A direita quer avançar na CLT. As reformas de base não foram feitas por Lula e Dilma por falta de condições políticas. É contra as mesmas forças conservadoras que ainda lutamos – alertou.

 

3. TRABALHISMO DE PAI E MÃE

Bordignon contou sobre sua relação familiar com o trabalhismo. Pelo PTB, o pai, Ampílio, foi subprefeito de São Jorge, então distrito de Nova Prata. E um ‘queremista’ – movimento de maio de 1945 que defendia a permanência de Getúlio na Presidência da República. A mãe, Elza, sempre foi Brizolista, mesmo que isso significasse ter que falar baixo nas missas de todos os dias.

– Era criança e meus irmãos falavam: quando o Brizola voltar vai ser diferente – contou Bordignon, lembrando o menino curioso que leu toda a bíblia à luz de velas na casinha de madeira do Parque dos Anjos e na adolescência levava livretos do Brizola para a metalúrgica, o que o inspirou a estudar história e, hoje, cantar mal – mas de cor – a Internacional Socialista.

– O PDT é filiado à Internacional e no seu artigo primeiro defende uma sociedade democrática e socialista – disse, lembrando ter, durante seu governo, recolocado na praça da parada 72 a Carta-Testamento de Getúlio, “um documento que todo brasileiro deveria ler”.

 

4. ODE A JOSÉ MOTA

Bordignon também lembrou sua relação, como vereador entre 1989 e 92, com o ex-prefeito José Mota, do PDT, falecido em 2001, a quem depois venceu em sua primeira eleição a Prefeitura, em 96, por 2.154 votos: 39,3% a 36,9%.

– Mota perdeu os sete vereadores e eu era chamado de “líder do governo”, porque mesmo sem cargos defendia bons projetos – recordou, frente a acenos positivos feitos com a cabeça por Jarbas Tavares da Silva, vereador que à época lhe chamava assim, e nesta eleição concorrerá a vereador pelo PDT.

– Foi Mota quem criou as linhas municipais de ônibus e desapropriou a área onde hoje é o Rincão da Madalena, contra todos que não queriam pobres perto do Centro – saudou, listando ainda o feito de Brizola governador, que “construiu 5802 escolas públicas e 287 escolas técnicas”.

 

5. PESSOAS DO POVO

Sobre seus oito anos de governo, Bordignon falou pouco, alertando para o adiantado da hora.

– Em 96 chegamos ao governo como pessoas do povo, sem experiência, mas que acreditavam que era possível fazer diferente. Em 2000, fomos reeleitos com o dobro da votação, com 40 mil votos de diferença sobre o segundo colocado – resumiu, arriscando dizer que, em caso de voltar à Prefeitura, quer implantar um sistema de consulta popular aos moldes do Orçamento Participativo.

 

Pompeo: "a gente já brincava que o Bordignon era o mais brizolista dos petistas"

 

6. TROVA DE GALPÃO

A menos de três metros de onde ficam expostas as centenas de troféus do CTG Aldeia dos Anjos, Pompeo de Mattos fez um discurso ao estilo de trova galponeira, e lembrou que Bordignon era conhecido na Assembleia Legislativa como “o mais brizolista dos petistas”.

– O Brizola já dizia que o PDT é como um braseiro na cozinha de chão, que parece molhado, mas você sopra a brasa e a chama reacende. Há seis meses, na casa do Décio (Becker, presidente do partido), começamos a cercar o Bordignon. E hoje estamos aqui nesta data histórica.

– Não precisa te envergonhar de onde vieste, porque sabemos quem tu és e para onde vais: é para a Prefeitura de Gravataí.

Em uma metáfora, Pompeo – que inicialmente chegou a ser apontado pela imprensa como favorável ao impeachment, depois defendeu a realização de novas eleições e, por fim, disse que votaria conforme decisão do partido – analisou as opiniões de pedetistas sobre a crise política nacional como os diferentes dedos da mesma mão.

– De certo é que você vê todos os partidos envolvidos nessas coisas lá de Brasília, menos o PDT. Bordignon: tu agora é de um partido de mãos limpas como as tuas, não por tê-las lavado no Gravataí, mas porque não as sujou.

Pompeo fez um apelo para os pré-candidatos e a militância irem às ruas:

– Na política sempre alguém ocupa o espaço. Se não é eu, é ele, se não é dos nossos, é dos deles. E se os bons se omitem, os maus assumem.

 

7. DÉCIO NÃO VEM MAIS

O presidente do PDT de Gravataí, Décio Becker, não participou do ato. Humberto Reis, seu representante, informou que o empresário e ‘dono’ do Cerâmica Atlético Clube estava viajando. Na filiação de Bordignon, quarta, Décio também estava ausente. Ele preferiu assistir ao jogo do Gauchão entre Cruzeiro de Cachoeirinha e Ypiranga de Erechim, no estádio Vieirão, em Gravataí. Na quinta-feira, a notícia: Décio pediu para deixar a presidência do partido. Ele vai morar em Torres. Humberto agora é o presidente.

 

8. CIRO 2018

O deputado estadual Gilmar Sossella foi outro a saudar o gosto com que Bordignon sempre falou sobre o trabalhismo:

– Lá na Assembleia, quando tínhamos alguma data histórica do trabalhismo, sabíamos que o Bordignon ia subir na tribuna e dar uma aula para a gente.

– Tu está em casa Bordignon – saudou, dizendo também que, em 2018, o PDT deve ter candidatos a governador e, também, à Presidência da República, com Ciro Gomes.

 

9. EX-RBS, CONTRA ‘GOLPE’

Ex-RBS, como o senador Lasier Martins, que não compareceu ao ato, o vice-presidente estadual do PDT, deputado federal Afonso Motta, antecedeu Bordignon e fez discurso emocionado de condenação ao impeachment:

– É um golpe e o PDT sempre foi contra golpes que restaram em gerações perdidas no país.

– Não se trata de absolver o PT, ou passar a mão por cima da corrupção. É momento de defender a democracia – disse, garantindo que o PDT vota unido contra o impeachment, tanto na Câmara dos Deputados, como no Senado.

 

10. O CARDUME DO PEIXE

No ato de segunda quem mostrou força foi o vereador Alex Peixe, segundo mais votado pelo PT, que foi para o PDT para ser vice de Bordignon. Sua comitiva da Morada do Vale era a maior do evento.

 

11. CANDIDATAS DE SOBRENOME

Entre os 50 pré-candidatos a vereador que foram apresentados segunda, muitas mulheres, como a esposa de Bordignon, Rosane, e a esposa de Alex Peixe, Rose.

 

Bordignon entra num PDT remontado por Cláudio Ávila (à direita) em menos de um ano

 

12. AS VOLTAS DA POLÍTICA

O comandante da festa nos microfones foi o vice-presidente do PDT de Gravataí, Claudio Ávila, a mente brilhante que elaborou tecnicamente o processo, e costurou as condições políticas, para o impeachment da prefeita de Gravataí Rita Sanco (PT) e seu vice Cristiano Kingeski (PT), em 2011.

Os dois tinham sido eleitos com a bênção de um Bordignon impugnado pela justiça eleitoral na última semana de campanha, mas que teve sua foto aparecendo na urna eletrônica para todos que votaram no 13 em 5 de outubro de 2008.

Um “golpe”, como qualificavam os petistas na época – Bordignon entre eles.

O episódio único na história política de Gravataí, além de render consequências, ainda vive na memória de muita gente. Como da senhora que, ao fim do ato de segunda, se aproximou de Ávila, abraçou-o e pediu para bater uma selfie.

– Sou tua fã desde o impeachment. O dia em que fores candidato vai sobrar voto! – derreteu-se.

– Não é minha praia – riu Ávila.

O advogado, que apesar de não ter sido citado no discurso é hoje companheiro de cozinha e casa na praia de Bordignon, garantiu que este ano a candidatura não corre riscos de impugnação.

– Os adversários vão espalhar que o Bordignon não pode concorrer, mas é desespero. O Bordignon é candidato – disse ao microfone.

Em 2012, Ávila, que estava ‘do outro lado’, comandando a campanha da candidata a prefeita Anabel Lorenzi (PSB), era um dos que alertava sobre os riscos de impugnação de Bordignon naquela eleição. E estava certo: os 40.769 votos dados a ele – insuficientes para superar os 51.283 que elegeram Marco Alba (PMDB) – até hoje não são contabilizados pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE).

 

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Sobre sapos

Ao fim, as escolhas de Bordignon fazem lembrar o pragmatismo de Leonel Brizola – para o bem ou para o mal – em suas alianças durante a História do Brasil.

A política é a arte de engolir sapos, dizia o caudilho.

Sapos barbudos ou bem escanhoados.

 

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