Encontros:
Um chinês, um africano e um espanhol vão para Cuba e formam suas famílias, de cujos descendentes nasce uma jornalista que mora nos Estados Unidos. (1)
Um estudante angolano conhece uma estudante mongol, com quem tem uma filha, na Rússia. (2)
Um chinês casa-se com uma portuguesa, cuja filha vai morar no Timor Leste. (3)
Um ucraniano e uma portuguesa tornam-se namorados. (4)
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Cidadania:
Nasci no Brasil, em Porto Alegre. Desde que saí do hospital, nos braços de minha mãe, morei em Gravataí. Aprendi a falar em espanhol antes de falar em português e custei a me acostumar a comer arroz e feijão todos os dias, depois de me casar.
O que delimita a minha nacionalidade? Todos os costumes uruguaios com os quais cresci? Ou o papel dizendo que nasci no Brasil?
O que define minha naturalidade? Uma certidão que atesta simplesmente que o hospital em que vim ao mundo, na capital do Estado, tinha mais condições do que o hospital da cidade onde morei desde os primeiros dias de vida?
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Muito além de competir:
O boxeador do Turcomenistão, o maratonista do Djibuti, o lutador do Níger (que não é a Nigéria) e o ciclis ta do Lesoto competiram e, talvez, tenham dançado samba no Rio de Janeiro.
Nunca ouvi falar nesses países, a não ser nos Jogos Olímpicos. E exatamente nisso reside a maravilha de um espaço-tempo sem fronteiras que essa competição é capaz de formular.
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A nacionalidade é apenas um discurso, como muitos teóricos já disseram. E se é apenas uma ficção, um discurso, posso seruma chinesa africana espanhola angolana mongol ucraniana portuguesa uruguaia brasileira turcomana djibutiense nigerense lesotense porque fazem parte de mim todas essas nacionalidades que li, que vivi na infância e as que assisti na televisão.
Todas nossas experiências nos definem. A isso chamamos de bagagem cultural, para a qual contribuem a literatura, o esporte e, por vezes, a própria realidade. A fronteira, o limite e a geografia fazem parte de uma organização externa e coletiva que não pode – e não deve – impedir o convívio plural e pacífico de que, em toda nossa humanidade, somos capazes.
Quanto mais cosmopolitas, mais ricos. Quanto mais ricos – nesse sentido específico -, mais livres de preconceitos. Quanto mais livres de preconceitos, menos intolerantes.
E melhores.
(1) do romance La isla de los amores infinitos, de Daína Chaviano.
(2) da obra O planalto e a estepe, de Pepetela.
(3) de Requiem para o navegador solitário, de Luís Cardoso.
(4) da obra O apocalipse dos trabalhadores, de Valter Hugo Mãe.