É dos Grandes Lances dos Piores Momentos. No 13 de Maio, Dia da Abolição da Escravatura, passa a valer ‘correção’ feita no decreto de distanciamento controlado do Governo do RS. Na bandeira laranja, de risco médio, que é a classificação de Gravataí e Cachoeirinha, as empregadas domésticas devem voltar a trabalhar.
Passa a ser ‘permitido’ o retorno de um trabalhador por residência (ou até 50% de trabalhadores de determinados locais) nas funções de faxineiros, cozinheiros, motoristas, babás, jardineiros e similares.
– Houve um erro na planilha lançada e está sendo corrigido permitindo, além da bandeira amarela, o trabalho também na bandeira laranja – explicou o governador Eduardo Leite.
É ou não é o país do ‘quartinho da empregada’, de patriotas de uma elite individualista, insensível, inculta e infame, onde em suas bolhas, em home office frente a planilhas de apps, tantos pensam, ou verbalizam, como Guilherme Benchimol, presidente da XP Investimentos, que “o pico da COVID-19 já passou nas classes altas”, não sem alertar, como o bom branco que tem amigo negro, que “o desafio é que o Brasil tem muita favela”?!?
É ou não é o país do ‘quartinho da empregada’, onde feio é empregada pobre e preta ir para a Disney, e não se contaminar com a doença trazida do Exterior pelos ricos. Onde o difícil é a patroa cuidar da casa ou deixar os filhos sozinhos em aulas online, e não a empregada pobre e preta, sem creche e sem escola, deixar os filhos sob os cuidados de outras crianças, ou de pais idosos.
Acham que exagero ao personificar a doméstica pobre e preta? A reportagem O que faz o Brasil ter a maior população de domésticas do mundo, traz dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que mostram que se organizasse um encontro de todos os seus trabalhadores domésticos, o Brasil reuniria uma população maior que a da Dinamarca, composta majoritariamente por mulheres negras.
O país emprega cerca de 7 milhões de pessoas no setor, o maior grupo no mundo. São três empregados para cada grupo de 100 habitantes e a liderança brasileira nesse ranking só é contestada pela informalidade e falta de dados confiáveis de outros países.
Com um perfil predominante feminino, afrodescendente e de baixa escolaridade, o trabalho doméstico é alimentado pela desigualdade e pela dinâmica social criada principalmente após a abolição da escravatura no Brasil, afirmam especialistas.
Um estudo feito em parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento, e a ONU Mulheres, braço das Nações Unidas que promove a igualdade entre os sexos, compilou dados históricos do setor de 1995 a 2015 e construiu um retrato evolutivo das noções de raça e gênero associadas ao trabalho doméstico.
Os resultados demonstram a predominância das mulheres negras ao longo do tempo.
Em 1995, havia 5,3 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil. Desses, 4,7 milhões eram mulheres, sendo 2,6 milhões de negras e pardas e 2,1 milhões de brancas. A escolaridade média das brancas era de 4,2 anos de estudo, enquanto que das afrodescendentes era de 3,8 anos.
Vinte anos depois, em 2015, a população geral desses profissionais cresceu, chegando a 6,2 milhões, sendo 5,7 milhões de mulheres. Dessas, 3,7 milhões eram negras e pardas e 2 milhões eram brancas. O nível escolar das brancas evoluiu para 6,9 anos de estudo, enquanto que, no caso das afrodescendentes, chegou a 6,6 anos.
– Ainda hoje o trabalho doméstico é uma das principais ocupações entre as mulheres, que são a maioria no setor em todo o mundo, cerca de 80%. No Brasil, permanece sendo a principal fonte de emprego entre as mulheres – analisou para BBC Claire Hobden, especialista em Trabalhadores Vulneráveis da OIT.
Dados de 2019 mostram que o trabalho doméstico respondeu por 6,8% dos empregos no país e por 14,6% dos empregos formais das mulheres. No começo da década, esse tipo de serviço abarcava um quarto das trabalhadoras assalariadas.
– O cenário do trabalho doméstico no Brasil atual é herança do período escravagista – corroborou o professor e pesquisador americano David Evan Harris.
Fato é que nossa abolição da escravatura é tão fake quanto as intenções da Princesa Isabel. Por aqui, ‘permitamos’ que pretas e pobres sigam, em ônibus lotados, para o Porongos do dia a dia.
Ao fim, é essencial limpar a Casa Grande.
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