3º Neurônio | ideias

É só pelo dinheiro que o presidente do PL, Costa Neto, engoliu a filiação de Bolsonaro?

Jair Bolsonaro e Valdemar Costa Neto

Ouvi certa vez de um comentarista político, enquanto ele tomava um cafezinho e fumava um cigarro na redação, nos tempos das máquinas de escrever, um comentário que tenho carregado pelas minhas andanças como repórter. Com o rosto encoberto pela fumaça do cigarro, que saía das suas narinas, ele disse: “A política é muito parecida com uma luta de boxe. Onde saber apanhar é mais importante do que bater”. Acrescentou: “Lembra do Muhammad Ali?” Quem não lembra? Foi um dos maiores pugilistas dos Estados Unidos e do mundo. Irritava o adversário e o deixava bater até cansar. Então, o derrubava com o golpe. Essa conversa tem mais de 40 anos e lembro dela porque sou fã de Muhammad Ali – a história dele está na internet. Por isso a resgatei e uso nas minhas palestras. Agora estou usando essa lembrança para amaciar o terreno e começar a conversar com os leitores e colegas sobre uma história que está rodando pelos noticiários. Trata-se da novela da filiação do presidente Jair Bolsonaro ao Partido Liberal (PL), presidido por Valdemar Costa Neto, 72 anos. O que tem a ver o boxeador com Costa Neto? Vamos seguir os fatos para descobrir.

Antes uma explicação que considero fundamental para entender a história. Bolsonaro tem mais 30 anos de andanças pela política como vereador do Rio, deputado federal e agora presidente da República. Durante todos esses anos, ele trocou de partido como quem troca de camisa. O presidente e os seus três filhos parlamentares – Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo – sempre se comportaram como se fossem o personagem do filme Alien, o 8º Passageiro, um alienígena que se hospeda no corpo humano e o explode quando se reproduz. O presidente se elegeu pelo PSL e tentou tomar conta do partido. Não conseguiu. Mas causou um enorme tumulto e saiu da legenda. Para concorrer à reeleição em 2022 é necessário estar filiado a um partido. Sem problemas. Com a caneta na mão para nomear quem bem entende e desfrutando da fama de ter sido um grande puxador de votos na eleição de 2018, quando fez quase 60 milhões de votos e ajudou a eleger parlamentares e governadores, vários partidos quase se mataram para tê-lo como filiado. Finalmente, no início em outubro, anunciou que iria se filiar ao PL no dia 22, uma sexta-feira.

Horas antes da filiação, Bolsonaro teve com Costa Neto uma discussão pelo celular. Foi uma briga feia, em que os dois citaram até as respectivas mães na troca de ofensa. O núcleo da bronca foi que Costa Neto defendeu o seu direito como presidente do PL de fazer acordos regionais com outros partidos, incluindo adversários dos bolsonaristas. O presidente da República se posicionou contra. Exigiu, inclusive, que a direção do PL de São Paulo fosse entregue ao seu filho Eduardo. Os caciques do PL pressionaram Costa Neto a aceitar as exigências do presidente. Até aqui resumi toda a história porque já fui repórter em início de carreira e sei o valor que tem um “remember” feito por fonte confiável na hora da correria de baixar a matéria. Voltando à história.

Ontem (terça-feira 30/11), Bolsonaro assinou ficha no PL. Foi seguido por dois ministros, Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência). Por ser deputado federal, Lorenzoni, o senador Flávio Bolsonaro e outros 15 parlamentares deverão esperar a “janela partidária” para assinar a ficha no PL. Aqui chegamos ao centro da nossa conversa. Vejam bem. Na época que os partidos disputavam a entrada do presidente nos seus quadros ele era um cometa brilhante nos céus do Brasil. Hoje está mais para estrela cadente devido à soma de erros na sua administração, as lambanças em que se envolveu, a tentativa de golpe no dia da Independência e, por último, a entrada na corrida eleitoral do seu ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, que assinou ficha com o Podemos há poucos dias e já tira votos dele.

Frente a esse quadro, a pergunta que se faz é a seguinte: por que Costa Neto se deixou surrar por Bolsonaro? Vou responder à pergunta citando o boxeador Muhammad Ali. Ele se deixou surrar pelo presidente porque sabe apanhar e bater na hora certa. O currículo parlamentar de Costa Neto é imensamente mais recheado do que o do presidente – está disponível na internet. No governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2011) ele se envolveu no escândalo do Mensalão. Matou a história no peito. Em 2012, foi condenado a sete anos e 10 meses de pena. Em 2016, conseguiu um indulto de Natal e saiu livre. Ao baixar a cabeça e aceitar a imposição de Bolsonaro de só apoiar os seus aliados nas eleições em 2022, Costa Neto coloca em risco a sobrevivência do PL, que até hoje tem sido garantida pelo envolvimento partidário em apoio a vários candidatos, inclusive adversários. Ele fez isso porque acredita que o presidente pode reagir e acabar se reelegendo? A possibilidade existe. Ninguém imaginaria em 2018 que Bolsonaro seria eleito, nem ele. Uma série de fatores, como a prisão de Lula pela Lava Jato, que na época era o candidato preferido dos eleitores, e o atentado a faca que sofreu, acabaram o elegendo. Sabe-se lá o que acontecerá até o fechamento das urnas em 2022. Se Bolsonaro não for reeleito, ele perde o foro privilegiado na Justiça. Isso significa que as dezenas de processos civis e criminais – desde andar sem máscara na rua até as acusações da CPI da Covid – que correm contra ele no Supremo Tribunal  Federal (STF) vão todos para a primeira instância. Onde as coisas andam mais rápido. Ele vai passar um bom tempo da sua vida entrando e saindo de tribunais.

Nos dois casos Costa Neto ganha. No caso de vitória, o PL ganha cargos na administração federal, novos parlamentares e o prestígio de ser o partido do governo. No caso da derrota, Costa Neto fica com o espólio político de Bolsonaro, que consiste basicamente em vários grupos políticos que gravitam ao redor do atual presidente. Se por qualquer motivo Bolsonaro e seus filhos parlamentares tentarem implodir o PL, como fizeram com outros partidos que os hospedaram, Costa Neto pode derrubá-los com um gancho de direita, como fazia Muhammad Ali. Não estou dizendo que Costa Neto é o Muhammad Ali da política. Por tudo li a sobre ele e ouvi de fontes a respeito da sua vida profissional, a conclusão a que se chega é que ele não entraria em uma disputa com a família Bolsonaro sem nada nas mãos. O que Costa Neto tem na mão contra Bolsonaro? Dá uma boa matéria investigativa.

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