Eu sempre quis ser pai de um menino por ter aquele sonho de infância de entrar com meu filho no Beira-Rio, assistir o colorado, comer pipoca, voltar pra casa discutindo a escalação, dar camiseta do Inter de presente no aniversário, dia das crianças, Natal, Páscoa, dia de ação de graças, dia da primeira palavrinha, primeiro dia da escola.
Quando soube que ia ser pai de menina, no auge da minha ignorância – na mais pura acepção da palavra – comecei a desenvolver outros sentidos e amar aquela sensação. Me imaginei brincando de boneca, sendo maquiado, levando a pequena pra fazer compras no shopping. Imaginei, aos 25 anos, explicando pra ela o que era impedimento, indo ao Beira-Rio (com muita sorte) com ela e um genro colorado. Como já a amava demais, não fiquei frustrado por não poder vivenciar aquilo que planejava caso fosse um menino. Até que ela nasceu. E com ela todo o amor que eu não imaginava que fosse possível sentir.
Comecei a aprender mais sobre o universo feminino. Ler um pouco mais sobre isso. Acabamos por abrir um filtro no nosso cotidiano para os casos onde, naturalmente, rotulamos os gêneros (como eu fizera desde que soube que seria uma menina). E como muitos fazem de forma involuntária. E, então, decidi que a educação que lhe daria não teria rótulos, nem caixinhas de comportamentos pré-determinados. Com a concordância e estímulo da mãe (o que também é raro, porque esse tipo de comportamento não é só dos homens, mas das mulheres que ‘tomam a cria’ para si e não permitem esses estímulos), a levei ao Beira-Rio pela primeira vez com quatro meses. Final da Copa do Brasil Sub-20 entre Inter e Vitória.
Com seis meses, já estávamos indo sozinhos ao Beira-Rio pela terceira vez. Tomamos uma chinelada do Shakhtar, mas foi uma das noites mais lindas da minha vida. Tive que trocar a fraldinha quando o jogo começou a ficar bom, esqueci a mamadeira de água na cadeira e sujei a roupinha dela de pizza, mas eu sentia nos olhinhos dela – os pais têm esse poder – o quanto estava curtindo aquele momento. E toda aquela projeção que fiz em ser pai de menina, fui descontruindo aos poucos.
Ela tem dois anos e no último sábado ouviu o hino do Grêmio em uma formatura, veio correndo em nossa direção com os polegares para baixo, falando “Guêmio feio”. Às vezes pede pra que cantemos o cântico “minha camisa vermelha”, ainda que seja uma adaptação (eu troquei o ‘e a cachaça na mão’ por ‘mamadeira na mão’), comemora com os bracinhos levantados sempre que vê um símbolo do Inter e, eventualmente, assiste uns pedaços de jogos comigo. Como ontem à noite, que trocou a Peppa no tablet, pelo início de Inter e Santos.
Hoje pela manhã, dia do brinquedo, pedi para ela escolher o que queria levar. Ela deve ter em torno de cinquenta bonecas que já ganhou de presente. De todas as cores, tamanhos e formas, e escolheu uma bola de plástico velha do Inter. Todas as meninas da sua turminha chegando com as bonecas e a Lauren feliz, sorrindo, com a bola de plástico vermelha do Inter. Porque, ser menino ou menina é um detalhe ínfimo perto de todo o amor que podemos transmitir abrindo mão da educação através de comportamentos encaixotados.
Se ela é feliz levando a bola pra escolinha, indo ao Beira-Rio comigo e ouvindo Minha Camisa Vermelha, não vão ser pensamentos tradicionais que vão mudar isso. Ainda sonho em assistir um título grande com ela no estádio. Mas aí já não depende mais de mim, e sim, do Inter.