RAFAEL MARTINELLI

Em repúdio, colegiado dos 10 conselheiros tutelares de Gravataí oficia MP, CMDCAS e Corregedoria após falas supostamente homofóbicas de candidato; Sob a ‘bíblia’ do ECA

O colegiado dos 10 conselheiros tutelares de Gravataí encaminhou nesta terça-feira à Promotoria da Infância e Juventude, ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente e à Corregedoria do Conselho Tutelar ofício de repúdio após as declarações de candidato ao Conselho Tutelar, sobre as quais no sábado levantei a suspeita de homofobia em Não é homofobia crítica de candidato a conselheiro tutelar ao arco-íris da Feira do Livro de Gravataí? Como o senhor atenderia uma criança gay mutilada, Samuel?.

Assinado por Janaína Feijó, Deize Costa, Greicy Kelli, Cristiane Moreira, Jairo Bauer, do CT Leste, e Erico Rosa, Iris Cristiane, Tatiana Saldanha, PauloAguiar e Liege Regina, do CT Oeste, o Ofício 689/90 diz que o colegiado “em defesa dos interesses das crianças e dos adolescentes, manifesta-se contrário a toda e qualquer forma de discriminação às crianças e aos adolescentes, seja por nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição social de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem”.

O documento reproduz artigos com princípios fundamentais da lei 8069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mantenho os grifos:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Segue o documento: “considerando as atribuições dos conselheiros tutelares, nos seus artigos 18, 129 e 136 da lei 8.069/90, não podendo, assim, ser criada nova atribuição, além das já dispostas em lei federal, previne-se posturas e comportamentos de conselheiros e/ou aspirantes ao Conselho Tutelar de modo temerário, com fim de desmazelar a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes”.

Mais: “Também, atenta-se que toda a propaganda para escolha dos novos conselheiros tutelares do município de Gravataí deva ser realizada sob responsabilidade, primeiramente dos candidatos, e conjuntamente de toda sociedade, pois é dever de todos e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes”.

E conclui: “E, em prol de todo labor realizado nesses últimos tempos pelo Conselho Tutelar de Gravataí, voltado para a qualificação de seus quadros e pelo constante aperfeiçoamento individual e coletivo, repudia-se condutas que não coadunam com o Marco Legal das Crianças e dos Adolescentes – O Estatuto da Criança e do Adolescente/Lei 8.069/90”.

Sigo eu.

É compreensível o colegiado do Conselho Tutelar não ter individualizado o manifesto. Fosse um caso específico, envolvendo uma criança e adolescente, por dever de ofício conselheiros já teriam dado um encaminhamento que transformaria a molecagem do candidato em fato judiciário; pelo menos quatro conselheiros com quem conversei confirmam.

Mas resta o Ministério Público instado.

No artigo em que revelei o vídeo, lembrei também que o Supremo Tribunal Federal (STF) estendeu para discriminação de gênero a punição para racismo.

“Condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas” são tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989), que se enquadra nos crimes previstos na Lei 7.716/2018, com pena de reclusão de um a três anos e multa.

A tese estabelece que “o conceito de racismo ultrapassa aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos e alcança a negação da dignidade e da humanidade de grupos vulneráveis”.

Conforme o STF, “a repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe o exercício da liberdade religiosa, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio”.

Fato é que, perante a rede de proteção à criança e ao adolescente de Gravataí, tem peso a manifestação de repúdio, unânime, do colegiado do Conselho Tutelar, alertando para o desvirtuamento da função, seja por eleitos, ou candidatos.  

Aí não me refiro só ao MP, mas também ao CMDCA e à comissão eleitoral formada para as eleições que em 1º de outubro escolherá os próximos 10 conselheiros tutelares para o mandato 2024-2028.

Ao fim, é oportunidade para essa rede municipal exercer, dentro da legalidade, o didatismo: para ser, ou querer ser conselheiro ou conselheira tutelar, não importam lados da ferradura ideológica, escrituras religiosas, delírios de Olavo de Carvalho ou o Manifesto Comunista, a ‘bíblia’ deve ser o ECA.

Qualquer coisa prometida fora do livrinho é campanha de fake news, significa enganar as pessoas e cometer estelionato eleitoral.


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