Em busca de calmantes, as esquerdas se agarram a informações que já foram transformadas em manchetes e rendem análises fáceis e rápidas, tão perfeitas como se fossem produzidas por inteligência artificial.
A primeira manchete, do Estadão de ontem, informava: “Centrão domina eleições e elege prefeitos nas cidades que mais receberam emendas parlamentares”.
E outra manchete, na mesma linha, é essa de hoje do Globo: “Emenda Pix turbina taxa de reeleição de prefeitos, que foi de 89% nas 178 cidades mais beneficiadas”.
A conclusão mais elementar: o governo, submetido à extorsão das emendas, acabou engordando o porco do centro, da direita e da extrema direita, ou disso tudo que cabe no que se chama de centrão ampliado e expandido.
Mas o estrago da dinheirama das emendas explica tudo o que aconteceu na eleição? Ajuda a explicar, mas serão ingênuos os que se agarrarem apenas a esse consolo.
As emendas só existem sob controle da direita porque a direita tem a maior base política, agora aumentada em todo o país. E essa base só existe a partir das eleições, começando pelas municipais, que formam quadros, vereadores, prefeitos.
As eleições para governadores, assembleias, Congresso e presidente da República completam o serviço. Funciona assim desde muito antes das emendas PIX e secretas.
A base do centrão e da extrema direita é montada a partir das eleições municipais, que são, claro, diferentes das eleições para legislativos, governadores e presidente.
São diferentes, mas são o começo, a base paroquial de tudo o que vem depois. O que a direita conseguiu agora foi aumentar esse poder, que repercute mais adiante em representação no Congresso.
E, com mais poder no Congresso, mais capacidade de extorsão, mais emendas, mais dinheiro, há mais votos, mais poder municipal, estadual e nacional. E mais formação de líderes e fortalecimento das estruturas que os sustentam.
Essa direita à la Kassab pode até não eleger o presidente da República, como vivem repetindo como consolo. Mas mantém um governo, como faz agora com Lula, sob controle quase absoluto das suas vontades, na coalizão dentro do Planalto e nas sabotagens dentro do Congresso.
Essa direita forte começa com a eleição do vereador dono do mercadinho de Cacequi e do prefeito criador de bois em campos de queimadas na região de Piracicaba. É assim nessas cidades e em pelo menos 80% do território nacional sob comando dessa gente.
O eleitor médio do PSD, que não liga muito para ideologia numa disputa municipal, pode não imaginar Kassab como presidente. Mas a maioria torce para que Kassab tenha base e muito poder para interferir na escolha do presidente e participar depois dos mecanismos de controle do governo. Como já tem hoje em Brasília e terá muito mais amanhã.
Mas se as emendas não explicam tudo, o que afinal desvenda por completo o crescimento do que ainda chamam de centro e da velha direita na eleição? São respostas que dependem muito de pesquisa e estudo e menos de chutes e calmantes.
Nos chutes possíveis, podem dizer que a eleição municipal, com suas feições próprias, finalmente livrou a direita da sombra de Bolsonaro e mostrou que o eleitor pouco quis saber de Lula.
Que a polarização se diluiu. Que o Brasil redescobriu o centro e que as esquerdas, por cansaço, envelhecimento, omissões e desgaste, vão se conformando, desde 2020, com o tamanho que tinham antes do PT.
Poderemos estar entrando numa distopia regressiva, no vasto mundo fumacento do centrão-emendão de Kassab, com um cenário primo do que existia nos tempos de Arena e MDB, com as suas muitas nuances e graduações.
Estamos no meio de um transe do que parece ser um mundo pré-PT, com as muitas Arenas paroquiais 1, 2 e 3, com os variados MDBs dos autênticos, moderados e infiltrados e com as turmas do entorno, nas esquerdas que já foram classistas e agora são fortes por suas vozes identitárias.
Esse é o cenário. As emendas que engordaram o porco de Kassab na eleição só existem porque a direita já é forte, impositiva e faminta e fica com quase tudo. E as esquerdas se encolhem.
Essa direita apenas se fortaleceu um pouco mais agora na base de onde emerge, nos municípios de todos os tamanhos, incluindo as capitais. Que não se subestime o tamanho desse estrago daqui a dois anos.