De cabeça para baixo, envolto numa bolsa d'água, na iminência de ver a luz: assim encontra-se o narrador de Enclausurado (2016), a obra mais recente do autor inglês Ian McEwan.
O instigante romance é narrado sob o ponto de vista de um bebê que, do ventre de sua mãe, já tem conhecimento sobre o perverso mundo que o espera. E que mundo é esse? Aquele em que seu tio e sua mãe são amantes e tramam matar o pai da criança que está por vir.
O livro mistura suspense, humor e ousada criatividade. Manter a verossimilhança, fazer o leitor acreditar que um feto seja capaz de saber tanto foram desafios que McEwan cumpriu, ao utilizar diversos recursos narrativos.
Não foi tarefa fácil, e, em alguns momentos, olhamos um tanto desconfiados para esse narrador. Mas a expectativa acerca do nascimento, do crime que está para ser cometido e da ação da polícia prendem-nos na leitura, até o fim.
“Então aqui estou eu, de cabeça para baixo, dentro de uma mulher. Braços cruzados pacientemente, esperando, esperando e me perguntando dentro de quem estou, o que me aguarda. Meus olhos se fecham com nostalgia quando lembro como vaguei antes em meu diáfano invólucro corporal, como flutuei sonhadoramente na bolha de meus pensamentos num oceano particular, dando cambalhotas em câmera lenta, colidindo de leve contra os limites transparentes do meu local de confinamento, a membrana que vibrava, embora as abafasse, com as confidências dos conspiradores engajados numa empreitada maléfica.”
(Enclausurado, Ian McEwan, 2016. Editora Companhia das Letras)
O autor é um dos grandes nomes do romance contemporâneo e tem várias obras primorosas, como O Inocente (1990), que se passa no período da Guerra Fria, e Solar (2010), que aborda os problemas climáticos. McEwan foi vencedor de vários prêmios, incluindo o Man Booker Prize.
Ficou curioso? Não deixe de ler. Como está inscrito na própria contracapa de Enclausurado: “ainda está para nascer um narrador como este.”.